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A Apostasia

A ApostasiaA Carta sobre “A Apostasia”

Pelo Rabino Nissan Ben Avraham

A partir da segunda metade do século 11, da era comum, e durante quase 200 anos, se seguiram, na chamada Andalúcia, duas severas dinastias muçulmanas. A primeira foi a dos ‘Murabitun’ (almorávides – “os lutadores”), que chegaram em Andalúcia perto do ano 1086, para impor o verdadeiro Islã, que havia sofrido uma mudança pelos muçulmanos que já habitavam a região. Quando estes se enfraqueceram, após cerca de um século, chegaram seus parentes, os ‘muwajidún’ (almohades – os “unificadores” do nome de Alá), que lutaram para estabelecer novamente o verdadeiro Islã.

Estas duas dinastias nasceram no Magrebe, o que hoje conhecemos como Marrocos, mais precisamente nas montanhas do oeste do Atlas, e, lutavam para estabelecer um Islã mais conectado às normas que haviam recebido nas grandes escolas de Qairuán, Tunísia e Bagdá, na Mesopotâmia. Os ‘muwajidún’ lutaram principalmente contra a corporeidade de Alá, que consideravam uma heresia para o Islã, e, por esta razão, se autodenominaram os “unificadores” do nome de D´us, ou seja, aqueles que estabeleciam a verdadeira teologia islâmica, no seu ponto de ver, obviamente.

Ambas as dinastias, que eram conhecidos por suas ferocidades, pela violência e intolerância, tanto com seus correligionários, quanto com os “dhimmis” – judeus e cristãos que viviam em suas terras, pagando altos impostos, e, em teoria, eram aceitos pelo Islã, por serem anteriores ao Islã, e chamados de “Povos do Livro”, ou seja, ambos receberam uma versão anterior do Kurán, o “Taura” (Torá) e o “Ingil” (Evangelho), respectivamente.

Quando conquistaram o Magrebe, logo em seguida chegaram a Andalúcia, e, então começaram a exigir que todos se convertam ao islamismo. Aqueles que puderam, fugiram para outras terras, e aqueles que permaneceram, aparentemente deveriam ter aceitado o Islã, embora tenha continuado a existir comunidades cristãs e judaicas, sob este domínio. Curiosamente, parece que, precisamente bem no olho do furação, na cidade de Fez, os judeus mantiveram uma certa independência ou, pelo menos, o direito de seguir sua religião.

A “Shahada”

De qualquer forma, os judeus questionaram este seríssimo dilema de como reacionar a esta situação que surgiu.

O Talmud diz que a idolatria é estritamente proibida, mesmo sob ameaça iminente de morte. E isto aplica-se, como se sabe, também ao cristianismo que é considerado idolatria, em todas as suas correntes e seitas, a partir do momento em que aceitam um homem como “Deus” ou “filho” de deus, mesmo sem praticarem um culto com imagens.

Mas o Islã é diferente. Nesta religião não existem outros deuses, não aceitam a divindade de Jesus e não possuem imagens. Todo o necessário para se converter ao islamismo, pelo menos em teoria, é a declaração de “Testemunho”, ou “Shahada”, em árabe, que diz “Não existe outro D’us senão Alá, e Maomé (Muhammad) é seu profeta”. O D’us a qual se referem é o criador do mundo, sem aditivos ou corantes, (embora uma versão muito primitiva e rasa) assim que esta primeira parte do ‘Shahada’ não apresenta nenhum problema. A segunda parte, que consiste em declarar que Muhammad é “o” profeta, o “selo” dos profetas (ou seja, o último e principal), é um erro grosseiro, devemos descartar e evitar, mas ainda assim, não se trata de idolatria.

A questão, portanto, era se, fazer esta declaração consistia em uma transgressão que deveria ser negada, mesmo sob ameaça de morte, ou que sob ameaça de morte, poderia ser feita. Obviamente que não aceitamos que Muhammad era um profeta, uma vez que nossa noção de o que era um profeta é radicalmente oposta a esta figura, assim como a de Jesus. Mas qual é o pecado de fazer esta afirmação? É evidente que o judeu que declara tal coisa, certamente não acredita nisto, e inclusive as forças muçulmanas que o forçavam, tinham conhecimento disso, mas se tratava apenas de uma declaração da boca para a fora, para salvar a própria pele. Mas mesmo tal declaração, do lábio para fora, em relação a uma idolatria, seria estritamente proibida, sem dúvida, como, por exemplo, como o foi com o cristianismo.

O Sábio de Fez

Nestes tempos surgiu um personagem, provavelmente um rabino, chamado Yehuda Hacohen Ibn Shushan, que criticou duramente os “Anussim”, aqueles que aceitaram recitar a Shahada para salvar suas vidas. Na sua opinião, perdiam assim seus status de “judeus” e também suas porções neste mundo e no mundo vindouro, após terem contaminado seus lábios com tais profanações. Isto afetava comunidades inteiras, que, aparentemente, não resistiram às ameaças dos muwajidún e tiveram que recitar a Shahada. Os judeus que já tinham recitado a Shahada, acreditavam que, seguindo a opinião deste sábio, não tinham mais a necessidade de se comprometer com os mandamentos da Torá em segredo e, assim, efetivamente desapareceram como judeus.
Já Maimônides não concordava com esta visão e criticou com palavras duras o sábio de Fez, apresentando várias provas contra a sua opinião.

Fundamentos em Defesa

Primeiro está a grave proibição de falar mal das comunidades judaicas, mesmo estas que tinham recitado a Shahada. Cita, por exemplo, o caso dos filhos de Israel nos tempos do profeta Eliyahu (Elias), que eram idólatras em sua maioria, e quando ele falou mal destes, o Criador lhe castigou severamente.

Ele também cita a história do Talmud, quando o Rabino Meir, se faz passar por um não-judeu para salvar sua vida, inclusive mergulhando o dedo em um caldo de carne de porco, chupando outro dedo, em seguida, para fazer os inimigos acreditarem que ele havia comido do caldo, e outro deles, o Rabino Eliezer o Grande, do qual o Midrash (Kohelet Rabá) afirma que cometeu apostasia.

Maimônides explica que a pessoa sempre pode consertar, especialmente quando a atitude foi tomada em uma posição de coerção completa. Uma pessoa que tenha cometido idolatria sob coação, embora devesse ter preferido a morte, não recebe qualquer punição, seja neste mundo ou no próximo, caso não o tenha feito. E, portanto, deve continuar a esforçar-se para cumprir quantos mais comandos puder, em segredo, esperando a oportunidade de poder escapar para outros lugares, onde possa retomar sua vida religiosa.

1391

Alguns séculos mais tarde, em 1391, quando a coerção aconteceu em Castela e Aragão, por parte dos cristãos, dois rabinos citaram esta carta de Maimônides. Foram estes o Rivash (Rabi Yitschac bar Cesat Perfet, de Valencia) e seu aluno Rashbats (Rabi Shimon ben Tsemach Duran, de Mallorca), que escreveram suas respostas no que diz respeito aos Anussim, citando Maimônides, a primeira na resposta 11 e a segunda nas respostas 60 e 61.

Neste sentido, sem dúvida, se tratava de um problema de idolatria, mas, mesmo assim, estes dois rabinos saíram em defesa dos Anussim, afirmando que estes não deixaram de ser judeus por terem cometido idolatria, mesmo que deveriam ter preferido a morte, acrescentando que, por muitos anos e mesmo séculos, continuaram sendo judeus, ainda obrigados a cumprir toda a Torá, assim como seus antepassados.

Apesar de tudo isso, em seu livro de Leis “Mishne Torá”, Maimônides afirma que aquele que escolher permanecer nestes lugares onde os judeus são forçados a transgredir os mandamentos da Torá, é considerado pior que um “cão que chafurda no vômito”, e deve fazer todo o possível para escapar desta terra inóspita e buscar viver num lugar onde poderá praticar livremente os mandamentos divinos.

A “Carta de Apostasia”, ou a “Carta da Santificação do Nome Divino” é um dos textos mais importantes para a compreensão da questão da coerção e dos Anussim, e aí está a base de tudo aquilo que devemos saber sobre o assunto.

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