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Mulher dentro da sinagoga de Ghriba, em Djerba Foto: The New York Times |
Assustada por confrontos, população judaica na Tunísia diminui
CARLOTTA GALL,New York Times - O Globo
DJERBA, Tunísia — Em um recente Sabbath (domingo para os judeus), apenas cinco homens recitavam suas orações no santuário da sinagoga de Ghriba, a mais antiga da África do Norte e o lugar mais sagrado para os judeus ortodoxos, que vivem na ilha turística de Djerba. Era o fim de semana da peregrinação anual de Ghriba, quando centenas de visitantes judeus de Israel, França e os Estados Unidos visitam o local para celebrar a festa de “Lag B'Omer”. No entanto, naquele sábado, quando apenas os que vivem a uma curta distância compareceram, muitos se deram conta que a vila ao lado da sinagoga tinha diminuído para apenas cinco famílias judaicas, com no máximo com 40 pessoas.
A Tunísia tem sido um centro da vida judaica desde os tempos romanos, mas apenas cerca de 2 mil judeus permanecem no país — número muito abaixo dos mais de 100 mil de 1948. Mais de 1.000 deles vivem em Djerba, em dois assentamentos onde foram construídas 14 sinagogas e uma escola talmúdica para 100 alunos.
Os judeus estão lá há mais de 2.000 anos. As fundações da sinagoga de Ghriba foram estabelecidas pela primeira vez em 586 a.C. com, eles dizem, uma pedra levada do templo de Salomão. Os homens que fundaram a sinagoga foram os Cohens — sacerdotes — que fugiram da destruição babilônica do Primeiro Templo, em Jerusalém, e a maioria das famílias da aldeia nas proximidades também eram formadas por Cohens.
Mas, assustada com embates políticos e econômicos nos últimos 11 anos, incluindo um ataque mortal suicida do lado de fora do templo religioso por militantes islâmicos, em 2002, e pela violência após a revolta popular da Tunísia, em 2011, a comunidade judaica continua a diminuir. Três ou quatro famílias deixaram a região após a revolução que derrubou o presidente Zine el-Abidine Ben Ali.
— Eles tinham famílias grandes e não havia trabalho suficiente — conta Youssef Gamoun, que, como muitos dos judeus do local, tem uma loja de joias em Houmt Souk. — Depois da revolução havia menos trabalho e um problema de criminalidade. Os turistas pararam de vir, e os assaltos aumentaram. As coisas ficaram realmente difíceis.
O ataque suicida de 2002 sinalizou que a sinagoga transformou-se num alvo, juntamente com outros locais judaicos na África do Norte. O povo de Djerba ainda é reticente sobre o que aconteceu, mas 21 pessoas foram mortas, incluindo 14 turistas alemães, quando um homem-bomba explodiu um caminhão-tanque cheio de gás propano na entrada da sinagoga.
O atentado foi abafado pelo governo de Ben Ali — as paredes carbonizadas foram restauradas poucas horas depois da explosão — e as conexões da Tunísia com a al-Qaeda nunca foram totalmente explicadas. Mas tem mantido turistas alemães afastados até hoje, de acordo com Rene Trabelsi, um operador turístico e hoteleiro judeu cujo pai toma conta da sinagoga.
Após o ataque, o governo tunisiano forneceu policiamento permanente para proteger o local. Dezenas de policiais e agentes de inteligência à paisana bloquearam toda a área durante a peregrinação no mês passado, com a ajuda de helicópteros militares que faziam o patrulhamento do alto.
— O que aconteceu em 2002 não pode acontecer novamente — diz Haim Bittan, rabino-chefe da Tunísia.
Muitos tunisianos gostam de enfatizar sua história cosmopolita, mas o país é predominantemente muçulmano e árabe e tem sido afetado pelos choques que emanam do Oriente Médio. Os desordeiros que queimaram lojas e sinagogas em 1967, durante a guerra árabe-israelense, provocaram um êxodo de famílias judias. E os massacres de Sabra e Shatila nos campos de refugiados palestinos no Líbano, em 1982, levou mais gente a sair, segundo Trabelsi. O país deu refúgio ao líder palestino Yasser Arafat por 12 anos, e Israel bombardeou a sede da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), perto de Tunis, em 1985.
Assim, quando o recém-nomeado ministro do turismo, Amel Karboul, decidiu promover a peregrinação para Ghriba este ano, como forma de reforçar o turismo e defender a minoria judaica como um exemplo de tolerância e pluralidade da Tunísia, os membros da Assembleia Nacional Constituinte lhe repreenderam. Legisladores ameaçaram censurar Karboul e um conselheiro sênior do Ministério do Interior em relação à emissão de documentos de viagem para turistas israelenses. Os visitantes israelenses não precisam emitir vistos, mas um salvo-conduto, o que evita o reconhecimento de seus passaportes.
— Nós queríamos chegar ao ponto de não permitir pessoas com passaportes israelenses e não estabelecer relações diplomáticas com Israel — disse Issam Chebbi, um dos membros da Assembleia que apoiaram a moção.
O furor político assustou alguns visitantes judeus, mas outros acharam bem-vinda a discussão democrática da questão. Pela primeira vez, um judeu, Trabelsi, teve o nome proposto para o cargo de ministro do Turismo no novo governo, em dezembro. Mas acabou não conseguindo a vaga.
— Talvez não seja o momento — afirma. — Mas pela primeira vez, muitos tunisianos viram um judeu falando árabe fluentemente como eles na televisão nacional e reagiram de forma positiva. Talvez os judeus antes estivessem escondidos, mas agora as pessoas acham a questão judaica importante. Os tunisianos querem mostrar que são tolerantes.