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Sarah Silverman |
Dick Codor
Ao passear pelas prateleiras de uma livraria, no Brasil ou no exterior, o visitante se
depara com títulos como Enciclopédia do humor judaico – Dos tempos bíblicos à era
moderna, de Henry Spalding, e The Big Book of Jewish Humor, de William Novak e
Moshe Waldoks, entre vários outros. Ou então, quem nunca contou, pelo menos
uma vez na vida, uma piada sobre judeus, para outros judeus?
Folclore ou
manifestação da identidade cultural? Será que existe uma resposta definida?
O que seria exatamente o humor judaico? Será que existe um humor tipicamente
judaico? Ou será que o que há é uma pitada de cultura judaica em meio ao humor
criado por artistas e comediantes judeus em todo o mundo? Segundo Spalding,
existe, sim, um humor judaico, tanto que escreveu um livro sobre o tema.
E mais:
para ele, o humor judaico espelha a história do povo judeu. É um reflexo de suas
alegrias e angústias, anseios e desalentos e dos períodos, tão breves, de bem-estar
econômico e social.
Reflete, também, a capacidade dos judeus de fazer graça de
suas próprias particularidades.
Em sua abordagem sobre o humor judaico, Spalding diz que este não avançou em
linha reta desde os tempos primitivos até os mais modernos, mas que procurou
sempre transmitir os hábitos e costumes do dia a dia. "Os judeus já eram um povo
com senso de humor desde os tempos bíblicos, e a Torá está repleta de todo tipo de
humor, charadas e piadas práticas".
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Sarah Silverman |
Mas o humor judaico retrata, também, a influência das outras culturas,
principalmente a partir da destruição do Segundo Templo, no ano 70 da Era
Comum. Esta aproximação com outras populações, as perseguições e as injúrias
levaram os judeus a fazer do humor um mecanismo de defesa, criando alegorias
pelas quais protestavam contra seus carrascos através, principalmente, da ironia.
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O
Talmud é um exemplo deste tipo de expressão, afirma Spalding.
"Os rabinos eram mestres da presença de espírito e réplica demolidora, mas
diferiam dos sábios bíblicos por serem mais sutis. A história rabínica é planejada
para evocar um sorriso e fazer pensar, mas raramente causa risos hilariantes.
Alguns ditos espirituosos talmúdicos, é claro, não têm outra intenção senão fazer
graça, tal como a observação do rabino do século três de que a água do mar era
salgada porque havia tantos arenques marinados vivendo nele".
A diferença entre a piada judaica e a anti-semita é que a última enfatiza
exclusivamente os defeitos, mas nunca as virtudes dos judeus. O alvo verdadeiro da
piada não é necessariamente um anti-semita, como muitos acreditam, nem mesmo
um governo despótico.
Geralmente, o escárnio está voltado para outro judeu.
Outro elemento exclusivo do humor judaico é a propensão a atirar farpas revestidas
com mel aos entes mais próximos e queridos. Escarnecem dos amados, de sua
religião, dos ideais e da instituição que exalta e enriquece suas almas. A
singularidade destas gozações está no fato de irradiarem afeto – um beijo com sal,
mas ainda um beijo.
Evolução histórica
Segundo William Novak e Moshe Waldoks, autores de The Big Book of Jewish
Humor, a grande maioria das piadas, provérbios e histórias com toques de humor
faz parte do folclore popular judaico. Nasceram do cotidiano nas pequenas vilas,
aldeias e povoados do leste europeu, no final do século 19; seus autores são
anônimos e seu conteúdo é transmitido de geração em geração, assumindo,
inconscientemente, até as características de quem as conta.
Os personagens que recheiam as narrativas, tais como os professores de ieshivot,
seus alunos, as casamenteiras, os pedintes – schnorrers, os azarados –
schlemazels, e muitos outros, renascem sempre que alguém lembra de uma piada.
Piadas que, como afirmam os dois autores, não podem ser classificadas apenas
como alegres ou tristes, mas que trazem implícita, acima de tudo, a sabedoria, sem
deixar de serem divertidas.
O início do século 20 e a crescente emigração da Europa para os Estados Unidos
influenciaram também o humor judaico. Os personagens do passado, cujas
características eram fortemente marcadas pelo segregacionismo vigente na Europa,
diluem-se em meio à sociedade americana, na qual, mesmo que apenas
aparentemente, desaparecem as diferenças étnicas.
Mudam os personagens e também os temas. O anti-semitismo, ainda que presente,
cede espaço para as piadas sobre assimilação, conversões, mudança de nomes. Os
arrecadadores de fundos substituem os schnorrers e as mães passam a ocupar o
lugar até então vitalício das sogras do século XIX.
O humor judaico americano, dizem Novak e Waldoks, apresenta mais uma mudança
fundamental, quando comparado com o do passado: ainda que seja inspirado no
universo popular, passa a ser feito por comediantes e escritores. Muitos ainda
recorrem à tradição oral da cultura judaica, mas a maioria busca cada vez mais, na
experiência coletiva da sociedade americana, a fonte de suas palavras.
No entanto, mesmo nos Estados Unidos, o humor judaico mantém a capacidade de
rir de si mesmo. A afirmação de Freud – "Eu não sei se há muitos outros povos
fazendo graça sobre si próprios" – ainda é verdadeira. Para alguns seguidores de
Freud, entre eles Theodor Reik, autor do livro Jewish Wit, o humor judaico é uma
maneira que os judeus encontraram para lidar com a hostilidade que os cerca,
chegando, às vezes, a utilizar este sentimento contra si mesmos.
O showbizz americano está cheio de exemplos de sucesso que mostram o senso de
humor mesclado à herança judaica: Woody Allen, Mel Brooks. E também na
literatura, como Philip Roth, Bruce Jay Friedman e Wallace Markfield, sem
mencionar o seriado de televisão Seinfeld. Novak e Waldkoks mencionam também a
influência do desenvolvimento dos meios de comunicação para a maior penetração
do humor judaico, colocando-o ao alcance de todos.
"No passado, as piadas e histórias populares corriam de boca em boca e, por mais
que fossem contadas, atingiam um número limitado de pessoas. Atualmente, as
piadas são transmitidas pelo rádio ou televisão, e até pela Internet, chegando a
milhões de pessoas ao mesmo tempo. Ou seja, o humor judaico nunca esteve tão
popular. Isto é a sociedade de massa", afirmam Novak e Waldoks.
Definição de humor judaico
• É aquele que gira em torno de todos os aspectos da vida e das características do
povo judeu – cultura, valores, símbolos, etc. Mas não se limita apenas às fontes
judaicas, inspirando-se também na sociedade em geral
• É aquele que envolve as complexidades da mente, apresentando, ainda, uma
• Tende a ser anti-autoritário; expõe a hipocrisia e satiriza a pompa e a grandiosidade
• Caçoa de tudo e de todos.
Artigo baseado em Enciclopédia do humor judaico
– Dos tempos bíblicos à era moderna, de Henry
Spalding – da Editora Sêfer e The Big Book of Jewish Humor, de William Novak e Moshe Waldoks – da
Harpel Perennial Editora.