O azul celeste do Talit

O azul celeste do Talit

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O azul celeste do Talit
Talit - Coisas Judaicas
Colocava-se a capa sobre os ombros do novo soberano e ele era entĆ£o aclamado pelo povo. Em seguida, a preciosa roupa era guardada num cofre dourado atĆ© a prĆ³xima posse.

Mas, houve um rei que apĆ³s quarenta anos de reinado, cansou-se do poder e resolveu abdicar a favor de seu filho. Um ano antes, ele construiu um novo palĆ”cio, enviou convites para os reinos vizinhos e fez preparar uma cerimonia grandiosa. Ele mandou que tirassem a capa do cofre dourado para que arejasse. Mas, para horror dos serviƧais a capa estava toda rasgada pelas traƧas. O rei comeƧou a tremer de medo pois ela era o sĆ­mbolo de sua autoridade. Convocou seus ministros e chegaram a conclusĆ£o que precisavam fabricar uma outra capa com a mesma cor de azul tĆ£o marcante. caso contrario os inimigos do rei diriam que a dinastia havia acabado.

O rei chamou seus magos para que eles sugerissem como conseguir reproduzir a cor da capa. O mais velho falou:

- Eu me lembro, Ć³ Rei, de ter escutado quando crianƧa, que a capa real era um presente dado pelos judeus hĆ” mais de mil anos. Eles certamente saberĆ£o preparar a tintura necessĆ”ria.

O rei chamou os chefes da comunidade judaica e mostrou-lhes o que restara da capa. Exigiu que em menos de nove meses eles lhe trouxessem a tintura ou toda a comunidade seria condenada. E, deveriam manter segredo sobre o assunto para evitar retaliaƧƵes.

- HĆ” muito tempo nĆ³s renunciamos a honrar o mandamento de tingir os tzitzit. Mas, agora Ć© vital encontrarmos o segredo do azul celeste.

- Devemos descobrir onde achar esta famosa tintura. Lembro-me de ter lido no Talmud que o segredo vem da cidade de Louz, na Terra Santa, no local onde Jacob havia sonhado com a escada na qual os anjos subiam e desciam, disse o Rabi Isaac, que era muito querido na comunidade.

- Precisaremos de um ano para ir Ć  Terra Santa e voltar. O rei nos deu nove meses, disse o mais novo, Rabi Jacob. Houve um longo e desesperado silencio. De repente, o rosto do Rabi Abraham se iluminou.

Todos prenderam a respiraĆ§Ć£o.

- Quando chegar a era MessiĆ¢nica, todas as almas irĆ£o a JerusalĆ©m para a ressurreiĆ§Ć£o. Elas viajarĆ£o pĆ“r tĆŗneis subterrĆ¢neos que chegam diretamente a um lugar situado perto da cidade de Louz. Eu conheƧo a entrada de um dos tĆŗneis. Podemos chegar na Terra Santa em uma semana!

Ao ouvir essas palavras, um raio de esperanƧa entrou em seus coraƧƵes.

- Precisamos escolher duas pessoas para realizar essa missĆ£o, continuou o rabino. Eu sempre sonhei entrar neste tĆŗnel, mas a viagem Ć© muito longa para um homem velho como eu e todo atraso serĆ” fatal. Eu guiarei os dois homens escolhidos atĆ© a entrada. Entretanto, ninguĆ©m poderĆ” nos acompanhar pois o local deve permanecer secreto.

Estavam todos perplexos, perguntando-se quais seriam os escolhidos.

- Na minha infĆ¢ncia, voltou a falar Rabbi Abraham, houve uma situaĆ§Ć£o crĆ­tica semelhante a que estamos passando e devia se escolher alguĆ©m para nos representar perante o rei. Os anciƵes tinham se reunido nesta mesma sinagoga, Ć  meia noite, com lua cheia. Eu estava escondido e presenciei tudo. Hoje tambĆ©m Ć© lua cheia. Vamos todos para fora.

SaĆ­ram da sinagoga e o velho rabino indicou uma Ć”rvore que estava a certa distĆ¢ncia de lĆ”.

- Cada um de vocĆŖs deve se posicionar perto da Ć”rvore. Se a sombra de alguĆ©m atingir a porta da sinagoga Ć© que seu coraĆ§Ć£o Ć© puro e ele esta destinado a nos representar. Naquela noite da minha infĆ¢ncia, meu pai havia sido o escolhido e ele conseguira convencer o antigo rei a anular o decreto fatĆ­dico.

Um a um, eles se posicionaram perto da arvore. Mas, sĆ³ as sombras de Rabbi Isaac e Rabbi Jacob atingiram a porta da sinagoga. Todos estavam surpresos: D-us havia designado aqueles que partiriam em missĆ£o.

Isaac e Jacob passaram a noite rezando. Ao amanhecer eles se despediram de suas famƭlias, sem nada revelar e se reencontraram com o velho rabino. Juntos atravessaram a floresta que cercava a capital. Chegaram a um pequeno rio que eles seguiram atƩ ele desaparecer. LƔ, imponente havia um alto e belo tamarindo, cheio de frutas.

- AtrĆ”s deste Tamarindo encontra-se a passagem subterrĆ¢nea que chega na Terra Santa, disse Rabbi Abraham. Mas antes, encham vossos bolsos de tamarinas pois isso serĆ” vossa comida dentro do tĆŗnel. Nenhum outro alimento poderĆ” sustentar vosso espirito. As tamarinas mais a Ć”gua do rio que Ć© extremamente pura vos bastarĆ”.

Os dois homens entraram no tĆŗnel com o pedaƧo da capa azul celeste, uma carta para o rabino de Louz e duas tochas apagadas. O velho rabino lhes disse que sĆ³ almas puras poderiam entrar. Eles teriam que passar por mais um teste. Havia uma espada em chamas que lhes impedia a passagem. Se ela continuasse a girar quando eles se aproximassem eles nĆ£o poderiam continuar. Se ela parasse, eles deveriam acender as tochas com o seu fogo que os guiarĆ” todo o caminho.

Rabi Isaac e Rabi Jacob entraram e a espada parou de rodar. Rapidamente acenderam as tochas e seguiram adiante. Imediatamente a espada voltou a girar; nĆ£o havia mais volta possĆ­vel.

Andaram por seis dias, embriagados pelo perfume sutil que havia no ar e atingiram uma caverna que parecia uma sala talhada na pedra. Na extremidade eles descobriram um tabernĆ”culo de madeira e Ć  sua frente havia uma pedra que parecia um pĆŗlpito. Sem hesitar, eles comeƧaram a rezar. As palavras pareciam voar. Um coral acompanhava suas rezas.

Dia seguinte era shabat. Passaram o dia rezando e meditando. No dia seguinte eles continuaram a andar atĆ© que viram uma luz dourada que indicava a saĆ­da do tĆŗnel. LĆ” fora, eles beijaram o solo da Terra Santa. Viram um tamarindo ainda mais bonito que o outro e pegaram mais frutos avistaram uma cabana de madeira e um velho homem nela. Perguntaram-lhe o caminho para Louz. Ele os preveniu das dificuldades que encontrariam. Teriam que atravessar florestas e pĆ¢ntanos.

Os dois homens andaram atĆ© a exaustĆ£o. Suas roupas estavam em trapos quando eles alcanƧaram a cidade. Tudo lhes parecia muito medĆ­ocre. Procuraram pelo Rabino e lhes entregaram a carta de Rabi Abraham. Os dois mensageiros ficaram espantados de escutar o Rabino dizer:

- Meus amigos, vocĆŖs estĆ£o na cidade moderna de Louz. A que vocĆŖs procuram Ć© mais antiga. Ela estĆ” localizada numa regiĆ£o selvagem e desĆ©rtica. SĆ³ D-us poderĆ” vos dar permissĆ£o de entrar. Em todo caso, quando vocĆŖs chegarem lĆ”, lembrem-se: "A amendoeira nĆ£o tem boca".

Os dois Rabinos ficaram intrigados com estas palavras e estavam esgotados e assustados com a idĆ©ia de atravessar o deserto. Mas, a idĆ©ia de que toda a comunidade corria perigo de vida encorajou-os a seguir em frente. Atravessaram a floresta, andando vĆ”rios dias. Parecia que eles chegariam ao fim do mundo. AtĆ© que descobriram uma vasta clareira e altas muralhas. Certamente era a cidade de Louz. Com gritos de alegria eles entraram na clareira. Em frente a muralha viram uma amendoeira gigante mas nĆ£o havia porta para atravessar a muralha. TrĆŖs horas depois eles ainda estavam em frente a Ć”rvore sem ter achado a entrada. Eles estavam desesperados. De repente, olhando para a Ć”rvore, Rabi Isaac lembrou-se das palavras do Rabino: "A amendoeira nĆ£o tem boca ". Os dois refletiram sobre o enigma, atĆ© que Rabi Jacob achou a soluĆ§Ć£o:

- Lembre-se! exclamou ele. Em hebraico a palavra "amendoa" se diz louz que Ʃ tambƩm o nome da cidade. A Ɣrvore nos darƔ a chave do mistƩrio. Observando a amendoeira eles perceberam que havia um lado oco. A abertura era grande o suficiente para deixar passar um homem.

Entraram no interior da Ć”rvore e viram que o tronco formava a soleira de uma gruta que levava a um tĆŗnel. Rapidamente eles estavam ao ar livre, no interior das muralhas. Finalmente haviam chegando a velha cidade de Louz!

A primeira vista, a cidade parecia muito comum, mas eles logo repararam que as pessoas eram extremamente velhas, certos homens tinham barbas tĆ£o compridas que tropeƧavam nelas. Resolveram abordar um senhor que tinha o ar muito triste. Rabi Isaac perguntou-lhe porque estava abatido.

- Meu pai me castigou por eu ter adormecido no leito do meu avĆ“ e nĆ£o ter ouvido quando ele me pediu um copo de Ć”gua, respondeu o velhinho.

- Mas que idade vocĆŖ tem? perguntaram os dois estupefatos.

- Tenho 300 anos, meu pai tem 500, meu avĆ“ 800 anos e meu bisavĆ“ tem mil anos. Ele passa toda a semana dormindo e sĆ³ acorda no Shabat.

- E o que vocĆŖ faz para sobreviver? perguntou Rabi Isaac.

- Fabrico a tinta azul celeste que se utiliza nas franjas dos chales de reza. Mas ninguĆ©m mais a encomenda e me sinto inĆŗtil.

Loucos de alegria, Isaac e Jacob resolveram contar toda a histĆ³ria. O velho ficou muito contente e encaminhou-os ao Rabino para que ele autorizasse a fabricaĆ§Ć£o da tintura. Mas, o Rabino estava doente e nĆ£o poderia receber ninguĆ©m. Oitocentos anos atrĆ”s um estrangeiro viera buscar a tintura e oferecera tamarinas para o Rabino. Recentemente o Rabino sentiu uma forte necessidade de comĆŖ-las e desde entĆ£o adoeceu. E os habitantes de Louz nĆ£o podiam sair da cidade para buscar as frutas, pois se saĆ­ssem nĆ£o poderiam retornar.

Sorrindo, Rabi Jacob estendeu as frutas que tinha no bolso. Deram-nas para o Rabino que recuperou as forƧas. Ele leu a carta de Rabi Abraham e imediatamente ordenou que trouxessem uma garrafa de tintura. Rabi Jacob perguntou ao Rabino de Louz porque D-us dƔ a imortalidade aos habitantes da cidade.

- NinguĆ©m sabe ao certo. Dizem que apĆ³s o pecado de AdĆ£o e Eva, D-us quis excluir o Anjo da morte de um territĆ³rio. Quando D-us decretou que o homem voltaria a ser pĆ³, decidiu que um osso chamado louz seria poupado. Este osso Ć© a base da coluna vertebral e Ć© a partir dele que o homem serĆ” ressuscitado. Aqueles que pensam que nossa vida eterna Ć© uma benĆ§Ć£o dizem que Louz Ć© uma das Portas do CĆ©u. Ɖ por isso que Jacob sonhou aqui com uma escada que chegava ao cĆ©u. Mas outros pensam que nossa vida eterna Ć© uma maldiĆ§Ć£o e que a cidade Ć© maldita pois quando Jacob tentou escapar de seu irmĆ£o Esau, as pessoas daqui se negaram a acolhĆŖ-lo e ele teve que fugir ao deserto.

- MaldiĆ§Ć£o? se espantaram Rabi Isaac e Jacob.

- Sim, as pessoas podem se cansar de viver eternamente e elas deixam a cidade. Mas ninguƩm sabe o que acontece com elas. Pode ser que alguns se perderam e passaram a vida toda procurando o caminho de volta para cƔ. Pode tambƩm ser que o Anjo da Morte os atinge assim que eles saem das muralhas.

Finalmente o tintureiro voltou com a garrafa cheia do lĆ­quido azul celeste. Fora necessĆ”rias milhares de conchas para fabricar uma garrafa. A cor do lĆ­quido era igual a cor do retalho da capa. Eles precisavam partir. Fazendo o caminho inverso, os dois homens tiveram a impressĆ£o que o tempo voava! Na entrada do tĆŗnel eles reencontraram as tochas e uma semana mais tarde, estavam na sinagoga onde todos os AnciƵes os aguardavam rezando. Em 3 meses eles conseguiram cumprir a missĆ£o.

Imediatamente o rei mandou fazer em segredo uma nova capa idĆŖntica a precedente. Contente e agradecido anulou o decreto contra a comunidade judaica e fez um novo decreto que visava proteger a comunidade enquanto durasse sua prĆ³pria dinastia.

E, ainda sobrou tinta para colorir os 4 fios dos chales de reza, com os quais se fazem os nĆ³s que simbolizam o Nome divino.

Traduzido do Conto de Colette Estin:
"La ville de Louz. Le bleu azur du talit"
Les cahiers du judaĆÆsme.

Da Revista MorashĆ” – EdiĆ§Ć£o 22

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