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Espionagem e castigo: o caso Pollard

Coisas Judaicas
Espionagem e castigo: o caso Pollard

*Sheila Sacks

“Eis o que é o justo: o proporcional; e o injusto é o que viola a proporção.” (Aristóteles em “Ética a Nicômaco”, século 4 antes da Era Comum)

No início de 2014, a mídia israelense voltou a um tema que há quase três décadas incomoda e constrange autoridades governamentais, juízes, lideranças comunitárias e religiosas, políticos e diplomatas de Israel e dos Estados Unidos. Trata-se do caso de Jonathan Pollard, um ex-funcionário da marinha americana que vazou documentos sigilosos para Israel sobre as atividades de espionagem dos Estados Unidos no mundo árabe.  Preso em 1985 e condenado à prisão perpétua em 1987, Pollard cumpre a pena em uma penitenciária federal na Carolina do Norte.

O motivo de Pollard retornar à cena pública foi a revelação de que a NSA (sigla em inglês da Agência de Segurança Nacional dos EUA), em cooperação com os serviços de inteligência britânicos, espionou e-mails de políticos israelenses e do então premiê Ehud Olmert e do ministro de Defesa Ehurd Barak, principalmente em 2008 e 2009. Os documentos repassados pelo ex-técnico da NSA Edward Snowden, asilado na Rússia, foram publicados simultaneamente pelo “The New York Times”, “The Guardian” e “Der Spiegel” (em 20.12.2013).

Reprovado pela CIA

Nascido no Texas, Pollard de 59 anos é oriundo de uma família judaica e seu pai, Dr.Morris, falecido em 2011, foi um microbiologista conceituado, professor emérito de ciências biológicas da Universidade Notre Dame (Indiana), uma das mais prestigiadas universidades católicas dos Estados Unidos.

Formado em ciência política pela Universidade de Stanford, na Califórnia, Pollard tentou um emprego na CIA, a agência central de inteligência, em 1977, mas foi reprovado no teste de polígrafo, instrumento que registra inúmeros fenômenos fisiológicos como pressão arterial e movimentos respiratórios, usado geralmente como detector de mentiras. Dois anos depois, ele foi contratado pela Marinha para trabalhar na área de inteligência, analisando dados e elaborando relatórios.

Em meados de 1984, já no serviço de análise e investigação naval, mas especificamente no ATAC (Anti-Terrorist Alert Center), Pollard observa que dados importantes para a segurança de Israel não estavam sendo repassados conforme acordo de cooperação estratégica e militar assinado em 1981 pelo secretário de Defesa Gasper Weinberger e o ministro israelense Ariel Sharon.

Pelo tratado ou Memorando de Entendimento (MOU – Memorandum of Undestanding), ratificado em 1983, os dois países se propunham a estabelecer um quadro de consulta e cooperação para melhorar a segurança nacional de ambas as nações e para lidar com as ameaças no Oriente Médio, incluindo exercícios militares conjuntos, atividades de preparação de defesa e acesso às instalações de manutenção.

Encontro com israelenses

Por intermédio de um amigo, Pollard entra em contato com um militar israelense em Nova York, o coronel da força aérea Aviem Sella, responsável pelo ataque à usina nuclear iraquiana de Osirak, em 1981. Pollard está convencido de que Israel não tinha acesso a informações importantes para se defender de prováveis atos terroristas porque os EUA não desejavam arruinar suas relações com os países árabes produtores de petróleo.

Ele repete esse argumento a Sella que o apresenta ao coronel Yosef Yagur, ex-consultor técnico do Consulado de Israel naquela cidade e agente do Lekem (Bureau of Scientific Relations, em inglês), um setor de inteligência científica e técnica israelense, ligado ao ministério da Defesa, que funcionou até 1986. É o que conta o jornalista e escritor Gordon Thomas no best-seller “Gideon's Spies: The Secret History of the Mossad” (1998), que na versão em espanhol se chamou “Mossad: la historia secreta”.

G.Thomas revela que em novembro de 1984 Pollard foi a Paris com sua primeira esposa Anne para ser apresentado pessoalmente ao chefe do Lekem, o lendário Rafael ‘Rafi’ Eitan, que em 1960 comandou a captura do carrasco nazista Adolf Eichmann na Argentina.

Recusado pelo Mossad

Nos próximos meses e até ser preso, em 21 de novembro de 1985, em frente à embaixada israelense em Washington, onde tentara se refugiar, G. Thomas afirma que Pollard enviou às suas fontes dados valiosos para a segurança de Israel, como detalhes sobre a localização e entrega de mísseis e armas russas para a Síria, e mapas e fotografias de satélites dos arsenais de armas militares e químicas dos sírios, iraquianos e iranianos. Mas, diante da prisão do analista pelo FBI, Sella e Yagur embarcam em um avião da El Al rumo a Israel.

Em 4 de março de 1987, Pollard é condenado à prisão perpétua e sua mulher recebe uma sentença de cinco anos. Sella é indiciado à revelia por um júri federal em Washington que também identifica como conspiradores Rafi Eitan, Yosef Yagur e Irit Erb, ex-secretário da embaixada israelense. Em Israel, o governo institui uma comissão de inquérito, afasta Rafi e Sella de seus cargos e encerra os serviços do bureau.

Em tempo: dois anos antes de Pollard manter contato com Rafi, o ex-analista já tinha se oferecido para atuar para o Mossad, o serviço secreto israelense, que o recusou por considerá-lo “instável”. Segundo G.Thomas, um agente do Mossad em Nova York classificou Pollard de “um homem solitário, com uma visão deformada de Israel”.

Campanhas a favor de Pollard

Em 1998, o Congresso Mundial Judaico (WJC - World Jewish Congress), que representa as comunidades e organizações judaicas em mais de 100 países, fez um apelo para que os judeus americanos quebrassem o silêncio que há mais de uma década envolvia o caso Pollard. “A acusação de dupla lealdade provavelmente jamais irá desaparecer”, admitiu em memorando a organização, assinalando que o episódio sempre será uma arma política atraente para atacar Israel.

No documento, o WJC invoca uma reavaliação do caso e adverte para o perigo de recrutar judeus da diáspora para operações de inteligência e de segurança. “Hoje Israel deve usar de cautela e o caso Pollard pode ser visto como um divisor de águas nas relações de Israel com os Estados Unidos e os judeus americanos.

Quatro anos depois, em 2002, Benjamim Netanyahu que ocupava o cargo de ministro de Negócios Estrangeiros visitou Pollard no presídio da Carolina do Norte. Desde 1998, Israel já havia reconhecido o ex-analista como um de seus informantes.

Tempo suficiente

Dez anos depois do encontro de Netanyahu com Pollard, o ex-diretor da CIA, James Woolsey, se posicionou publicamente a favor da liberdade de Pollard, em 2012, considerando ”suficiente” o tempo de prisão do condenado. Chefiando a agência de inteligência de 1993 a 1995, Woolsey também escreveu uma carta para o “The Wall Street Jounal”, em 2012, explicando sua posição à época que comandava a CIA, quando foi contra um pedido de clemência que favorecesse o ex-analista. “Isso porque ele ainda não tinha completado 10 anos de detenção”, justificou. E fundamentou a sua mudança de posição: “O que eu diria que mudou? A passagem do tempo. Há mais de um quarto de século que ele está preso.”

Woolsey lembrou que apenas dois espiões dos 50 condenados por espionagem a favor da China e da Rússia estão cumprindo prisão perpétua nos EUA: Aldrich Ames e Robert Hanssen, ex-agentes da CIA e do FBI, respectivamente. O primeiro preso em 1994 e o segundo em 2001 (depois de vazar documentos por mais de 20 anos para a União Soviética) causaram danos devastadores aos órgãos de inteligência americanos e particularmente à rede de agentes que atuava para os EUA nos países do Leste Europeu.

 “Eu acuso”

Lembrando as palavras do romancista francês Emile Zola (que há 115 anos escreveu o histórico libelo “J’accuse” no jornal “L’Aurore” a favor do capitão Alfred Dreyfus, de ascendência judaica, vítima de um complô e condenado injustamente por traição), o jornalista italiano Giulio Meotti publicou em 2011 um artigo no “Jerusalem Post” acusando a esquerda israelense e os intelectuais judeus da diáspora de abandonarem Pollard. De família católica, Meotti é colunista do jornal italiano “Il Foglio” e autor do livro “A new Shoah” (‘Um novo Holocausto – a história não contada das vítimas israelenses do terrorismo’), escrito originalmente em italiano e traduzido para o inglês em 2010.

O jornalista destaca em seu artigo que as informações de Pollard ajudaram Israel a se preparar para os ataques de mísseis iraquianos durante a Guerra do Golfo (1990-1991), quando três foguetes Scud de Saddam Hussein atingiram Tel Aviv e não houve vítimas. Por intermédio de Pollard, o governo de Israel não somente conheceu as intenções belicosas do ditador iraquiano, assinala Meotti, como também ficou sabendo da grande quantidade de armas químicas e não-convencionais armazenadas pelo governo de Bashar al-Assad, da Síria. Segundo ele, Netanyahu é o único político de primeira grandeza do cenário político israelense a estar se empenhando verdadeiramente para libertar Pollard.

Meotti passou quatro anos em Israel realizando pesquisas e entrevistas com as famílias atingidas por ataques terroristas. “Dia após dia, são centenas de ataques agressivos e devastadores nos ônibus, cafés, kibbutzim, restaurantes e templos religiosos executados por radicais muçulmanos”, enfatiza o jornalista.

Negativas à libertação

Em anos recentes, agências de notícias têm periodicamente divulgado informações sobre pedidos do governo israelense aos EUA para que soltem Pollard em troca de possíveis concessões como a libertação de prisioneiros palestinos ou a interrupção dos assentamentos judeus na Cisjordânia. Mas, as negativas do governo americano se sucedem. Em abril de 2012, a Casa Branca rejeitou oficialmente a possibilidade de libertar Pollard em resposta a um pedido formulado pelo presidente israelense Shimon Peres. “Nossa posição não mudou neste assunto”, afirmou o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional do gabinete de política externa de Obama, Tommy Vietor (no sistema americano existe a prerrogativa do presidente conceder indulto a presos).

 Para piorar a situação, um ex-conselheiro de segurança nacional do FBI, M.E. Bowman publicou um artigo no “New York Times”, em 14 de janeiro de 2014 (‘Não confie neste espião’), lançando a suspeita de que as informações transmitidas por Pollard podem ter sido negociadas pelo governo israelense com a União Soviética para liberar a saída dos judeus da Cortina de Ferro para Israel. A denúncia caberia ao ex-diretor da CIA, William J. Casey, que em 2001 a revelou ao veterano jornalista investigativo Seymour Hersh, ganhador do prêmio Pulitzer e autor de livros sobre geopolítica e assuntos militares.

Uma insinuação grave que torna ainda mais difícil a luta pela liberdade de Pollard, hospitalizado e submetido a uma cirurgia de emergência neste mês de março, segundo informou a sua esposa Ester.

*Sheila Sacks é jornalista

Em 07.03.2014






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