por: Ari Shavit (Traduzido por Marcelo Treistman e Yair Mau. Clique aqui, para ler o artigo original)
A história da esquerda israelense é uma
história triste. Em seu marco inicial, no verão de 1967, a esquerda
sionista estava certa. Já desde o sétimo dia na Guerra dos Seis Dias ela
compreendeu que a ocupação corrompe e que os assentamentos são inúteis.
Ela lutou bravamente contra as políticas de Golda Meir, contra o
messianismo de Gush Emunim e contra a agressividade gratuita do Likud.
Mas o grande erro da esquerda foi o desenvolvimento da crença mágica de
que se pode acabar com a ocupação por meio de uma promessa metafísica de
paz-agora.
A crença festiva (e quase religiosa) da paz
total, verdadeira e imediata, já era bastante instável no final do
século 20, e tornou-se infundada no século 21. A esquerda recusou-se a
internalizar este fato claro e amargo. A sua percepção do passado não
encontrou espaço para acomodar as recusas de Yasser Arafat e Mahmoud
Abbas, bem como o fortalecimento contínuo do Hamas. Sua percepção do
presente não encontrou espaço para acomodar o fundamentalismo islâmico, o
caos no mundo árabe e o extremismo palestinos. O movimento político
sionista, racional e moral dos anos 60 e 70 perdeu a sua identidade,
perdeu o seu caminho e se desconectou da realidade.
O objetivo da esquerda israelense nestes
últimos 47 anos é o destino correto: a solução de dois Estados. Se a
terra não for dividida, Israel deixará de ser um Estado judeu ou deixará
de ser democrático, ou deixará de ser. Se não acabarmos com a epidemia
dos assentamentos, esta epidemia acabará com todos nós. Israel deve
buscar a paz e tentar chegar à paz, mas também na ausência de paz deve
agir com determinação, perseverança e sabedoria para acabar com a
ocupação.
Ainda que o destino final seja correto, o
movimento da paz ignorou o fato de que o recuo nos processos de paz nos
trouxeram ônibus explodindo na praça Dizengoff, atentados suicídas no
Dolphinarium [uma discoteca] e foguetes que chegaram até Hadera. O
Movimento da paz não conseguiu lidar com o fato de que os palestinos
rejeitaram as iniciativas de paz de Bill Clinton, Ehud Barak e Ehud
Olmert. A “elite da paz” se comportou no passado e se comporta no
presente como alguém que não consegue discriminar o caminho nuclear do
Irã, o colapso dos Estados-nações árabes e o Estado Islâmico e suas
cabeças cortadas. O mundo conceitual das pessoas que deveriam ser as
mais atualizadas, mais abertas e mais críticas, tornaram-se um mundo
dogmático, velho e engessado. Sua percepção da realidade se aplica
somente a meia-realidade, ao mesmo tempo que ignora tudo o que aconteceu
no país nos últimos 20 anos e de tudo o que está acontecendo ao redor
de nosso país nos últimos dois anos.
O ‘Big Bang’ ocorreu no ano 2000. Há exatos
14 anos, a mais generosa oferta de paz oferecida por Israel nos levou
aos piores ataques terroristas ao país. O trauma da Segunda Intifada,
após a Camp David, foi tremendo, causando um dano profundo na
consciência israelense. Desta forma, há 13 anos a esquerda sionista
deveria ter tomado o seu tempo, para fazer um exame de consciência.
Tínhamos que compreender que algo havia dado errado, que as nossas
premissas não eram compatíveis com a realidade e que recaía sobre nós a
necessidade de nos redefinir.
Da mesma forma que Bill Clinton renovou o
Partido Democrata em 1992 e Tony Blair renovou o movimento trabalhista
em 1997, Havoda, Meretz e os movimentos em prol da Paz deveriam ter
renovado a esquerda sionista no ínicio dos anos 2000. Se fôssemos sérios
– estadistas sérios, intelectuais sérios, líderes sérios – deveríamos
ter proposto ao povo de Israel uma terceira via, em meados da década
passada. Mas nós não o fizemos. E esta foi uma falha grave de nossa
parte. Como resultado deste grande fracasso, estamos indo de mal a pior.
Com as nossas próprias mãos acabamos jogando o jogo imposto pela
direita, perpetuando o governo de Netanyahu. Com a nossa omissão nós
evitamos a divisão da terra e construímos os assentamentos. Em vez de
agir como uma liderança alternativa, madura, responsável e confiável aos
olhos do público israelense, nós nos comportamos como um bando de
adolescentes amargos que xingam, amaldiçoam e perseguem toda ovelha que
se atreve a deixar o rebanho e dizer a verdade.
Eis a verdade: o rei está nu. Ou melhor: o
rei está morto. Atualmente, a tentativa de reviver a antiga paz é como
os corregilionários do Beit Chabad tentando ressucitar o Rebe. Quem vai
assegurar um plano político que foi cristalizado na época que
Boutros-Ghali representava o Egito, Faisal Hussein era um palestino e
Dan Meridor pertencia ao Likud? Quem hoje vai considerar crível o modelo
de paz de 1990? Apenas indivíduos messiânicos. Apenas pessoas cujas
crenças nobres e ideais elevados os fazem ficar totalmente cegos à
realidade que os cerca. Tendo em vista que a maioria dos israelenses não
acreditam em messias – eles não compram esta ideia. Ainda que eles
percebam que a ocupação é problemática e que os assentamentos são
perigosos, eles não acreditam nos antigos esquerdistas que ainda
oferecem o fim pacífico da ocupação, uma vez que não se enxerga nenhuma
paz no horizonte. Na escolha entre os messiânicos da direita e os
messiânicos de esquerda eles preferem os messiânicos de direita. Eles
não estão dispostos a seguir cegamente aqueles que estavam errados uma e
outra vez, e que nunca admitiram o seu erro.
Não vou entrar em uma discussão com Akiva
Eldar e Dani Karavan. Aprecio muito o trabalho jornalistico do primeiro e
os trabalhos artísticos do segundo. Quando eu escrevi nesta seção há
duas semanas sobre a esquerda-pirada não direcionei minhas palavras à
esquerda sionista de idade mais avançada da qual os dois fazem parte,
mas para a esquerda anti-sionista em Israel que apedreja o país de forma
contínua, sem compaixão e sem visão histórica. Mas, aparentemente,
algumas pessoas vestiram a carapuça. Há aqueles que ainda não
internalizaram a revolução de Copérnico, e ainda acreditam que o sol
ardente do Oriente Médio ainda gira em torno da Terra da paz.
Ao contrário do esperado, eu não pretendo
trocar farpas com meus adversários. Pelo contrário, eu aproveito essa
oportunidade única para estender-lhes a mão e poder caminhar juntos.
Vocês acreditam que uma paz ortodoxa ainda é possível? Excelente, eu
estou com vocês. Tragam-me a assinatura do presidente Mahmoud Abbas
sobre rascunho do acordo de fim do conflito de Ehud Olmert. Tragam-me a
renúncia da Liga Árabe sobre a demanda de retorno palestino que está
implícita na resolução 194 da ONU. Se vocês fizerem isso – me juntarei a
vocês. Vou tentar convencer Israel e todos os israelenses a dar uma
chance à paz. Mas se vocês não conseguirem desta vez, se vocês falharem
também uma terceira e quarta vez – reconheçam finalmente que este
experimento não teve sucesso e que a teoria otimista foi refutada.
Talvez então possamos unir forças, refinar os nossos pensamentos e criar
uma nova ideia de paz, não com base em desejos, mas ancorado em fatos
concretos.
Se fizermos isso, poderemos finalmente
convencer a maioria dos israelense que o mais importante projeto
nacional para os israelenses é dividir a terra. Apenas se pararmos de
iludir a nós mesmos e aos outros poderemos salvar o Estado judeu
democrático e renovar o sionismo em direção a um movimento liberal,
moral e inspirador.
Ari Shavit
Publicado no http://judaismohumanista.ning.com