Professora de Direito da USP: “Como é possível que os judeus não se sintam mais seguros na Europa?
Maristela Basso, professora livre-docente de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP, mostra comoção com o grande número de judeus que deixam a França por Israel e o aumento dos ataques antissemitas nas ruas da Europa. Leia abaixo texto publicado por ela no site “Justificando”.
Aliyah: por que ninguém faz nada?
Por Maristela Basso
"Em hebraico, “aliyah” descreve o processo em que judeus nascidos em qualquer lugar do mundo emigram para Israel para exercerem o direito à cidadania israelense. Aliyah, portanto, é um valor fundamental do sionismo e um direito garantido por lei em Israel.
Certamente, há diversos fatores por trás de cada uma das decisões individuais que levam os judeus a emigrarem para Israel e deixarem para trás amigos, familiares, bens e parte de suas histórias. Mas chama atenção o aumento do número de imigrantes franceses em Israel, e preocupa seriamente o nível de antissemitismo na sociedade francesa, incentivado, especialmente, pela Frente Nacional (FN), partido político de extrema-direita, cuja principal meta é a tolerância zero contra a imigração, associada à promoção do revisionismo histórico, em especial no que diz respeito à Segunda Guerra Mundial. Imigrantes, para a FN, são todos os não europeus, inclusive judeus.
Desde 2014, mas especialmente depois dos ataques ao “Charlie Hebdo” e ao supermercado de comida judaica, tem sido grande o ímpeto dos judeus, nascidos ou não na França, de deixar o país em busca de abrigo seguro nas terras de Israel. Essa conduta encontra respaldo no fato de que quando acontecem coisas terríveis, primeiro corremos para nos proteger e, depois, reaparecemos para mostrar, uns aos outros, que ainda estamos vivos.
O Channel 10, canal de televisão de Israel, entrevistou um dos sobreviventes do cerco ao supermercado kosher que tinha se escondido numa câmara fria no porão, enquanto o atirador matava suas vítimas na loja. Yohan Dumas descreveu como o assustado pequeno grupo lutou para se manter aquecido e, diante das câmaras da TV, anunciou que iria abandonar a França. Para explicar sua decisão, disse: “Não estamos aqui esperando para morrer”.
O final sombrio e violento em Paris foi, como vimos, acompanhado em vários cantos do mundo com pesar, dor e medo do futuro. Porém, a comunidade israelense de judeus de língua francesa seguiu o drama com particular tristeza e, como eles mesmos dizem, sem surpresa. Depois disso, o número dos que decidiram mudar de país aumentou mais do que nos últimos anos. 50 mil judeus deixaram a França em 2014 e, recentemente, o número deles pedindo informações sobre a mudança da França para Israel atingiu patamares inimagináveis. Essa tendência põe às claras um dos argumentos fundamentais por trás da criação de Israel: a ideia de que uma história de perseguição e falta de nacionalidade deu ao povo judeu o direito a um lugar seguro.
Israel está no meio de uma campanha eleitoral, e vários líderes partidários – incluindo o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu-, foram à França após os ataques. A mensagem de Netanyahu para os judeus franceses foi simples: Israel está pronto para recebê-los de braços abertos, caso decidam se mudar. Para tanto, existe no país um órgão encarregado de supervisionar a imigração e absorção dos judeus que exercem seu direito de viver em Israel: a Agência Judaica.
Sem dúvida, todos nós, homens de bem, compartilhamos da mesma comoção. Como é possível que judeus não se sintam mais seguros em Paris, Londres ou Roma, na maneira como estavam acostumados ou como deveriam estar após a Segunda Guerra Mundial? Como é possível termos chegado a um momento em que judeus não se sentem seguros em andar pelas ruas europeias com a cabeça coberta com seu “quipá”? O que buscam seus agressores?
Sabe-se, lamentavelmente, que os agressores querem a “morte social das vítimas”, a “excomunhão” delas da moral comum da comunidade e, ao mesmo tempo, buscam o desenvolvimento da “culpa” nas vítimas. A desumanização da vítima é, portanto, o objetivo deles.
A natureza humana é violenta, e também é sabido que a pulsão de vida e a pulsão de morte se digladiam dentro de nós.
Infelizmente, o pior (mas o pior mesmo) é saber que não obstante os grandes progressos realizados no curso da história para abolir o feudalismo, o despotismo, a escravidão, a segregação racial e as discriminações de todo gênero, ainda se cometem crimes contra a humanidade – que implicam as tendências mais repugnantes do etnocentrismo, da xenofobia e da intolerância às diferenças.
Entretanto, precisamos buscar, com urgência, alternativas ao moderno totalitarismo instaurado, no qual o inato impulso de agressão do homem atinge características multiformes, e a crueldade/maldade torna-se a força mais poderosa sobre a Terra. Sabe-se que as alternativas são poucas fora da educação e de leis em favor da tolerância e do pluralismo. E, o mais importante, devemos ensinar nossas crianças a desobedecer e a resistir à cultura da crueldade, da discriminação e da desconsideração (ou desumanização) do outro. Esse é um trabalho que não pode mais ser adiado".
Fonte: Conib