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Censo e sensibilidades

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Censo e sensibilidades





Abraham Rabinovitch

O Iluminismo e as reformas napoleônicas abriram o mundo moderno ao povo judeu imerso até então num ambiente fechado de tradição e pobreza. 

Melhores condições de saúde e uma significativa redução na mortalidade infantil resultaram em espetacular crescimento da população judaica no leste europeu no século XIX e sua relativa expressão no mundo judaico como um todo. Dos 10,5 milhões de judeus no mundo, em 1900, 7,4 milhões viviam na Europa central ou ocidental.

Um dos aspectos mais impressionantes dos judeus do leste europeu era a sua densidade demográfica, diz o demógrafo Sérgio Della Pérgola, da Universidade Hebraica. Quase metade dos 5 milhões de judeus do império russo viviam aglutinados, constituindo pequenas comunidades em seus locais de residência. Isto teve enorme impacto em sua interação e perpetuação das normas judaicas, do seu modo de vida. Eles falavam ídiche e viviam "judaicamente".

Na última metade do século XIX, os judeus começaram a migrar em grande número para as cidades, à medida que as restrições residenciais desapareciam. Odessa, Kiev, Lodz e muitas outras cidades começaram a abrigar numerosos bairros judeus.A população de Varsóvia cresceu de 40 mil na metade do século XVIII para 220 mil ao redor do ano de 1900. Embora minoria nas cidades, os judeus também ali se concentravam em grande densidade, o que facilitava a continuidade da vida comunitária.

Ao mesmo tempo, outros judeus motivados por pogroms, arrumavam seus magros pertences e dirigiam-se em outras direções - para a "goldene medine". Na virada para o século XX havia um milhão de judeus vivendo nos Estados Unidos, incluindo imigrantes já antes chegados da Alemanha. Um pequeno número de idealistas havia optado por imigrar para a atrasada região da Palestina, na época sob domínio turco. "Foi uma época de incrível mobilidade", diz Della Pérgola. "Um animado tempo de mudanças. Ainda se via o velho mundo, mas novas tendências estavam no auge".

Até a Idade Média, o mundo muçulmano havia sido o coração do judaísmo, mas com a decadência dos países anfitriões, a vida dos judeus da região também deteriorou-se. No século XVI, os judeus se dividiam praticamente em metade sefaradim e a outra de ashkenazim. Por volta de 1900, os sefaradim constituíam somente 7% dos judeus do mundo, resultado de uma estagnação da taxa de natalidade e uma alta taxa de mortalidade infantil.
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Os demógrafos gostam de configurar suas previsões projetando as tendências existentes em linha reta. Este modelo teria sido inútil no começo do século XX. "Teria sido muito difícil, em 1900, predizer que lá pelo ano de 2000 haveria um Estado de Israel e que 50 mil judeus vivendo na Palestina teriam aumentado para 5.1 milhões", diz Della Pérgola. "E quem poderia Ter predito um Holocausto com seis milhões de vítimas?" O que aconteceu durante este século desafiou a imaginação e a sabedoria. Não só o que aconteceu aos judeus, mas também ao sistema mundial, cujas transformações foram imprevisíveis.

Se não fosse pelo Holocausto, o judaísmo mundial contaria hoje com 26 a 32 milhões, numa estimativa muito conservadora. Faturamos perdas devido à assimilação e à baixa taxa de natalidade. Em vez disso, o número real é de 13 milhões, dos quais 5,7 estão nos Estados Unidos. Junto com os 5,1 milhões em Israel, isso representa 80% do judaísmo mundial, uma concentração muito mais compactada do que há um século atrás.

"As reservas judaicas no exterior estão encolhendo. Não há mais milhões de judeus na antiga União Soviética, como querem alguns", diz Della Pérgola. Há meio milhão de judeus declarados, ao redor dos quais giram círculos de gente elegível para imigração a Israel pela

Lei do Retorno. Poderá haver algumas poucas dezenas de milhares de judeus ocultos que ainda não emergiram, mas nunca centenas de milhares ou milhões. Outras grandes concentrações se encontram na França (500 mil), Canadá (360 mil), Reino Unido (280 mil), Argentina (200 mil), Brasil (100 mil), Austrália (100 mil) e África do Sul (80 mil). A proporção entre ashkenazim e sefaradim no mundo agora é de 70 por 30 mas, em Israel, onde vive a maioria dos sefaradim, é de aproximadamente meio a meio.

Nunca, desde que multidões de judeus deixaram as fileiras do judaísmo depois da destruição do Segundo Templo para incorporarem-se ao mundo pagão, cristão e, mais tarde, muçulmano, os judeus abandonaram sua fé como no século XX. E, talvez nunca também, desde o período do Segundo Templo quando idumeus e outros foram agregados, às vezes pela espada, tantos não judeus uniram sua fé à do povo judeu, como tem acontecido com o atual influxo de russos e ucranianos sob a Lei do Retorno. Somente um pequeno número deles converteu-se ao judaísmo, mas do resto espera-se que "convirjam" no devido tempo, junto com seus filhos, para um modo de vida judaico-israelense.
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O que está acontecendo aos judeus no mundo é sem precedentes. As perdas são muito significativas mas, recentemente, os ganhos também o são. A habilidade do povo judeu de prosseguir adiante apesar do que aconteceu durante o Holocausto, evidencia uma extraordinária força de vontade. Presenciamos neste século uma insólita manifestação desta vontade de sobrevivência, a capacidade dos judeus de vencer a tragédia e passar adiante para criar sua própria estrutura existencial. E conseguiram isso, basicamente por esforço próprio.

Vencer a tragédia nacional provou ser mais simples do que se livrar da erosão da assimilação. Casamentos mistos têm sido um poderoso elemento de erosão nos Estados Unidos e no mundo em geral. Pesquisas mostram que a maioria dos filhos destas uniões não são educados como judeus.

A existência de um estado judeu tem sido o mais forte elemento na luta para manter a identidade judaica na diáspora. Mesmo para aqueles que nunca farão aliá e que não se identificam com os procedimentos do governo israelense, Israel é um ponto de referência. Obriga-os a refletir e ser mais conscientes do seu judaísmo. Outro importante fator estabilizador, principalmente nos EUA, são os movimentos Conservador e de Reforma que permitem a muitos aderir à sua identidade judaica em vez de integrarem-se na sociedade mais ampla.

A comunidade ortodoxa nos EUA tem uma taxa de natalidade mais alta do que outros judeus e é basicamente imune à assimilação, mas representa apenas 6 a 7% da população judaica. Por volta de 2020, diz Della Pérgola, a cifra poderá aumentar para 10 a 15%. O estranhamento entre ortodoxia e secularismo, dilacerando o mundo judaico em direções opostas, é um problema tão grave quanto à assimilação.

Apesar dos perigos de tais predições, Della Pérgola estima que por volta de 2020, a população judaica mundial será aproximadamente a mesma de hoje, com 13 a 13,5 milhões, com Israel constituindo 45% do total, em vez dos 36% de hoje.

Israel poderá se tornar, ou não, "uma luz para as nações", mas sua incumbência será sempre servir de luz para os judeus do mundo, se a diáspora quiser conservar sua força vital. O desafio para o povo judeu neste século que se inicia será deter a progressiva polarização e procurar a coesão entre estas duas pontas. Isso exige líderes capazes de criar discursos e temas comuns. A sobrevivência judaica, certamente um dos fenômenos mais extraordinários da história, tem sido mantido e conservado pela religião, por um isolamento parcialmente auto-imposto e imposto pelo mundo exterior, e por estratégias de sobrevivência. Estas estratégias permitiram aos judeus adaptarem-se com assombroso sucesso a novos ambientes, providos de um organismo com vontade indomável de viver.

A religião não é mais um forte aglutinante e o isolamento do mundo exterior reduziu-se a um fator em surdina nos dias de hoje. Será interessante nos próximos anos saber se a vontade de viver será forte o suficiente para configurar novas estratégias de sobrevivência.

* Este artigo foi retirado do Jerusalem Post e da edição No 106 da revista Herança Judaica.

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