
Maria Ramos Silva
Os censores gauleses não morreram de amores pelo conteúdo, e a embaixada alemã em França bem tentou impedir que a fita iluminasse Cannes. Mas em 1955, uma década apenas sobre a libertação de Auschwitz, efeméride que cumpre amanhã 70 anos, o realizador Alain Resnais apresentava "Nuit et brouillard", curto documentário sobre essa longa noite fustigada pelo nevoeiro que haveria de se revelar no festival de cinema. É esse mesmo filme, viagem à vida dos prisioneiros no campo de concentração nazi, com música de Hanns Eisler e texto de Jean Cayrol, que hoje se ajusta ao formato de concerto, no palco do Teatro Nacional de São Carlos.
O ator Luís Miguel Cintra, a cargo da narração, junta-se à Orquestra Sinfónica Portuguesa, que reproduz a música original, naquela que será a segunda parte do espectáculo, reservado à evocação do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
O serão, organizado em cooperação com a Embaixada da Áustria e a Judaica - Mostra de Cinema e Cultura, e com direcção musical de João Paulo Santos, arranca com um recital protagonizado pela soprano alemã Juliane Banse, que interpreta "Sechs Lieder nach Gedichten von Albert Steffen, op. 17", de Viktor Ullmann, compositor, maestro e pianista de origem judaica, deportado para o campo de Theresienstadt em 1942, e encaminhado para Auschwitz, onde haveria de ser morto, no dia 18 de Outubro de 1944. De Ullmann, e da sua "música denegerada", segundo o carimbo nazi, para outro dos destaques: "Sechs Lieder nach Gedichten von Nikolaus Lenau und Requiem, Op. 90", de Robert Schumann, nome grande da era romântica.
FILMES, TEATRO E EXPOSIÇÃO. Na Assembleia da República, a data é assinalada com a mostra "Holocausto - Não foi uma brincadeira de crianças", exposição itinerante do Museu Yad Vashem, de Jerusalém, com enfoque nos seis milhões de judeus assassinados, e em particular esse milhão e meio que correspondia a crianças. É inaugurada amanhã, nos Passos Perdidos, depois de ter passado já por algumas escolas portuguesas. A cerimónia oficial conta ainda com a apresentação da ópera Bundibar, originalmente levada ao palco na Checoslováquia ocupada por crianças do campo de concentração de Theresienstadt, missão agora confiada à Escola de Música do Conservatório Nacional.
Por sua vez, na quarta-feira, na Sala do Senado, o Clube de Expressão Plástica e Dramática do Agrupamento de Escolas N.o1 de Portalegre recupera a peça de teatro "As mãos de Abraão Zacut", com a acção situada num campo de concentração, que Luís de Sttau Monteiro escreveu em 1968, na sequência de uma experiência de dois meses de prisão.
Passando pelo Chiado e pelo Cinema Ideal, oportunidade para seguir o programa especial estreado na passada quinta-feira pela produtora Midas Filmes, dedicado ao tema que marca a semana. Tempo para ver "A noite cairá" (2014), de André Singer, na esteira de "Memory of the Camps", de Sidney Bernstein, com narração da actriz Helena Bonham Carter; "O homem decente" (2014), de Vanessa Lapa, que percorre a biografia do carrasco Heinrich Himmler; e ainda "O último dos injustos" (2013), de Claude Lanzmann ("Shoah"), documentários que serão apresentados até dia 4 de Fevereiro.