O Coração Judaico – O Segredo de Elul

O Coração Judaico – O Segredo de Elul

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O Coração Judaico – O Segredo de Elul


Por: Sara Esther Crispe 

Amor. Esta é a mais poderosa das emoções humanas. Todos ansiamos por ela. Não podemos viver sem amor. E mesmo assim, é tão avassalador, tão abrangente, que não há maneira de medi-lo, prová-lo, defini-lo ou sequer descrevê-lo.

Quando falamos sobre o intelecto, é representado pela mente. E quando falamos sobre as emoções, especificamente sobre o amor, elas são representadas pelo coração. Por quê? Quando nos viramos de costas, não temos ideia sobre o estado da outra pessoa. O símbolo do coração é provavelmente um dos mais conhecidos. Em todos os continentes, culturas, religiões, idiomas, aquele pequeno coração vermelho significa amor. É usado para assinar cartas, para representar a palavra “amor” em si mesma, e tem inundado o mercado sendo impresso em cartões, camisetas, colares, balões e em tudo que se possa imaginar. Como a imagem do coração como a conhecemos, é o símbolo para esta apaixonada experiência de amor? 

O mês no qual estamos agora, Elul, é a chave para destrancar o significado interior e mais potente do coração. Como se sabe, as letras hebraicas que formam a palavra “Elul”, um alef, lamed, vav e lamed, são um acrônimo para a frase (de Cântico dos Cânticos): “Ani L’dodi V’dodi Li” que significa: “Eu sou para meu amado e meu amado é para mim.” Esta expressão linda e romântica é o que representa nosso relacionamento com nosso Criador, que frequentemente é comparado ao relacionamento entre marido e mulher, noiva e noivo, em nossa vida individual. 

O Zohar explica que no início de Elul somos” achor el achor”, que significa “de costas” e ao final de Elul somos “panim el panim”, que significa “face a face”. Mas como é possível que estejamos de costas? Isto não implicaria que D’us tem Suas costas viradas para nós também? Como podemos dizer isto quando este é o mês no qual – como nos ensina o mestre chassídico Rabi Shneur Zalman de Liadi – “o Rei está no campo”? 

O Coração Judaico – O Segredo de ElulNão é este o mês em que D’us está mais acessível do que nunca, quando Ele está esperando que nós O saudemos, quando Ele está lá para nós no “campo” de nossa vida cotidiana? O fato de que somos descritos como de costas e depois face a face é uma incrível lição. Muitas vezes, quando estamos furiosos, magoados, abandonados, não temos ideia do estado de espírito do outro. E é mais fácil acreditar que não somos os únicos que estamos de costas viradas. É mais fácil pensar que o outro também se virou, que o outro não está nos encarando, porque se for este o caso, então mesmo se nos virarmos, isso não vai ajudar, então para que se incomodar. 

Por que fazer o primeiro movimento e ver as costas do outro? Porém essa racionalização é a causa de muitas discussões mal resolvidas, sentimentos feridos e relacionamentos rompidos. Como é clássica a cena, retratada interminavelmente nos filmes, em que o casal vai se afastando um do outro. A certa altura o homem se volta, querendo chamar o nome dela, pedindo outra chance, implorando perdão. 

Ele está a ponto de falar, mas percebe que ela está de costas. Ela está se afastando. Ele diz a si mesmo que é tarde demais, que ela simplesmente não se importa. Então ele se vira de costas novamente. Segundos depois, ela se volta para olhar para ele. Ela não quer que isso termine. Ela deseja dizer algo, mas não pode reunir a coragem, não tem aquela força. E por que, por que deveria, se ele está de costas? 

O mês de Elul nos ensina a necessidade de estarmos dispostos a virar de volta. Ela olha para ele ansiosamente, mas isso não adianta, então ela presume que ele não se importa porque continua a caminhar para longe dela. E nós, que estamos assistindo, sentamos na beira da poltrona, esperando que talvez eles se voltem ao mesmo tempo, e finalmente entendam que o outro se importa, que embora eles pareçam estar de costas, na verdade querem estar face a face. 

Às vezes esse final de conto de fadas acontece, outras vezes eles simplesmente continuam a caminhar em direções opostas para longe da vida do outro. É o mês de Elul que ensina a necessidade de estar disposto a virar-se. O Rei está no campo, nosso Criador está ali, e não importa como estamos nos sentindo, Ele jamais fica de costas. Tudo que precisamos fazer é nos virar para entender que Ele está ali, esperando por nós. 

O “de costas” que vivenciamos no começo do mês é baseado em nossos equívocos, nossos temores, nossas presunções. Somente quando nos viramos é que entendemos a verdade, a essência interior, e então ficamos “face a face”, o que não significa que podemos finalmente olhar um para o outro, mas ainda mais, podemos olhar dentro do outro, pois o radical da palavra para face, “panim”, é o mesmo que “pnimiyut”, que significa “interiorização”. Portanto agora a questão é como essa lição nos é ensinada, não somente no mês de Elul, mas através do próprio nome “Elul”. 

Um nome hebraico não é uma mera maneira de referir-se a algo, mas na verdade representa sua alma. A Chassidut ensina que todo pai é dotado com inspiração Divina quando ele ou ela dá nome a um filho. É o nome que representa os aspectos mais profundos desta pessoa. 

A Cabalá e a Chassidut nos ensinam que para revelar o significado essencial de uma palavra hebraica precisamos analisar as letras que a formam, seu valor numérico, sua forma e seu significado. Como dissemos acima, a palavra Elul é formada de um alef, um lamed, um vav e a letra final, outro lamed. A primeira letra em Elul é numericamente equivalente a um, que representa a ideia da total unidade de D’us. Devemos agora então responder como tudo isso está relacionado ao coração. Aqui é onde nossos ‘lameds’ são mais uma vez definidos. 

A essa altura é importante pensar novamente sobre o símbolo do coração e questionar sua origem. E portanto não é surpresa que o significado desse símbolo mais uma vez seja encontrado na própria palavra para coração. Em hebraico, coração é “lev”, que se escreve “lamed-beit”. Rabino Abraham Abulafia, no ano 1291, escreveu um manuscrito chamado Imrei Shefer, no qual ele define o significado de coração. Rabino Abulafia escreve que a palavra coração, “lev”, “lamed-beit”, precisa ser entendida como dois “lameds”. Isso porque a letra “beit” é a segunda no alfabeto, sendo numericamente equivalente a dois. Portanto ele explica que a palavra precisa ser lida e entendida como dois “lameds”. Porém isto não basta. 

Como explica Rabino Yitschak Ginsburgh, para que haja um relacionamento, os dois “lameds” precisam estar conectados. Precisam estar face a face. Quando viramos o segundo “lamed” de frente para o primeiro, formamos a imagem do Coração Judaico (como é visto no desenho do início deste artigo). Embora o coração, como estamos acostumados a vê-lo, esteja bastante claro nesta forma, uma parte inteiramente nova do coração também é revelada. 

O coração e o amor que ele representa somente podem prosperar quando há uma totalidade na conexão. Isso porque a letra “lamed” é a mais alta de todas no alfabeto hebraico. O motivo é porque ela representa o conceito de romper os limites, de ir além do seu potencial, de entrar no superconsciente a partir do consciente. O “lamed” também significa duas coisas simultaneamente. Significa tanto “aprender” quanto “ensinar”, o que nos mostra que as duas estão ligadas e ambas são essenciais. 

Num relacionamento, devo estar disposto a aprender com o outro, tornando-me assim um receptor. Porém a outra pessoa também deve ser capaz de aprender comigo, o que então faz de mim o mestre, o doador. Além disso, a imagem do “lamed” pode ser quebrada em três outras letras. A parte superior da letra é a de um “yud”, a menor das letras hebraicas, e a letra que representa a cabeça. A cabeça contém a mente, o intelecto, mas também a face. A próxima letra em Elul é um ”vav”. Em hebraico, o “vav” serve como uma conjunção “e”. Como uma palavra “vav” significa “gancho” e em sua forma se parece com um gancho. 

Portanto neste caso o “vav” é o gancho que está conectando o “yud”, a mente, com a letra de baixo, o “chaf”, que representa o corpo. Fisicamente falando, simboliza o pescoço que transporta o fluxo de sangue do cérebro para o coração. Isso nos ensina que o coração, o amor que ele representa, somente pode prosperar, florecer, quando há uma totalidade na conexão. O coração judaico, o verdadeiro amor, representa uma conexão mente a mente, face a face, olho a olho, corpo a corpo, alma a alma. 

O “vav”, a conexão entre a cabeça e o coração, deve sempre permanecer sadio com um fluxo claro. Se algo o interromper, o relacionamento não pode continuar. Como todos sabemos, uma das maneiras mais rápidas de matar uma pessoa é um corte através do pescoço. O pescoço é nossa linha da vida. Assegura que nossa cabeça, nosso intelecto, governa sobre nossas emoções e que haja um intercâmbio saudável entre a mente e o coração. O coração com o qual estamos familiarizados, o símbolo que representa o amor em todo o mundo, carece do “yud” e do “vav”, estão faltando a mente e o pescoço. 

O símbolo popular representa somente a conexão física entre corpos. Então é por isso, que Elul é o mês que começa de costas e termina face a face. No início do mês, não estamos cientes da realidade de que “Eu sou do meu amado e meu amado é meu.” Porém, ao trabalharmos em nós mesmos durante este mês, estando dispostos a virar e fazer mudanças, entendemos que nosso Criador jamais virou as costas. Ele sempre esteve de frente para nós e está apenas esperando que nos voltemos. 

E quando o fazemos, somos então como dois “lameds” que estão face a face, o que forma o coração judaico – a essência do mês de Elul. Elul então deve ser entendido como um “alef” representando D’us, seguido por um “lamed, vav, lamed” que está conectado (vav) ao outro lamed. E o coração judaico, essa ideia de amor como uma totalidade de conexão, não é meramente o trabalho para o mês de Elul, mas todo o propósito da criação. 

Este coração judaico é um símbolo de por que fomos criados e o que devemos realizar. Pois a Torá é o projeto da criação e o manual de como nos conectamos com o Divino. E não é um livro que tem começo, meio e fim, mas sim um rolo, pois aprendemos que o “fim está entrelaçado no começo, e o começo no fim”. Então o que encontramos quando o fim do Rolo de Torá volta ao início? Como a Torá termina e começa? 

A última palavra da Torá é “Yisrael”, que termina com a letra “lamed” e a primeira palavra é “bereshit”, que significa “no princípio”, que começa com um “beit”. Quando juntamos a primeira a a última letra da Torá, temos “lev”, a palavra hebraica para coração. Que sejamos abençoados com a capacidade de canalizar os poderes do mês de Elul, reconhecer e revelar nossa capacidade de aprender e ensinar. e por meio disso, ficar face a face com nós mesmos, com nossos entes queridos, e com nosso Criador, como somos ensinados através do coração judaico.

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