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Anita Novinsky: Kishinev, a cidade do massacre

Os atentados antissemitas na Ucrânia e os demais acontecimentos que recentemente colocaram o país no foco da atenção mundial nos lembram de uma tradição histórica da região, com seus inúmeros e sangrentos "pogroms".

A palavra russa "pogrom" significa "massacre". São ataques acompanhados de destruição, assassinato e roubo, perpetrados por uma parte da população contra outra. Houve "pogroms" em praticamente todas as cidades ucranianas, em especial em Kiev, Odessa e Kishinev.

Massas enfurecidas lançavam-se sobre os judeus, queimando suas casas e lojas, assassinando milhares de homens, mulheres e crianças e deixando famílias ao desabrigo. Há relatos de mais de 660 "pogroms" na Ucrânia.

Eles aconteceram em diversas épocas e foram levados a cabo tanto pelos ucranianos quanto pelos russos, sempre com apoio dos próprios governos e sem que nenhuma autoridade se pronunciasse para defender os judeus.

O mais célebre foi o "pogrom" de Kishinev, em 1903. Foram então espalhados panfletos pela cidade conclamando o povo para o massacre. Durante três dias as ruas ficaram cobertas de sangue.

Para que os bebês não fossem estraçalhados e atirados pelas janelas pela população enfurecida, as mães judias os escondiam dentro de acolchoados de plumas, onde acabavam morrendo sufocados.

Hayim Nachman Bialik (1873-1934), um dos grandes poetas judeus, foi a Kishinev após o massacre para entrevistar sobreviventes. Inspirado pelo horror da tragédia, escreveu em hebraico o seu mais belo e dramático poema, "A Cidade do Massacre".

O "pogrom" de Kishinev comoveu o mundo. Os judeus compreenderam que tais eventos não teriam fim enquanto eles não tivessem uma pátria, com um exército próprio que pudesse lhes garantir segurança e dignidade. Esse e outros "pogroms" levaram milhares de judeus ucranianos e russos a se dirigirem para a Palestina. O próprio Bialik, pioneiro do sionismo, estabeleceu-se em Tel Aviv em 1924 e lá viveu até o fim de seus dias.
Outro intelectual judeu, o ucraniano Wladimir Jabotinsky (1880-1940), desligado da religião e das tradições judaicas, ficou profundamente tocado pelo massacre de Kishinev e traduziu o poema de Bialik para o russo. Porém, como advogado e ativista, não ficou apenas nas palavras. Seu principal sentimento não foi de horror, mas de vergonha e humilhação por ver seu povo ser espancado e morto de forma tão impiedosa. Voltando-se então para as tradições judaicas, engajou-se na causa sionista. Na Palestina, então sob mandato britânico e permanente ameaça árabe, organizou centenas de jovens em grupos de autodefesa clandestinos, um verdadeiro exército que levou o nome de "Haganá", palavra hebraica que significa "defesa".

Preso pelos ingleses sob a acusação de organizar uma revolta armada, foi condenado a 15 anos de prisão. Depois de libertado, em 1929 foi ao 16º Congresso Sionista e fundou o chamado Movimento Revisionista, cujas teses clamavam pela luta armada e se opunham à linha daqueles judeus socialistas, como David Ben-Gurion, que preferiam esperar que os árabes cedessem terras aos judeus por meio da negociação.

A partir de 1936, com a ascensão do fascismo na Europa e já pressentindo uma catástrofe, Jabotinsky deu prioridade à fuga em massa dos judeus europeus em direção à Palestina. Ao falar a políticos poloneses não judeus, incrédulos quanto à eclosão de uma guerra, afirmou: "Os senhores estão vivendo sobre a cratera de um vulcão prestes a explodir". Em 1940, quando morreu em Nova York, estava preparando uma legião de judeus para lutar contra Hitler.

No atual conflito entre a União Europeia e a União Eurasiana –formada pela Rússia e seus atuais "satélites" do leste– não faltam aqueles que acusam os judeus de serem os culpados de todos os problemas dos russos e dos ucranianos.

O histórico antissemita dos dois países –somado aos recentes atentados contra sinagogas e instituições judaicas– não permite olhar para o futuro com alguma esperança. Por isso os rabinos da região aconselharam a comunidade judaica a abandonar de imediato a Ucrânia. Mas há um significativo detalhe: as autoridades ucranianas não estão concedendo passaportes aos judeus.

O mais sangrento passado nos volta então à memória.

ANITA NOVINSKY, historiadora, é professora livre-docente da Universidade de São Paulo (USP)
Publicado originalmente na Folha de São Paulo

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