Por Zevi Ghivelder
Depois da Segunda Guerra Mundial, o judeu alemão
Hanns Alexander, que escapou do nazismo e serviu no exército britânico,
incumbiu-se da missão de capturar Rudolf Hoess, o comandante do campo de
concentração de Auschwitz. Seu empenho solitário e incansável teve um final
dramático.
_________________________________________________________________
Hanns Hermann Alexander nasceu em
Berlim no dia 6 de maio de 1917, quinze minutos antes de Paul, irmão gêmeo. Seu
pai, o Dr. Alfred Alexander, era um dos mais proeminentes médicos clÃnicos da
cidade.
Por ocasião do nascimento dos dois
filhos, ele estava servindo num hospital militar alemão na Alsácia, para onde
levou a famÃlia. Em 1918, ao fim da 1ª Guerra Mundial, alsacianos franceses,
vitoriosos, ameaçaram depredar o hospital. O Dr. Alexander conseguiu resgatar a
tempo todos os pacientes e junto com os feridos, a mulher e os filhos, embarcou
no último trem rumo a Berlim. Voltou a seu belo apartamento na Rua Kaiser. A
residência da famÃlia, onde dois dos cômodos serviam de consultório, ocupava
todo o segundo andar do número 219 daquela rua, um dos endereços mais
sofisticados de Berlim. Assim como seus pais, irmão e duas irmãs menores, Hanns
não cresceu num ambiente particularmente religioso. Os Alexanders se diziam
"judeus de três dias", ou seja, iam à sinagoga nos dois dias de Rosh
Hashaná (ano novo judaico) e Yom Kipur (Dia do Perdão). De vez em quando
compareciam ao templo nas manhãs do Shabat (sábado).
No decorrer dos anos, o médico
prosperou e abriu sua própria clÃnica, um prédio de quatro andares, já dotada
de uma grande novidade naquela época, um equipamento de raios-X. A fama do Dr.
Alexander fez com que ele cada vez mais se identificasse com a sociedade
germânica, recebendo para festas e jantares consagrados cientistas, artistas e
intelectuais, que o respeitavam e admiravam.
Em janeiro de 1933, quatro meses antes
de Hanns e Paul completarem 16 anos de idade, Adolf Hitler assumiu o cargo de
Chanceler da Alemanha, com poderes para legislar sem a aprovação do Parlamento.
Num dia de abril, a famÃlia Alexander avistou uma tropa da SA, primeiro braço
armado do nazismo, desfilando pela rua. A turba parou bem em frente ao seu
prédio e começou a gritar: "Não comprem dos judeus!"; "Boicotem
os judeus!"; "Os judeus são nossa desgraça!".
Os manifestantes bloquearam a entrada
do edifÃcio até que, por sorte, foram abordados por um coronel chamado Otto
Meyer. Este lhes disse que o Dr. Alfred Alexander era um fiel cidadão da
Alemanha, que havia lutado pelo paÃs na guerra e que, inclusive, havia recebido
a alta condecoração da Cruz de Ferro. Os SA deram meia volta.
À noite, a famÃlia se reuniu em estado
de choque. O que fazer? Os boicotes aconteceriam de fato? Ir embora para a
SuÃça? O médico argumentou que era melhor permanecerem onde tão bem estavam
porque, sem dúvida, aquela violência duraria pouco tempo e o povo alemão, culto
e inteligente, decerto não aceitaria aquele estado de coisas. Entretanto, as
leis restritivas aos judeus foram sendo intensificadas. Certa ocasião, Hanns e
Paul foram assistir a um jogo de patins no gelo, mas se depararam na porta com
um cartaz que dizia "Proibida a entrada de judeus". Mesmo assim,
foram até a bilheteria, compraram ingressos e entraram. Era um sintoma de que,
apesar das adversidades crescentes, a famÃlia pretendia levar a vida da forma
mais normal possÃvel.
Na semana seguinte, um conhecido membro
do Partido Nazista foi ao encontro do Dr. Alexander para lhe dizer que ele
seria denunciado criminalmente por ter praticado um aborto ilegal em sua irmã.
Indignado com a mentira e pressentindo o perigo, o médico foi a um Distrito
Policial para apresentar queixa como vÃtima de difamação.
Ali lhe disseram que, como ele não era
membro do Partido Nazista, nada poderia ser feito a seu favor. Mais uma vez a
famÃlia reavaliou a situação, mas o Dr. Alexander ainda hesitava em deixar
Berlim. Em janeiro de 1936, o médico viajou para Londres para visitar uma de
suas filhas, Bella, que se casara com um inglês. Na ausência do marido, Henny,
a matriarca da famÃlia, recebeu um telefonema daquele mesmo coronel Otto Meyer:
"Diga a Alfred para sumir imediatamente. Ele é o primeiro de uma lista de
judeus que vão ser presos pela Gestapo". Sabendo de sua estada na
Inglaterra, foi incisivo: "Diga a ele para não voltar sob hipótese alguma".
Em Londres, apesar de deprimido por não poder trabalhar, o Dr. Alexander
começou a tomar providências para tentar trazer Henny e Hanns ao seu encontro.
Enquanto isso, Paul estava na SuÃça e Elsie, a outra filha, também casada, na
Holanda.
Em Berlim, Hanns, que trabalhava num
banco, tratou de obter uma permissão para deixar a Alemanha. Para sua surpresa,
não foi difÃcil, porque, à quela altura, a polÃtica nazista era no sentido de se
livrar do maior número de judeus. A dificuldade foi obter um visto para entrar
na Inglaterra que relutava em aceitar um grande fluxo de refugiados judeus. O
fato de seu pai e duas irmãs já estarem residindo em Londres não adiantou.
Com a proximidade dos Jogos OlÃmpicos
de 1936, a serem realizados em Berlim, as ações antissemitas foram abrandadas
para enganar o mundo, ao mesmo tempo em que os cartazes proibindo os judeus
disso ou daquilo sumiram dos prédios e das ruas. Em maio, Hanns pediu a seu
chefe no banco que escrevesse uma carta de recomendação para um banco na
Inglaterra, no que foi atendido. Dirigiu-se à representação britânica, onde uma
fila quilométrica se formara na seção de vistos. Conseguiu ser recebido pelo
primeiro-secretário da embaixada, que havia sido paciente de seu pai. Quinze
minutos depois estava com o visto nas mãos. Surgiu, contudo, outra dificuldade.
Pela passagem que conseguira comprar, era preciso atravessar a França e os
franceses lhe negaram o visto, embora de trânsito. A seu socorro veio Paul, que
lhe facilitou os meios para viajar até a SuÃça, de onde poderia prosseguir para
Londres. Somente Henny permaneceu em Berlim para se desfazer dos bens da
famÃlia.
No dia 2 de junho de 1936, Hanns
desembarcou no aeroporto de Croydon, no sul de Londres. Tinha no bolso uma
cédula de dez marcos, tudo que os alemães permitiram que levasse. O funcionário
da imigração britânica carimbou seu passaporte com os seguintes dizeres:
"O viajante deve registrar-se de imediato na polÃcia e não permanecer mais
do que seis meses no Reino Unido". Henny foi obrigada a vender o apartamento
da Rua Kaiser e também a clÃnica por quantias irrisórias, mas que lhe
permitiram pagar o exorbitante imposto de saÃda exigido pelo Reich. No Rosh
Hashaná daquele ano, aguardados por Bella, Henny chegou à Inglaterra, Elsie
chegou via Amsterdã e Paul via SuÃça. A famÃlia Alexander estava novamente
reunida.
No dia 4 de setembro de 1939, tendo a
Alemanha invadido a Polônia, Hanns e Paul seguiram para o posto de recrutamento
da Royal Air Force (Real Força Aérea), em Acton, Londres. Ambos passaram por
exames médicos, compareceram a entrevistas com oficiais que checaram todos os
pormenores de suas vidas pregressas e foram mandados de volta. Receberiam
ordens posteriores. Os ingleses relutavam em acolher em suas forças militares
refugiados alemães por medo de ações de sabotagem ou de espionagem, mas em
dezembro daquele ano aceitaram Hanns e Paul.
Os dois irmãos foram encaminhados para
o Corpo Auxiliar de Militares Pioneiros e levados para treinamento no campo
Kitchener. Dali, Hanns escreveu para o pai: "Estou vivendo o momento mais
feliz da minha vida". Nos dois anos seguintes, os gêmeos se prestaram
apenas para serviços pequenos ou burocráticos. ConcluÃram, então, que para
serem tratados com respeito pelo exército britânico teriam que cumprir o curso
de oficiais. Depois de muito peticionar, acabaram sendo transferidos para a
Unidade de Treinamento de Oficiais em Lincolnshire, aonde chegaram no dia 3 de
maio de 1943.
Graduados dois meses mais tarde,
tiveram que ser separados por conta do regulamento militar que estipulava que
parentes próximos não poderiam servir na mesma unidade. Paul foi para o Comando
Regional Norte e Hanns para a Companhia 239 do Comando Regional Sul. Ele só viu
a guerra de perto em julho de 1944, quando foi mandado para a França, já depois
da invasão do dia-D, no mês anterior. Enquanto os aliados descarregavam sem
cessar toneladas de suprimentos, equipamentos e munições nas praias da
Normandia, a Companhia de Hanns foi incumbida de supervisionar um grupo de
oficiais alemães que havia sido feito prisioneiro. Anos depois ele comentou:
"Foi muito estranho, mas também gratificante, oprimir aqueles que me
tinham oprimido".
No ano anterior, Roosevelt, Churchill e
Stalin tinham emitido um comunicado segundo o qual, após o fim das
hostilidades, todos aqueles que, desde 1933, haviam cometido atrocidades ou
crimes de guerra deveriam ser levados a julgamento. Foi, então, criada uma
lista que recebeu o nome de Central Registry of War Criminals and Security
Suspects, sigla Crowcass.
A primeira lista continha cerca de cem
mil pessoas, homens e mulheres, sem seus delitos especificados. Em seguida, foi
feita outra Crowcass, prioritária, com 165 nomes, assinalando Hitler em
primeiro lugar, Goering em segundo, Goebbels em terceiro, Martin Borman em
quarto, seguindo-se os mais importantes chefes do Terceiro Reich, já com os
registros detalhados de suas ações criminosas.
O nome de Rudolf Hoess estava nesta
lista, mas grafado como Hess, o que, de imediato, dificultou sua identificação
porque oralmente era um homônimo de Rudolf Hess, o lÃder nazista que, em 1942,
num gesto impulsivo e até hoje polêmico, saltara de pára-quedas sobre a Inglaterra
para propor um rejeitado acordo de paz em separado com a Alemanha. Entretanto,
a descrição fÃsica do criminoso era a seguinte: "Louro claro, 1m80m, 78
quilos". Só podia ser Hoess, o comandante do campo de concentração de
Auschwitz.
Rudolf Franz Ferdinand Hoess nasceu num
subúrbio de Baden-Baden, perto da fronteira da França, no dia 25 de novembro de
1901. Pouco antes de completar quinze anos, saiu de casa, mentiu sobre a idade
e se alistou no exército. Em agosto de 1916, foi admitido no Regimento de Dragões
de Baden, o mesmo no qual seu pai e o avô haviam servido. No ano seguinte, foi
mandado com seu regimento para a Palestina, onde os alemães lutavam ao lado dos
turcos na Primeira Guerra Mundial. Numa batalha nas cercanias de Jerusalém,
Hoess foi ferido e levado para um
hospital em Jaffa. Após o armistÃcio de 1918, voltou à Alemanha e se engajou no
Freikorps, um grupo paramilitar que lutou contra os bolcheviques russos na
Letônia e onde perpetrou terrÃveis massacres. Foi o seu aprendizado na
crueldade e na violência.
Enquanto isso, era instituÃda na
Alemanha a República de Weimar, que extinguiu o Freikorps. Hoess foi para
Munique e ali fez amizade com um jovem polÃtico chamado Adolf Hitler,
tornando-se um dos fundadores do Partido Nacional Socialista, o futuro Partido
Nazista. Em 1929, casou-se com Hedwig Hensel, de 21 anos. Segundo os
historiadores, o casamento só aconteceu porque a moça havia engravidado. Quando
Hitler chegou ao poder, Heirich Himmler, amigo de Hoess desde os tempos do
Freikorps, foi nomeado comandante da polÃcia polÃtica da Bavária e depois se
tornou o chefe supremo das forças SS, poderoso órgão militar do Partido
Nazista, no qual Hoess se alistou.
Em dezembro de 1934, foi mandado para a
cidade de Dachau, perto de Munique, onde a dez quilômetros de distância fora
criado o primeiro campo de concentração destinado a internar os chamados
inimigos do Reich. Hoess passou a servir como adjunto do comandante do campo e
foi morar ali perto, junto com Hedwig e três filhos. Quatro anos mais tarde,
enviaram-no para o campo de Sachsenhausen, perto de Berlim, de novo atuando
como adjunto do comandante. Chamou a atenção de seus superiores por saber
acatar quaisquer ordens sem questionamentos e por executá-las com afinco e
dedicação. Ali o promoveram a chefe do Amtsgruppe D1, primeira inspetoria geral
dos campos de concentração.
Durante seu interrogatório no Tribunal
Militar de Nuremberg, após a guerra, Hoess declarou que fora chamado a Berlim
por Himmler, de quem recebia ordens diretas: "Não me lembro das exatas
palavras de Himmler, mas ele me revelou que estava em curso uma solução final
para a questão judaica. Disse que se nós, das SS, não destruÃssemos os judeus,
eles destruiriam a Alemanha. Escolhemos instalar para este fim um grande campo
de concentração em Auschwitz porque era uma área livre e de fácil acesso".
Em maio de 1944, Hoess foi transferido
para o campo de extermÃnio de sua própria escolha, com o posto de comandante e
ali chegou no dia 8 daquele mês. Uma semana depois, começaram a chegar os
primeiros trens, transportando judeus oriundos da Hungria que, até julho,
somaram 437 mil seres humanos. A seleção dos prisioneiros, aptos ou inaptos
para o trabalho, era conduzida por dois médicos do campo, Josef Mengele e Fritz
Klein. Os inaptos, vindos de diferentes pontos da Europa, foram executados e,
em razão de sua eficiência nas tarefas assassinas, Hoess foi à localidade de
Solahutte, nas imediações de Auschwitz, para receber uma festiva homenagem de
seus superiores. Ele conseguiu abandonar Auschwitz às pressas, pouco antes de o
campo ser libertado pelo exército soviético, no dia 27 de janeiro de 1945.
Pressentindo a próxima derrota final da Alemanha nazista, escondeu-se junto com
a mulher e os cinco filhos.
No dia seguinte ao da vitória definitiva
dos aliados, Hanns recebeu ordens para se apresentar ao comando britânico, em
Bruxelas. No caminho, parou no campo de concentração de Belsen. Escreveu para o
irmão: "O campo está lacrado para impedir que uma epidemia de tifo se
espalhe por toda a Alemanha. Não há mais guardas das SS, mas deparei-me com
húngaros que não foram melhores do que os nazistas. Presenciei o mais terrÃvel
dos cenários, com cadáveres por todas as partes". Junto com outros
soldados, Hanns começou a recolher os mortos e enterrá-los numa vala comum.
Findo o funeral, um rabino-capelão inglês ali recitou o kadish (prece pelos
falecidos).
No dia 16 de maio, o tenente-coronel
britânico Leon Genn (que já era um ator consagrado no teatro e fez bela
carreira no cinema inglês e em Hollywood), recebeu em Belsen um telegrama de
Londres com instruções para que assumisse o comando de uma equipe de
investigadores e intérpretes intitulada Number I War Crimes Investigation,
sigla WCIT, na qual Hanns se engajou. A missão de Genn e seus comandados
consistia em reunir provas que servissem ao julgamento de criminosos de guerra
em Belsen e arredores. Para isso seria criado um tribunal militar presidido por
juÃzes ingleses e com o concurso de promotores e advogados também ingleses. Os
culpados receberiam as sentenças cabÃveis, incluindo condenações à forca ou
fuzilamento.
Hanns foi designado para atuar como
intérprete junto ao capitão Alfred James Fox que, no transcurso de três
semanas, já havia procedido a uma série de interrogatórios de prisioneiros e
sobreviventes. Hanns e Fox se instalaram num escritório na pequena cidade de
Celle, na Saxônia alemã.
Um dos primeiros investigados foi o
responsável pela intendência de Auschwitz, um soldado chamado Franz Hossler.
Este lhes revelou: "O comandante do campo era Rudolf Hoess. Muitas vezes
lhe disse que me sentia mal vendo aquela gente sendo levada para as câmaras de
gás e ele respondia que o assunto não era da minha conta". Interrogaram
também uma mulher chamada Irma Grese, a chefe da guarda feminina em Auschwitz.
Ela era conhecida como "a bela besta" por sua alta estatura e bonitos
cabelos louros. Grese negou tudo, porém mesmo assim foi levada a julgamento. Em
seguida foi a vez de uma de suas subordinadas, Elisabeth, que declarou: "O
responsável pelo que aconteceu em Auschwitz foi Rudolf Hoess. Claro que as
ordens vinham de Himmler, mas ele supervisionava tudo". Ao cabo dos
interrogatórios, Hanns dirigiu-se a Leo Genn e pediu permissão para procurar
Hoess.
O coronel Genn recusou, dizendo que
Hanns não tinha experiência suficiente para a captura daquele criminoso e que
ainda precisava dele em Belsen. Em princÃpio, Hanns concordou. De fato,
faltava-lhe experiência como detetive policial e, à quela altura, não possuÃa a
menor pista sobre o paradeiro de Hoess. Entretanto, estava solidamente decidido
a cumprir a missão da qual se incumbira.
Sensibilizado por novas insistências de
Hanns, o coronel Genn deu-lhe um carro com motorista para poder se deslocar com
facilidade e sugeriu-lhe que começasse a busca pela análise da lista
prioritária da Crowcass. Poderia, portanto, ir para onde quisesse e mais ainda:
promovido ao posto de capitão, tinha autoridade para efetuar prisões.
Enquanto isso, Hoess deixou a mulher e
os filhos sob os cuidados do irmão dela, que os abrigou num prédio restante de
uma antiga indústria de açúcar, na cidade de St. Michaelisdonn, perto do Mar do
Norte, e junto com o filho Klaus, então com quinze anos de idade, rumou para a
localidade de Flensburg, onde um grupo de nazistas fanáticos, comandados por
Himmler, pretendia se organizar para ainda enfrentar os aliados vitoriosos. No
entanto, essa fantasiosa tentativa logo desmoronou. Himmler rendeu-se a uma unidade
britânica e horas depois de ser preso suicidou-se ingerindo uma cápsula de
cianureto. Desorientado, Hoess chegou à cidade de Gottrupel, junto à fronteira
da Dinamarca. Com a ajuda de antigos companheiros foi abrigado numa rústica
casa de pedras, com um só aposento.
A par do empenho para encontrar Hoess,
o capitão Hanns empreendeu uma viagem a Luxemburgo, à procura do gauleiter
(governador designado pelos nazistas) Gustav Simon, responsável pela deportação
dos judeus daquele paÃs. Depois de exaustivos e pacientes interrogatórios com
toda a famÃlia Simon e com dezenas de habitantes de Luxemburgo, acabou
encontrando e prendendo o gauleiter. Dali regressou a Belsen e obteve uma
licença para viajar a Londres, onde se casou com Ann Graetz, uma jovem morena judia
pela qual se havia apaixonado desde a chegada na Inglaterra e com a qual
mantivera contato antes, durante e depois da guerra.
Hanns Alexander regressou à Alemanha e
foi para Berlim, levando a lista da Crowcass. Na arrasada capital do Reich
apresentou-se ao capitão William Victor Cross, do serviço britânico de
inteligência, no destacamento Field Security Section 92, encarregado de
capturar criminosos de guerra. Este lhe disse que ignorava aonde Hoess se
encontrava e que provavelmente possuÃa alguma falsa identidade.
Entretanto, há um bom tempo seus homens
vinham monitorando a mulher e os filhos de Hoess e sabiam que a famÃlia do
comandante de Auschwitz vivia no que sobrara uma antiga fábrica de açúcar em
St. Michaelisdonn. Além disso, haviam interceptado uma carta de Hoess para a
mulher, sem o endereço do remetente, mas era óbvio que Hedwig conhecia o
esconderijo do marido. Ela estava detida para interrogatório na pequena cidade
de Lunden, às margens do rio Eider. Na prisão local, Hanns começou o questionamento
daquela mulher de cara redonda que, apesar de mal vestida e mal nutrida,
conservava uma pose arrogante. Como era esperado, a mulher de Hoess respondeu
que não sabia do marido.
No dia seguinte, Hanns e quatro
militares da Field Security seguiram para St. Michaelisdonn. Na velha fábrica,
Hanns subiu um lance de escada e num aposento frio e escuro, com alguns
colchões, uma mesa e poucas cadeiras, encontrou quatro filhos do fugitivo.
Dirigiu o foco para Klaus que disse nada saber. Voltou-se para Hideraud, a
filha mais velha, e ameaçou que se ela não revelasse a verdade, levaria Klaus
preso, o que de fato cumpriu. Levou o rapaz para Lunden e o colocou na mesma
cela da mãe. O jovem e a mãe se disseram em greve de fome, mas a certa altura o
jovem pareceu disposto a falar. Ele disse que tinha visto o pai depois da
guerra, que na realidade estivera com ele em Flensburg, mas há meses deixara de
ter qualquer notÃcia sobre sua condição. Hanns insistiu com Hedwig: "Onde
está seu marido?" Resposta: "Ele morreu". Depois de esgotar
todos os métodos de interrogação, Hanns concluiu que deveria fazer algo
drástico. No entardecer do dia 11 de março de 1946, ouviu o ruÃdo da passagem
de um trem atrás do prédio da prisão. Teve um estalo. Entrou na cela da mulher
e disse que se ela não revelasse a verdade, aquele trem levaria Klaus para a
Sibéria. Deixou nas mãos dela um lápis e uma folha de papel. Voltou após uma
hora e encontrou o seguinte escrito: "Fazenda de Hans Peter Hansen, em
Gottrupel. Nome: Franz Lang".
Imediatamente reuniu-se com o capitão
Cross e começaram a elaborar um plano de captura. A operação deveria ser feita
nas primeiras horas da manhã e era indispensável levar farto armamento e
munição porque Hoess, certamente, resistiria. Convocaram uma patrulha de vinte
homens da Field Security à qual estavam integrados alguns judeus alemães do
exército inglês, cujas famÃlias tinham sido mortas em Auschwitz.
O comboio tomou o rumo de Gottrupel. Em
frente à casa de pedras da fazenda, acompanhado por um médico e um motorista,
Hanns bateu na porta, logo aberta por Hoess, e emitiu a primeira ordem:
"Vejam se ele tem alguma cápsula na boca". Calmo, o carrasco mostrou
seus documentos em nome de Franz Lang e negou qualquer vÃnculo com o campo de
concentração de Auschwitz. Durante a guerra tinha sido apenas um soldado raso.
Hanns ordenou-lhe: "Tire a sua aliança!" Hoess respondeu que o anel
estava apertado demais e era impossÃvel tirá-lo. Hanns arrematou: "Então,
vou cortar seu dedo". Hoess acabou tirando o anel em cujo interior havia
uma gravação: "Rudolf e Hedwig".
O carrasco estava identificado. Antes
que algum dos militares tivesse um impulso agressivo, Hanns ordenou:
"Coloquem ele são e salvo no meu carro". No percurso para a prisão da
cidade de Heide, Hanns fez o interrogatório inicial do prisioneiro. Qual o seu
nome completo? Qual era seu grau nas SS? Qual foi sua atuação durante a guerra?
Qual foi sua atuação nos campos de concentração?
Rudolf Hoess foi julgado pelo Tribunal
Militar de Nuremberg e condenado à morte. Ergueram um cadafalso no próprio
campo de Auschwitz onde ele foi enforcado às 10 horas e 8 minutos da manhã do
dia 16 de abril de 1947.
Bibliografia:
"Hanns
and Rudolf", de Thomas Harding, editora Simon&Schuster, EUA, 2013.
Zevi
Ghivelder é escritor e jornalista
Da Revista Morashá - Edição 82 - dezembro de 2013