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Tatiana Salem Levy, entre o autor, o narrador e a personagem


Por Ramon Mello

Tatiana Salem Levy ficou conhecida com a publicação do primeiro romance, A chave de casa (Record, 2007) – vencedor do Prêmio São Paulo Literatura em 2008. Desde então, a escritora tem se firmado como uma das mais importantes escritoras da literatura contemporânea no Brasil.

O livro de estreia, publicado primeiro em Portugal pela editora Cotovia e no Brasil pela editora Record, já foi vendido para Espanha, França, Itália e Turquia. A autora aguarda adaptação para o cinema, a ser realizada pelo diretor Toniko Melo,cujo primeiro filme, VIPs estreia em março nos cinemas.

Além do premiado romance, Tatiana Levy escreveu A experiência do fora (Relume Dumará, 2006) – resultado da dissertação de mestrado a partir do pensamento dos franceses Maurice Blanchot, Michel Foucault e Gilles Deleuze –, que será reeditado pela editora Civilização Brasileira neste ano.

Em entrevista ao SaraivaConteúdo, a escritora revê a própria trajetória através dos livros, como a antologia Primos – história da herança árabe e judaica (Record, 2010), organizada em parceria com Adriana Armony. E, ainda, fala sobre o novo romance, Silêncio, a ser lançado ainda este ano pela Record.

 

Além do premiado livro de ficção A chave de casa (Record, 2007) você é autora de A experiência do fora (Relume Dumará, 2006),um livro teórico...

Tatiana Salem Levy. Foi minha dissertação de mestrado [na PUC–Rio], sobre [Maurice] Blanchot, [Michel] Foucault e [Gilles] Deleuze. Abordando o "conceito do fora" na obra dos três autores. O Blanchot criou esse "conceito do fora". Resumindo muito, é a ideia de que a arte constitui esse fora, um mundo às avessas. O artista é aquele que está dentro e, ao mesmo tempo, está fora, que constrói alguma coisa para além dos limites do conhecido... A Civilização Brasileira vai reeditar o livro em março de 2011.

Por que reeditar A experiência do fora?

Salem Levy. Eu tive essa vontade porque muitas vezes recebo e-mails de pessoas interessadas não no romance A chave de casa, mas nesse livro. Foucault e Deleuze são dois pensadores muito em voga nas artes de forma geral... E o Blanchot está sendo descoberto. Na verdade, tive ideia dessa reedição porque o Antunes Filho me procurou por causa desse livro, A experiência do fora. Ele disse que todos do grupo dele têm que ler o livro, para pensar o teatro. Nem é um livro que eu adoro, muito teórico. Resolvi largar a universidade para me dedicar a ficção. Interessa-me muito mais fazer ficção do que um texto que trabalha especificamente com teoria.

Como a teoria do livro A experiência do fora aparece no seu texto ficcional?

Salem Levy. Pois é... Eu nunca sei responder a essa pergunta. É como se fossem duas Tatianas: a Tatiana teórica e a Tatiana ficcionista. Quando estou escrevendo ficção, não fico pensando nas questões teóricas, mas sei que elas estão dentro de mim. De alguma forma, essas questões estão em mim. Não penso nos conceitos de Blanchot, Foucault, Deleuze ou outros teóricos quando estou fazendo literatura. Deve entrar inconscientemente...

A chave de casa também é resultado de uma tese acadêmica.

Salem Levy. Resultado da minha tese de doutorado. Trata-se mais da memória do que de autobiografia. Não gosto muito quando falam que o romance é autobiográfico... Eu me defendo e as pessoas perguntam: "Por que ela se defende? Afinal de contas, é autobiográfico". Não é um romance autobiográfico, no sentido que aquilo ali não é a minha vida. Tem muitas coisas que estão no livro que eu experimentei, mas transformei essa experiência em outros personagens, outras situações. E brinquei, é claro, com a fronteira de autor, narrador e personagem. Existe essa brincadeira, mas não é um livro autobiográfico. Eu mexo, basicamente, com a memória: memória da imigração, memória da minha família que sai da Turquia para o Brasil, memória do exílio durante a ditadura... A memória é muito fragmentada, estilhaçada, isso me interessa. Em uma autobiografia, você tem a ideia de que está reconstruindo alguma coisa com um pouco mais de certeza. Não certeza absoluta porque autobiografia é sempre, num certo sentido, uma ficção. Eu queria trabalhar muito com incertezas, dúvidas... É um romance que levanta muitas questões. Eu não diria que é exatamente autobiográfico. Às vezes, as pessoas me fazem essa pergunta: "Como é escrever A experiência do fora e depois fazer um livro tão de dentro..." É uma questão que nem sempre sei responder. É um livro que trata de questões como morte, amor, relação com os antepassados... O fora talvez venha daí.

Ao ler o romance, o leitor fica com a sensação que você se doou muito para escrever a história. Como iniciar um novo livro depois dessa experiência?

Salem Levy. É um jorro de muitos anos. O segundo romance, que estou escrevendo, não tem esse jorro de tantos anos. Mas sou uma pessoa muito intensa, exagerada. Vivo muito nos extremos, muito pra cima ou muito pra baixo. Sempre com muita intensidade. Talvez por isso eu precise de mais tempo para escrever, não sou uma escritora que escreve um livro por ano. Eu preciso de um tempo para estar vivendo, acumulando experiências, sentimentos... Depois eu posso colocar para fora.

A chave de casa, um marco na literatura brasileira, abriu caminho para seu trabalho. O que esse romance representa para você?

Salem Levy. Muita coisa. [risos] Principalmente o fato de ter podido me assumir como escritora. E ter conseguido sair da universidade. O que eu gosto mesmo é de escrever ficção. O sucesso que, digamos assim, A chave de casa teve me abriu portas no sentido de escrever para jornal e participar de antologias... E vendi o livro para o cinema e para alguns países. Trabalhos que permitem me firmar como escritora.

Além de Portugal e do Brasil, em quais países o romance foi publicado?

Salem Levy. Já saiu na Espanha. E esse ano sai na Itália, França e Turquia.

Qual o diretor vai fazer a adaptação para o cinema?

Salem Levy. A chave de casa será adaptado para o cinema pelo Toniko Melo, diretor de Vips, seu primeiro filme. Eu prefiro não participar do processo; prefiro que seja com ele. Eu não tenho tesão de ficar em cima do texto de A chave de casa.

Qual o nome do próximo livro?

Salem Levy. É um romance, chamado Silêncio, que se passa em duas ilhas, na Córsega [ilha francesa no Mar Mediterrâneo] e na Ilha Grande [litoral fluminense]. São duas histórias de amor nessas ilhas. Eu quis falar da questão do mar, sou muito fascinada por mar, barco, pesca... Eu queria trazer isso para o universo da ficção. E sempre a questão do amor, da morte, da perda. As perdas são sempre muito presentes, um tema que repito muito... Seja a perda de alguém que morreu ou a perda de uma relação amorosa. Todo escritor tem suas obsessões, a perda é uma das minhas.

Como surgiu a ideia da antologia Primos (Record, 2010)?

Salem Levy.  Primos – história da herança árabe e judaica, que organizei junto com a escritora Adriana Armony, surgiu de forma independente. Eu tive a ideia e chamei o [Alberto] Mussa para organizar comigo. E Adriana Armony teve a mesma ideia, na mesma época, e falou com [a editora da Record] Luciana Villas-Boas. O Mussa acabou não participando, mas ficou como uma espécie de consultor. Escolhemos desde nomes mais novos como Leandro Sarmatz Marcia Bechara até escritores mais consagrados como Moacyr Scliar, Salim Miguel... O leitor se dá conta como essas culturas são parecidas, mas também diferentes. A ideia era ressaltar convergências e divergências.

Eu fui me dando conta como as pessoas a minha volta conhecem muito pouco dessa cultura. Na verdade são várias culturas... O Brasil teve uma grande imigração, tanto árabe quanto judaica. Nós vimos aqui esses dois povos convivendo juntos. Por exemplo, no Saara, Rio de Janeiro, em que árabes e judeus até hoje convivem no comércio. São povos muito parecidos, tem a mesma origem semita... A sensação que tenho é que as pessoas acham que árabes e judeus só podem se odiar, como se fossem duas culturas antagônicas. Não é isso. O conflito entre árabes e judeus hoje é localizado, tem a ver com território, construção de dois Estados. Mas que não tem necessariamente a ver com antagonismo de culturas. Quando fui para Israel fiquei muito impressionada com a semelhança que existe entre palestinos e judeus. Nós queríamos mostrar que o conflito não está na base dessas duas culturas.

O que você planeja para sua trajetória de escritora? 

Salem Levy. Eu não espero nada em particular, eu gosto muito do imprevisto. Eu não tinha a melhor ideia de que iam acontecer tantas coisas boas com A chave de casa. O importante é escrever até o fim da minha vida. O quem vem depois é sempre uma surpresa.

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