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Clonagem humana


Já que este assunto é muito complexo e comentado, submetemos dez perguntas essenciais ao Rabino David Weitman a fim de conhecer a sua opinião sobre a relação existente entre a clonagem e o judaísmo.


Quatro anos após o nascimento da ovelha Dolly, a clonagem de mamíferos é uma realidade incontestável. Será que tal realidade contradiz a fé judaica?
É verdade que Dolly se tornou o símbolo da clonagem animal, mas é bom lembrar que este campo de análise não é perfeito ainda. Todas as tentativas de clonar macacos, primatas, fracassaram; até o momento, mostraram-se infrutíferas. Vemos, então, que a técnica utilizada ainda está longe da perfeição, mesmo quando aplicada em animais.

Agora, se isto contradiz a fé judaica, a resposta é não, de forma alguma. Parece-me que a grande novidade na tecnologia da clonagem é o fato de que, pela primeira vez na ciência moderna, descobriu-se um meio de originar uma criatura sem a necessidade do macho. Para tanto, basta possuir o núcleo de uma célula até de uma mulher e inseri-lo em um óvulo. Se observarmos atentamente as fontes judaicas, veremos que esta "novidade" já está prevista em nossos livros. Maimônides, grande legislador e filósofo do século XII, escreve em sua obra Sefer HaMitsvot (lei proibitiva nº.- 179): "Aqueles que pensam que formigas ou insetos não podem ser gerados do apodrecimento dos alimentos são ignorantes, pois não possuem conhecimento científico bastante e imaginam que as espécies apenas podem procriar-se quando há macho e fêmea."

Vemos, então, que apesar de Maimônides abordar um tema com que os cientistas atuais não concordam (a geração espontânea), isso não subtrai nada do vigor de suas palavras, de que existe a possibilidade de procriação sem o elemento masculino. Ou seja, Maimônides não se preocupou se este fato contradizia a Torá ou a fé judaica. Aliás, também o Rabi Menachem Meiri (século XIII) escreve em seu comentário ao Talmud (Sanhedrin 67b) o seguinte: "Tudo o que é feito de forma natural não está sujeito à proibição de feitiçaria. Mesmo que consigam criar belas criaturas sem recorrer ao acasalamento — como a ciência sustenta ser possível — é permitido fazê-lo, porque este é um caminho natural." Percebemos aqui não haver dúvidas sobre a possibilidade da geração de uma criatura desta forma, uma vez que D'us, na verdade, participa do milagre e da grande maravilha do nascimento. E isto pode ocorrer de várias maneiras, quer um nascimento normal, quer uma outra forma de concepção. Este fato não contradiz o judaísmo. A pergunta que tem de ser feita é se esta seria a vontade do Criador, já que há muitas tecnologias que Ele não deseja que utilizemos. Nem tudo o que é possível é o que D'us quer.


Todos os cientistas são unânimes em afirmar que dos 100 primeiros embriões humanos clonados e implantados em várias mães de aluguel, 98 serão abortados espontaneamente por causa das anomalias genéticas. E mesmo que nascessem, seriam seres alterados, com um peso bem maior do que o normal, portadores de problemas cardíacos, circulatórios, com pulmões subdesenvolvidos, diabetes e outras insuficiências. Por esta razão, não apenas os humanistas como também os cientistas, concordam que tentar aplicar e testar em seres humanos uma tecnologia perigosíssima, que ainda não é dominada, é um ato criminoso. Até mesmo em uma situação onde um casal esteja tentando fazer uma "cópia", uma clonagem de uma criança falecida prematuramente, é ilógico que uma criança falecida "gere" muitas outras crianças ou embriões mortos. Para alcançar este objetivo seria preciso destruir muitos embriões humanos que, conforme o judaísmo, já têm vida.

No que diz respeito ao segundo tipo de clonagem, a terapêutica, a ciência afirma que é a grande promessa em matéria de clonagem. Não se trata de "copiar" aqueles que faleceram, mas salvar os que estão doentes. Sabemos que a técnica consiste em fabricar embriões geneticamente idênticos à pessoa em tratamento e tais células troncos, como são chamadas, após serem cultivadas, poderão ser induzidas a formar células cardíacas, pancreáticas, cerebrais etc. Isto, obviamente, poderia ajudar no tratamento do Mal de Parkinson e outras doenças. Porém para nós, judeus, este procedimento é imoral e absolutamente inaceitável. Existem inúmeras objeções morais a respeito, pois o ser humano não pode ser visto apenas como um depósito de peças avulsas. Fiquei profundamente chocado ao ler que um cientista teria dito que, afinal, "o embrião não passa de um amontoado de células, de uma pequena bola, menor do que a cabeça de um alfinete". Desde quando a vida tem tamanho? Se é grande ou pequena, é uma vida! Um embrião existe para gerar filhos, bebês, e não para fabricar peças de reposição. Quem sabe quantos embriões vamos ter de "matar" para obter uma célula tronco? Teremos, no processo, uma matança maciça de embriões, D'us nos livre.

Será que as legislações e a moral das nações estão prontas para este passo?
Sem dúvida, a ciência evoluiu em um ritmo de acúmulo de conhecimentos e isto não depende, necessariamente, de princípios morais. Muitas vezes o conhecimento está desvinculado da ética adequada. Assim, já que estamos vendo que, mesmo na clonagem animal, menos de 3% de todos os esforços obtiveram êxito, e que a clonagem humana pode gerar anomalias genéticas perigosas para a vida além de outros problemas imprevisíveis, não há duvida que as nações deveriam proibi-la. Muitos países, como por exemplo os E.U.A., proibiram qualquer ajuda financeira federal à pesquisa na área de clonagem humana. O Brasil, me parece, também proíbe esta tecnologia.

Tudo isto pode ter conseqüências em matéria de responsabilidade, herança etc. De acordo com a Lei judaica, o homem que der o núcleo de sua célula para a clonagem será considerado o pai da criança. Não fará diferença se a procriação ocorrer mediante uma célula reprodutiva (o sêmen) ou por meio de uma célula adulta. Assim, não caberá recorrer a um outro judeu que não seja o marido, pois mesmo que não tenha havido adultério (uma vez que não houve relacionamento), permanece a suspeita de que esta criança possa vir um dia a se casar com a sua meia-irmã, já que o seu pai é o doador do núcleo, podendo ele ter também outros filhos biológicos.



Na sua opinião, quais são os perigos da clonagem humana?
Há o perigo óbvio de que os neonazistas, saudosos da guerra, queiram clonar Hitler ou um outro anti-semita. Mas, é claro, existem outros perigos. Por exemplo, falamos antes que no processo haverá muitos fetos mortos. Para concretizar a clonagem são necessários muitos óvulos. A clonagem terapêutica precisa de muitas células troncos retiradas de embriões. O que pode vir a acontecer com o tempo é o comércio, um grande comércio de óvulos e de embriões. Todos os restos de embriões provenientes das clínicas de fertilização poderiam ser comercializados, D'us nos livre. O pior de tudo, sem dúvida, é que o ser humano passaria a ser tratado como matéria-prima barata. Como disse o cientista francês, Professor Axel Kahn, é preciso ficar bem claro que "um embrião não serve para criar um gatinho; o embrião existe para criar um bebê, um ser humano". Reduzir o homem à condição de matéria-prima, um simples depósito de peças, como se fosse um automóvel ou uma máquina, motivaria um comércio absolutamente assustador.


Seria o caso de os sábios da Torá proibirem a tecnologia da clonagem?
Como já mencionamos, uma vez que não há menção na Torá e no Talmud que a técnica seja proibida, não podemos proibir essa tecnologia pelo fato de que é contra o caminho natural. Já mencionamos também o famoso comentarista do Talmud, Rabi Menachem Meiri, que sustenta, claramente, que se um dia for possível gerar criaturas bonitas sem acasalamento, conforme encontrado nos livros científicos, é permitido fazê-lo. Por isto, proibir a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico é algo absolutamente impossível. O homem possui uma natureza que o impele a saber cada vez mais. Ele tem a curiosidade de aprender o que o mundo contém e de usá-lo, como diz o salmista no capítulo VIII: "Tu o fizeste [o homem] somente um pouco menos que os anjos, e o coroaste com uma alma e um esplendor. Tu lhe deste domínio sobre as obras de Tuas mãos, Tu colocaste tudo sob seus pés." Qualquer conhecimento adicional pode trazer grandes benefícios e bênçãos para a humanidade, da mesma forma que pode trazer, infelizmente, prejuízos e tragédias. Por exemplo, a descoberta da eletricidade trouxe benefícios para o mundo, que se traduzem em conforto, iluminação etc., mas trouxe também o perigo da eletrocução e o curto-circuito. Será que os sábios da Torá deveriam proibir o seu uso por causa disto? Claro que não! Seria um absurdo. O que se exige do homem, porém, é que seja responsável pelos seus atos e que utilize tudo o que descobrir em suas pesquisas unicamente para o bem. Tentar impedir a utilização de uma descoberta científica por aqueles que dela necessitam, por suspeitar que algumas pessoas mal-intencionadas poderão fazer mal uso dela, é uma decisão muito difícil pela halachá. Como disse o grande legislador desta geração, Rabino Shlomo Zalman Auerbach, não há razão para ser rigoroso e proibir o que é permitido para as pessoas boas e idôneas por causa de alguns perversos e levianos.

Até que ponto o homem pode modificar a natureza que D'us criou?
D'us é chamado o Arquiteto do Universo, como diz o Talmud em Berachot: "Ein tsaiar kelokeinu", não há desenhista como o nosso D'us. A pergunta é se nós, que somos o desenho, também podemos, de vez em quando, "desenhar", auxiliando D'us a "melhorar" a Sua obra. Observamos dois aspectos nesta questão. Por um lado, encontramos na Torá a proibição dos cruzamentos. É proibido cruzar espécies diferentes de animais, e também espécies diferentes de sementes. Não se pode cruzá-las, sendo tal proibição denominada kilaim. Nachmânides explica uma das razões: "Porque aquele que mistura as espécies nega a criação de D'us. É como se pensasse que D'us não fez o suficiente, que a obra não é perfeita e que precisa ajudá-Lo a acrescentar vários tipos de criaturas ou animais". O Sefer HaChinuch explica a razão pela qual D'us proibiu certas misturas: "Porque Ele sabe que são nocivas para o homem, e D'us, que quer o bem do homem, pede a ele não fazê-las".

Encontramos um episódio na Bíblia em que a Torá critica um homem chamado Aná (Gênese, XXXVI:24) que cruzou uma jumenta com um burro, vindo a nascer uma mula. Sabemos que todos os híbridos, inclusive a mula, são estéreis. Isto pode ser encarado como uma reação da natureza contra aquele que desrespeita a vontade Divina, contra aquele que transgride a proibição sobre o cruzamento das espécies. Este é um aspecto que nos ensina a não mexer na criação.

Mas, por outro lado, não podemos esquecer que no mundo e no Universo há muito espaço para descobrimentos, para as ciências e desenvolvimentos em geral. Aliás, este é um outro aspecto enunciado já no início da criação. No sétimo dia está escrito "Asher bará Elokim laasot" — "Esta criação que D'us criou para fazer". O Talmud explica que D'us deixou espaço para o homem melhorar e desenvolver a criação, contribuindo com a obra Divina. Afinal, porque deixaria de ser permitido já que o homem assim procede com a sabedoria que D'us lhe deu? Em outras palavras, estas descobertas do homem também são de D'us, como diz o profeta (Yeshaiau, XXVIII:29): "Gam zot meim Hashem Tsevakot yatsa hifli etsá higdil tushia" — "Também isto é de D'us, admirável em juízo, excessivamente sábio". Então, se D'us nos deu a sabedoria para encontrar cura e soluções, teremos de prestar contas caso não a utilizarmos para o bem da humanidade.


Então, concluindo, qual é a recomendação da Torá no caso da engenharia genética em geral e a clonagem em particular?
Parece-me que para extrairmos uma conclusão sobre a modificação da natureza pela clonagem precisamos levar em consideração alguns detalhes importantes. Por um lado, trata-se de uma solução para que as pessoas estéreis possam ter filhos. Um verdadeiro alívio para essas famílias. Por outro lado, não podemos esquecer de que se trata de uma decisão que pode criar uma absoluta anarquia no conceito da concepção, transformando o nosso mundo em um grande laboratório comercial. Isto pode criar graves problemas principalmente na estrutura familiar e, em geral, na forma e nos direitos do ser humano. Pode, inclusive causar um retrocesso de centenas de anos na humanidade. Como já demonstrou o Rabino Yigol Shafran (do Departamento de Medicina e Halachá do Rabinato de Jerusalém). Esta situação lembra muito um caso descrito no Talmud (Pessachim, capítulo IV): "O Rei Chizkiahu (Ezequias) pegou o Sefer HaRefuot, o livro das curas, e o enterrou, e os sábios concordaram com ele". Este livro era uma tradição passada de pai para filho. De acordo com o Midrash, após o dilúvio, um anjo ensinou a Noé os remédios naturais que existem nas plantas e nas ervas, que são a cura para qualquer doença. Este é o conteúdo deste livro que foi passado para Abraão, até chegar às mãos do Rei Chizkiahu. Maimônides explica: "Por que Ezequias ocultou este livro, já que nele não constavam apenas as curas para as doenças, mas também uma lista de todos os venenos fatais para o homem? E quando certos homens começaram a fazer mal uso dele, matando-se uns aos outros, o Rei Chizkiahu o ocultou". Aqui surge uma pergunta: por que os sábios judeus, conhecendo o livro, esperaram que o Rei fizesse isso e só depois concordaram com ele? Por que eles mesmos, conhecendo a situação imoral reinante, não proibiram o uso do livro? A resposta é que os sábios judeus só podem se opor a algumas proibições pela Torá (ou através de uma proibição momentânea, provisória, que é chamada de horahat shaá). Todavia, uma proibição emitida pela própria Torá é uma proibição eterna, atemporal e independente. Não podiam os sábios proibir o livro das curas, pois, afinal, ele continha a cura para muitas pessoas. O problema não era o livro, mas o mal uso feito dele. Por esta razão, os sábios esperaram o Rei Chizkiahu ocultá-lo. E como o Rei representa uma autoridade governamental, a proibição dele oriunda é uma proibição provisória. Então, os sábios dizem que o Rei ocultou o livro (e não o queimou), pois ocultação é como uma "inspeção federal e governamental" da parte do rei e, Tsadik Chizkiahu, assim procedeu a fim de vislumbrar as metas do conhecimento científico, para que não se fizesse mal uso dele.

Existem certos conhecimentos, principalmente na área da tecnologia, em nosso caso da engenharia genética, que devem permanecer ocultos. Uma vez caindo em domínio público podem acarretar conseqüências tão desagradáveis quanto irresponsáveis. Esta me parece a recomendação da Torá. Precisamos de soluções para a infertilidade. Queremos melhorar muitas coisas e, sem dúvida, isso pode ser feito pela engenharia genética e, quem sabe, através da clonagem. Porém, é necessário um controle, uma inspeção rigorosa para que isto não seja explorado para o mal, D'us nos livre.

O Sr. tem algum exemplo positivo do que podemos aprender da clonagem?
O décimo terceiro princípio da fé judaica é crer na ressurreição dos mortos. Após a revelação messiânica, virá o dia em que D'us ressuscitará os mortos. Os falecidos se levantarão. Quando ensinava este conceito aos meus alunos, muitos me perguntavam: "e como é que ficam os corpos que foram cremados pelos nazistas ou pelos inquisidores nos atos de fé?" A resposta que eu dava, conforme consta nos livros profundos, é que em cada corpo humano existe um pequeno elemento que em hebraico se chama luz. Ele se encontra na espinha dorsal e nunca se acaba; é sempre preservado. A partir deste elemento, D'us irá reconstituir todos os corpos exatamente como eles eram. Quando eu falava isto, os meus alunos ficavam céticos, pois, afinal, de um corpo cremado não sobra nada. Parece ficção reconstituir um corpo a partir de um pequeno elemento. Hoje, graças à engenharia genética e, principalmente, à clonagem, estamos tendo um exemplo prático deste processo, em que se retira apenas um núcleo pequenino, ínfimo, que contém toda a informação genética, todo o DNA da pessoa, e a partir dele podemos clonar um ser humano. Este é um exemplo de como a ciência nos ilustra coisas já claras e escritas em nossos livros.

Quais as suas últimas considerações sobre o assunto?
Existe uma mitzvá na Torá em que o noivo deve dedicar o primeiro ano do casamento à sua esposa, conforme está escrito: "Vessimach et ishtó asher lakach." — "E alegrará sua esposa que tomou a si". (Deuteronômio, XXIV:5). Explica o Sefer HaChinuch, (mitsvá 582): "Fomos ordenados que o noivo alegre a sua esposa no primeiro ano porque D'us, Todo-Poderoso, teve a intenção de criar o mundo, e a Sua intenção é que ele fosse habitado por criaturas bonitas, que nascem de pai e mãe, e por isso ordenou ao povo escolhido que se dedicassem às esposas durante o primeiro ano para aumentar a vontade e a empatia entre eles, até o fundo do coração, de tal forma que quaisquer outras mulheres seriam estranhas para eles". Estamos vendo, em um texto antigo, que a vontade do Criador é que o mundo seja habitado por criaturas que nasçam de pai e mãe, apesar de que possam existir outros métodos. Porém, não é este o mundo que D'us quer que estabeleçamos. A Torá almeja um mundo de bondade e de benevolência, assim como diz o Rei David nos Salmos (LXXXIX:3): "Ki amarti olam chessed yibane". — "Pois o mundo está construído sobre a bondade e a benevolência".


Rabino David Weitman
Revista Morashá – Edição nº 33 – Junho/2001

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