"O renascimento do hebraico talvez seja
uma das histórias mais loucas do século passado"
Natalie Portman nasceu Natalie
Hershlag, em Jerusalém. Deixou Israel com três anos para viver nos Estados Unidos
onde começou adolescente uma carreira brilhante coroada com um Oscar e dois
Globo de Ouro, aos 28 anos.
Aos 33, a psicóloga de Harvard se lança na direção
com um projeto ousado que remete a suas origens. “De Amor e De Trevas” (“A Tale
of Love and Darkness”), ainda sem data de estreia no Brasil, que aborda a
formação do Estado de Israel. Além de dirigir, ela interpreta a mãe suicida do
escritor israelense Amoz Oz, autor do livro homônimo, que libera uma adaptação
pela primeira vez.
Você não se sentiu intimidada por
abordar, logo no seu filme de estreia como diretora, uma questão tão polêmica
como a criação do Estado de Israel?
Eu só conseguiria me lançar numa empreitada desse porte para tratar de
uma problemática que mexe profundamente comigo. O filme não aborda apenas o
conflito e o que houve de heróico ou condenável. É um drama familiar, mas
também um relato peculiar e sensível sobre o desafio da formação de um país, a
começar pela busca por uma língua. O renascimento do hebraico, um dos temas do
livro, talvez seja uma das histórias mais loucas do século passado. Eles
simplesmente tomaram uma língua praticamente morta, usada apenas para orações,
e fizeram dela uma língua falada. Eu tive de mergulhar no contexto histórico
daquele momento, o que, por acaso, incluía o início de um país. Isso não
acontece todo dia.
Existe uma vontade de sensibilizar o
público para as questões da população israelense?
Reconheço a importância de livros e de filmes com a função de abrir os
nossos olhos para povos e realidades diferentes. Filmes ajudam a entender as
pessoas com as quais não temos contato, que vivem do outro lado do mundo. É um
privilégio conhecer histórias específicas, de diferentes nacionalidades, do
ponto de vista dos outros. Há muitos caminhos nessa vida. O importante é
sentirmos empatia pelo que acontece com os outros também.
Ficou à vontade para atuar em
hebraico?
Foi mais difícil do que eu esperava. Sempre falei a língua por querer
estar próxima da minha origem, mas ainda cometo muitos erros. Todos riem de mim
quando me confundo na hora de usar o masculino e o feminino, algo que,
felizmente, não existe em inglês (risos). Ainda tive de amenizar o meu sotaque.
Como a minha personagem é uma imigrante no filme, ela poderia ter sotaque. Mas
não o americano. Poderia até ser um sotaque estranho, mas não identificável.
Passar uma temporada em Israel, lugar
que você deixou na primeira infância, mudou a sua percepção sobre o país?
O que sempre me fascinou em Israel é o debate vibrante que acontece em
todo o lugar. As pessoas brigam por política e brigam com muito amor. São
centenas de opiniões, em um diálogo inesgotável e inescapável. Eles podem não
concordar com você, mas gostam da discussão. Faz parte da vida do israelense,
ainda que seja um jeito muito tenso de viver. Você não consegue ir a lugar
algum sem que o assunto em pauta seja política ou economia.
Qual o papel da religião na sua vida?
Os rituais judaicos sempre foram importantes na minha vida. É uma forma
de eu nunca esquecer de onde vim. Para as coisas mais específicas da vida, no
entanto, prefiro a moral não religiosa, o que me permite desconsiderar o que
não serve mais.
É verdade que você não concorda com a
maneira como o Holocausto é ensinado nas escolas, por ofuscar outras vítimas
que não os judeus?
Não há dúvidas sobre a importância de lembrarmos e respeitarmos o
Holocausto. Mas não podemos esquecer que o ódio sempre existiu na história da
humanidade. Nós precisamos sentir empatia pelas outras comunidades que também
sofreram do mesmo mal. Nós judeus não podemos ser paranóicos e nos colocar como
as únicas vítimas do Holocausto.
Quando se deu conta disso? Houve um
momento em particular?
Percebi a minha ignorância sobre as tragédias de outros povos ao viajar
para Ruanda, integrando a equipe que rodou o documentário para televisão
“Gorillas on the Brick”, em 2007. Ao visitar um museu local, fiquei chocada com
a história do país, principalmente com o genocídio de 1994. Por que nós não
aprendemos isso na escola?
Como uma cineasta estreante conseguiu
convencer o autor Amos Oz a vender os direitos da obra depois de outras
negativas a diretores mais experientes?
Mostrei minha paixão e meu respeito pelo projeto. E prometi a Amos Oz
não simplificar ou dar qualquer explicação para o suicídio de sua mãe, que
ocorreu quando ele tinha 12 anos. Foi isso que o impediu de vender o livro a
outros cineastas que o procuraram no passado.
Cannes tem o poder de alavancar ou
destruir a carreira de um filme. Você não teve medo de fazer a première de seu
primeiro longa-metragem como diretora no maior festival de cinema do mundo?
Sabia que seria inevitavelmente submetida às críticas. Mas aprendi há
muito tempo que todo artista precisa aprender a levar porrada da crítica e do
público. No momento que você resolve se expor, apresentando a sua obra
publicamente, tem de perder o medo. Isso é o que eu sou e o que eu penso,
independentemente do que vão dizer.
Você criou o filme para atuar nele?
Queria escalar uma atriz israelense. Mas foi impossível pelo fato de o
filme não ter vocação comercial. Justamente por eu dirigir pela primeira vez,
para conseguir investidores, tive de garantir que o filme tivesse visibilidade.
Não conseguiria o financiamento de US$ 4 milhões se tivesse insistido em filmar
com uma atriz desconhecida. Além do que, hoje estou pronta para o papel; não
era o caso, quando eu me interessei pelo projeto, há oito anos.
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