Com chance de governar Reino Unido, trabalhista enfrenta rejeição.
O auditório do Instituto Real de Arquitetos Britânicos, em Londres, está lotado. Após discursar e atacar o governo conservador, o líder trabalhista Ed Miliband, 45, abre espaço para simpatizantes do partido e jornalistas.
Ele organiza, inclusive, a ordem de quem vai perguntar. Sabe de cor e chama pelo nome cada repórter britânico. Em resposta ao canal SkyNews, provoca o premiê britânico, David Cameron: "Ele nunca vai colocar a família da classe trabalhadora em primeiro lugar".
No papel, Miliband tem requisitos para virar primeiro-ministro após a acirrada e imprevisível eleição desta quinta-feira (7). Lidera o principal partido de oposição desde 2010 e carrega diplomas das mais prestigiadas instituições britânicas, como a Universidade de Oxford e a London School of Economics (LSE).
"É um político de centro-esquerda, que aposta no crescimento econômico baseado na melhoria dos serviços públicos e na participação da classe trabalhadora de maneira efetiva na economia", disse à Folha o professor Tim Bale, da Queen's University.
Bale lançou na campanha o livro "Five Year Mission: The Labour Party under Ed Miliband" (algo como "missão de cinco anos: o Partido Trabalhista sob Ed Miliband").
Na vida pessoal, tem uma história de respeito: é filho de imigrantes refugiados judeus –o pai, um professor marxista de origem polonesa, sobreviveu ao Holocausto.
Mas o líder trabalhista passou os últimos cinco anos tentando provar que não é um político fraco e indeciso.
MÁ AVALIAÇÃO
Pesquisa do instituto YouGov divulgada há duas semanas aponta que 54% dos britânicos consideram "ruim" o seu desempenho como líder da oposição, ante 36% que o avaliam como "bom".
Miliband tem ainda de lidar com sátiras da mídia por causa de sua voz anasalada e da aparência muitas vezes estereotipada (uma foto em que come, com dificuldade, um sanduíche de bacon 'viralizou' na internet).
"Ele melhorou um pouco a imagem na campanha. Mas na política, como na vida, a oportunidade de mudar a cabeça das pessoas sobre você é limitada depois que já se formaram as primeiras impressões, ainda mais se forem baseadas na aparência e na voz", destaca Tim Bale.
Talvez o principal feito de Miliband tenha sido derrubar o irmão David, quatro anos mais velho, dentro do Partido Trabalhista em 2010.
Cria do ex-premiê Gordon Brown (2007-10), de quem foi ministro de Energia e Mudança Climática, Ed Miliband simboliza o racha na legenda após a era Tony Blair (1997-2010). Seu irmão, David, foi chanceler de Blair e era a sua aposta para chegar a Downing Street (sede do governo).
O desgaste do ex-primeiro-ministro, sobretudo por causa da invasão do Iraque, fortaleceu Ed e seu grupo, que buscam levar o partido a uma tendência mais à esquerda.
Detalhe: o rompimento com o irmão também ocorreu no campo pessoal –ambos, segundo a mídia britânica, mal se falam hoje em dia.
A pesquisa do instituto YouGov perguntou quem é o líder mais capaz entre os partidos. Miliband ficou em segundo com 15%, atrás de David Cameron, 33%. Ou seja, suas chances de virar premiê se devem mais à insatisfação dos britânicos com a rígida austeridade fiscal do governo Cameron do que à popularidade da oposição.
Destaca-se também nesse cenário o sistema eleitoral.
As pesquisas mostram que nenhum dos dois partidos tradicionais, Conservador e Trabalhista, vai atingir a maioria de 326 cadeiras no Parlamento, de um total de 650, para governar sozinho.
O partido de Miliband deve, inclusive, ficar em segundo lugar, mas tem grandes chances de chegar ao poder com o apoio do SNP (Partido Nacional Escocês) e do Liberal-Democrata.
Ambos cogitam elegê-lo, mas não integrar sua gestão, no que seria o chamado "governo de minoria".
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RAIO-X
Nome
Edward Samuel Miliband
Nascimento
24.dez.1969, em Londres. É casado com Justine Thornton, com quem tem dois filhos
Formação
Estudou na Universidade de Oxford (filosofia, política e economia) e também na London School of Economics (LSE)
Carreira política
Ocupou o cargo de secretário de Energia e Mudanças Climáticas no governo do primeiro-ministro Gordon Brown (2007-2010)
Foi escolhido em setembro de 2010 como líder do Partido Trabalhista, que faz oposição ao governo do premiê conservador David Cameron
Em disputa acirrada, venceu o irmão mais velho, David Miliband
PRINCIPAIS PROMESSAS
- Reduzir as previsões de cortes de gasto público
- Aumentar o salário mínimo de £ 6,5 (R$ 30,15) por hora para £ 8 por hora
- Congelar tarifas de energia
- Aumentar em £ 2,5 bilhões o investimento no NHS, o sistema de saúde britânico