Por Sheila Sacks
“A revolta não nasce, única e obrigatoriamente, entre os
oprimidos, podendo também nascer do espetáculo da opressão cuja vítima é o outro.”
(Albert Camus, escritor e jornalista/ 1913-1960)
Em 2010, uma professora de inglês do ensino
médio em Nápoles publicou um pequeno romance de 78 páginas cujo título
estampava o nome de uma personagem misteriosa e enigmática que já foi rotulada
por agências de inteligência ocidentais como a maior terrorista do século 20. O
livro “L’intervista a Petra Krause” de Mara Fortuna conta a história de uma
estudante de jornalismo que em meio à turbulência dos movimentos de esquerda
que sacudiram a Europa, com bombas e mortes na década de 1970, tenta entrevistar
uma ativista antifascista – Petra Krause - acusada de terrorismo. Mas um
incidente trágico a afasta desse encontro que só vai se realizar trinta anos
depois.
No lançamento do livro a
autora disse que escreveu focada nos adolescentes que na sua maioria tem uma
visão distorcida desse tempo de turbulência no continente europeu marcado por
sucessivos atentados e sequestros praticados por grupos radicais. Mas, esses
grupos extremistas, de acordo com a professora, eram formados por jovens
idealistas e revolucionários. Acrescenta-se que tais movimentos tinham um leque
bastante amplo de ações: se opunham ao regime de apartheid da África do Sul, às juntas militares na Grécia e às
ditaduras de Franco (Espanha), Salazar (Portugal) e Pinochet (Chile); apoiavam
às lutas pela libertação da Argélia, Irlanda do Norte e das colônias
portuguesas de Angola e Moçambique; e mantinham conexões com organizações
clandestinas - como a dos Tupamaros no Uruguai - que lutavam contra as
ditaduras militares instaladas em países da América do Sul.
Os rebeldes de 1968
A jornalista e escritora
americana Claire Sterling (1919-1995), que viveu na Itália durante essa década
turbulenta e foi correspondente do The
New York Times e colunista política do Washington
Post, aponta o ano de 1968 como aquele em que uma geração nascida após a
segunda guerra mundial declarou a sua própria guerra contra a sociedade. “A
força colossal deflagrada por um bando de jovens beatniks, antes ignorados como uma periferia de lunáticos, tirou o
fôlego dos vários sistemas do mundo. Não apenas tirou o presidente Johnson da
Casa Branca e o general De Gaulle do Palácio Elysée, como transformou a derrota
militar do Vietcong após a Ofensiva do
Tet numa conquista política que colocou um ponto final na guerra do Vietnã.”
Explica-se: com o barulho
dos movimentos dos jovens universitários americanos e da geração beat
(precursora dos hippies) contra a guerra do Vietnã crescendo nos EUA, somado ao
surpreendente ataque do Vietnã do Norte ao Vietnã do Sul onde se concentravam
as forças americanas, em 31 de janeiro de 1968 (a chamada Ofensiva de Tet, em referência ao ano novo lunar dos vietnamitas conhecido
como “Tet Nguyen Dan”), Lyndon Johnson não obteve a indicação dos democratas
para tentar a reeleição e o presidente francês, após 10 anos no poder,
renunciou em abril de 1969, após enfrentar protestos violentos de estudantes e
trabalhadores, e ser derrotado em um referendo popular sobre reforma do senado.
Porém, o questionamento
mais contundente que os historiadores ainda fazem dessa época conhecida na Itália
como os “anni di piombo” (anos de chumbo) é a forma violenta de ação adotada
por esses grupos cujos alvos e vítimas foram as próprias democracias da Europa
Ocidental e seus cidadãos. O chamado euroterrorismo se deu a partir da década
de 1970 e atravessou os anos de 1980 como uma extensão dos protestos estudantis
de 1968, com movimentos de extrema esquerda radicalizando suas posições
políticas por meio de atos terroristas que inicialmente atingiram a Alemanha
Federal e a Itália e depois se alastrou para outros países do continente. A
guerra do Vietnã, as ditaduras na Europa e na América Latina, a luta pela
independência da Argélia, a causa palestina, o fantasma latente do fascismo e a
repressão policial serviram de combustível para que esses guerrilheiros urbanos
incendiassem a Europa.
“Geração de Auschwitz”
Mas o rastilho de pólvora
foi aceso na própria Alemanha pós-guerra a partir da fundação do “Grupo
Baader-Meinhoff”, em 1970, também conhecido como “Fração do Exército Vermelho”
(RAF - Rote Armee Fraktion, em alemão), uma organização de extrema-esquerda
responsável por uma série de ações armadas no país e que somente foi
oficialmente considerada extinta em 1998, após mobilizar três gerações de
militantes. Liderados inicialmente por Andreas Baader (1943-1977), oriundo do
movimento estudantil, Ulrike Meinhoff (1934-1976), jornalista e ativista
política, e Gudrun Ensslin (1940-1977), doutora em filosofia, os três foram
assassinados nas prisões onde cumpriam suas penas, provavelmente por policiais,
apesar de o governo alemão alegar que os prisioneiros cometeram suicídio.
No livro “Legacies of
Dachau: The Uses and Abuses of a Concentration Camp, 1933-2001” - que aborda a
história e a memória de uma Alemanha pós-genocida, a partir de Dachau, o
primeiro campo de morte nazista -, o professor americano Harold Marcuse
reproduz o desabafo de Ensslin à imprensa após policiais matarem o estudante
Benno Ohnesorge durante uma manifestação estudantil, em junho de 1967, contra a
visita do Xá Reza Pahlevi do Irã a Berlim. A ativista, então com 27 anos, foi
enfática ao se referir aos policiais: “Eles vão nos matar a todos. Vocês agora
sabem o tipo de porcos contra os quais nós estamos lutando. Esta é a geração de
Auschwitz. Você não pode dialogar com as pessoas que criaram Auschwitz. Eles têm
armas e nós não. Nós precisamos nos armar!”
Para o jornalista alemão
Stefan Aust, que foi editor do semanário Der
Síegel (de 1994 a 2008) e que acompanhou
a formação da RAF e conviveu com alguns de seus líderes, essa é a primeira
geração nascida desde a guerra que começa a fazer perguntas e questionar os
pais acerca dos acontecimentos no regime hitlerista. Eles criticavam aquilo que
lhes parecia ser a relutância da sociedade alemã em confrontar-se com seu passado
nazista. Autor do best-seller “Der Baader Meinhof Komplex”, de 1985, que virou
filme em 2008 e dividiu o público alemão, pois muitos viram uma espécie de
glamourização dos terroristas, Aust escreve sobre a geração de 1968: “A Segunda
Guerra Mundial tinha terminado apenas há 20 anos. Os que comandavam a polícia,
as escolas, o governo, eram as mesmas pessoas que estavam no comando durante o
nazismo. O chanceler Kurt Georg Kiesinger era um ex-nazista. Por causa do
passado nazista, tudo de ruim era comparado ao Terceiro Reich. Se você ouvia
falar de brutalidade policial, diziam que era igual à SS. No momento em que
você vê seu próprio país como a continuação de um Estado fascista, você se dá a
permissão de fazer quase qualquer coisa contra ele. Você vê as suas ações como
a resistência que seus pais não tiveram.”
Vida clandestina
Petra Krause nasceu em
Berlim, em 19 de fevereiro de 1939, e com poucos meses de vida foi levada para
o campo de extermínio de Auschwitz com sua família, onde seus pais morreram nas
câmaras de gás. Seus primeiros três anos são passados neste campo de horrores e
por puro acaso consegue sobreviver e é adotada por uma família cristã. Chega à
Itália pela primeira vez em 1957, ainda adolescente, e filia-se ao Partido
Comunista. Dezoito anos depois, em março de 1975, já como cidadã italiana
divorciada de um médico de Milão e mãe do jovem Marco, é detida na Suíça sob a
acusação de contrabando de armas e de participação em atentados terroristas
contra a embaixada espanhola em Berna e um banco em Zurique.
Escrevendo sobre os grupos
de esquerda na Europa que adotaram a violência em suas ações, a jornalista
Claire Sterling reserva um capítulo para relatar as atividades clandestinas de
Krause em seu livro “A rede do terror” (1981). Conta que no início ela
emprestava seu passaporte para fugitivas dos regimes de Franco e de Salazar ou
as abrigava em seu apartamento em Milão. Depois passou a ser enviada a países
da África, como a Argélia e as colônias portuguesas de Angola e Moçambique. Na
Itália trabalhava como intérprete e tradutora para a editora de Giangiacomo
Feltrinelli, um milionário admirador de Fidel Castro e filiado ao partido
comunista que apoiou e financiou os movimentos armados. Após a morte de
Feltrinelli, em 1972, Krause “mergulha na clandestinidade total, adota novo
nome, adquire um passaporte falso, arranja um insignificante emprego de
escritório em Milão e viaja bastante percorrendo os circuitos terroristas
europeus”, afirma Sterling.
Em outubro de 1974, Krause
atravessa a fronteira e se instala em Zurique. Policiais italianos estão a sua
procura depois de encontrarem um carro de sua propriedade no local de um
incêndio que destruiu uma fábrica da multinacional ITT de componentes
eletrônicos, causando prejuízos de 10 milhões de dólares. Nessa época, segundo Sterling,
Krause já gerenciava a distribuição de armamentos para vários grupos
extremistas sob o nome de “Anna Maria Grenzi”.
Procurada pela CIA
De acordo com o relatório
da CIA (Central Intelligence Agency) de 1978, o grupo de Petra Krause também
chamado de “o grupo de Annababi” funcionava na Suíça em conjunto com a
organização anarquista AKO (Anarchistische Kampf-organization), fundada por
jovens suíços em 1970 e que cultuavam o mito revolucionário do argentino Che
Guevara, braço direito de Fidel Castro executado na Bolívia em 1967. Eles foram responsáveis por roubar toneladas
de armamentos e explosivos dos arsenais das forças armadas suíças para suprir
grupos extremistas como o Baader-Meinhof da Alemanha, as Brigadas Vermelhas da
Itália, os irlandeses do IRA, o ETA dos bascos espanhóis e o Diretório Europeu
dos palestinos em Paris, liderado pelo venezuelano Ilich Ramirez Sanchez,
conhecido como “Carlos, o Chacal” (atualmente com 64 anos e cumprindo pena de
prisão perpétua na França).
A chegada de Krause à
Suiça, assinala Sterling, impulsionou o abastecimento de armas e explosivos
roubados, o fornecimento de identidades e passaportes falsificados, o tráfego
de esconderijos para militantes perseguidos e a mobilização para a formulação
de sucessivas ações violentas na Itália e na Alemanha. Anos mais tarde, em
declarações a jornais, Krause justificou a sua opção pela militância armada: “Comecei
como marxista-lenilista ortodoxa e passei da completa não-violência ao ponto em
que compreendi que a não-violência é um luxo burguês” (Newsweek, em 18.07.1978). Em outra entrevista, desta vez para o Le Nouvel Illustré, de Genebra, Krause revelou
que sabia que a polícia andava em seus calcanhares. “Comecei a ver a
necessidade de ter outros instrumentos para combater o estado burguês e minhas
reservas quanto à violência caíram por terra.”
Prisão na Suiça
Em março de 1975 Krause é
detida pela polícia suíça em uma movimentada praça de Zurique. Usando
pseudônimo e passaporte falso, ela está acompanhada de Elizabeth Van Dyck, da
liderança do grupo Baader-Meinhof, que viria a ser fuzilada por policiais na
Alemanha, quatro anos depois, aos 28 anos, em um esconderijo da organização.
Antes de ser presa, Krause vinha sendo vigiada
pelo serviço de segurança suíça. Meses antes, ela teria atravessado a fronteira
alemã e entregue pessoalmente fuzis automáticos, minas e granadas para Van Dick
e Siegfried Haag, um advogado simpatizante da RAF que depois se tornou líder e
militante nas ações armadas do grupo. Esse armamento foi encontrado nas ruínas
da embaixada alemã em Estocolmo, semanas depois da explosão do prédio que fora
invadido por um comando da RAF, em abril de 1975, com o intuito de trocar os
diplomatas feitos reféns na embaixada por Baader, Ensslin e Meinhoff que estavam presos.
Em 1979, Haag é condenado a 14 anos de reclusão pela preparação do atentado
na Suécia, recrutamento de pessoal e aquisição de armamentos. Na sentença do
tribunal de Zurique, Petra Krause é citada como a pessoa que forneceu as armas
a Haag em Waldshut, na Alemanha Ocidental, em 31 de janeiro de 1975 (Haag, de
68 anos, teve sua pena suspensa em 1987 devido ao seu estado de saúde).
Presa na Suiça, Krause fica
por mais de dois anos encarcerada aguardando julgamento, sendo que em total
isolamento no primeiro ano. Pesam sobre ela acusações de envolvimento em
atentados terroristas, roubo de equipamento militar e contrabando de armas. Passa
por quatro presídios, sofre uma tentativa de estupro por parte de um
carcereiro, faz três greves de fome, perde 14 quilos e grande parte dos
cabelos.
Debilitada, com nódulos
linfáticos em todo o corpo e sentindo muitas dores, Krause é deportada à Itália
para tratamento de saúde, após 28 meses de confinamento. Contribuem para o
desfecho a mobilização da mídia e a pressão exercida por um comitê de deputadas
que vai a Suíça e constata as péssimas condições de saúde da prisioneira. Um
apelo pela libertação de Krause ganha às páginas do jornal La Repubblica, em julho de 1977. Quem assina é o dramaturgo Dario
Fo (Prêmio Nobel de Literatura de 1997) e sua mulher, a atriz Franca Rame
(falecida em maio de 2013) que também pede a interferência do então presidente
italiano Giovanni Leone a favor de Krause.
Retorno à Itália
Já de volta à Itália, onde
responde a um processo pelo incêndio de uma fábrica em Milão e a ocultação de
um carro roubado, é levada para uma prisão em Nápoles. Mas em razão de seu
estado de saúde ela paga fiança e obtém a liberdade provisória. Nas ruas de
Nápoles, jovens da extrema-esquerda saúdam Krause na saída do presídio e em
passeata proclamam a inocência da acusada (EL
Pais, em 26.08.1977).
Franca Rame, que além de
atriz era ativista feminista, estava no aeroporto de Fuimicino na chegada de
Krause. Ela conta que o ostensivo aparato policial inclusive com cães para
escoltar a prisioneira foi vista como uma manobra teatral para reafirmar a
periculosidade da prisioneira. Um prólogo grotesco, segundo ela, considerando
que o genocida alemão Herbert Keppler, responsável pelo envio de mais de onze
mil judeus italianos para as câmaras de gás de Auschwitz e condenado a prisão
perpétua na Itália, horas depois driblava a vigilância policial escapando de um
hospital militar em Roma, onde se encontrava para tratamento de um câncer, rumo
à Alemanha que negou devolvê-lo às autoridades italianas (ele morreu poucos
meses depois, aos 70 anos ).
Reportando a sua detenção
na Suiça, Krause lembra que ela e a amiga estavam em Bellevueplatz, a estação
de bondes de Zurique, quando foram cercadas e brutalmente separadas por um
grupo de homens que torceram seus braços para trás e arrancaram a sua bolsa.
“Se isso acontecesse na Itália e eu estivesse armada teria atirado como louca.
Teria a certeza de que se tratava de uma agressão fascista”, disse.
Tempos depois, na petição
que faz contra a Suiça por sua prisão, Krause invoca um artigo da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, instituída em 1953, que estabelece que ninguém pode ser
qualificado pelas autoridades como culpado de um crime sem que esta culpa tenha
sido previamente comprovada por um tribunal. Isso porque por ocasião de sua
detenção, o ministro da Justiça suíço foi a TV dizer que Krause era autora de
crimes que envolviam a utilização de explosivos. Tal declaração violava o
entendimento jurídico de que só o processo penal pode conduzir à constatação
formal da culpa e de que a revelação pública de uma suspeita por parte dos
serviços do Estado pode ter conseqüências negativas para a posição jurídica da
pessoa, influenciar juízes e promover condenações antecipadas.
Sentenças
Em novembro de 1978,
Krause é absolvida na Itália por falta de provas. Tem ao seu lado grande parte
da imprensa italiana que faz longas reportagens relatando as torturas físicas e
mentais sofridas pela prisioneira, incriminada por “um suposto roubo de
munições de um arsenal do exército suíço e vítima de acusações por supostos
atos subversivos que nunca foram provados” (Il
Manifesto, diário comunista que encerrou suas atividades em 2012 e Lotta Continua, diário da ultra-esquerda
extinto em 1982).
O conhecido cartunista
italiano Giorgio Di Vita, um jovem de 22 anos à época, recorda que a imprensa
destacava o histórico de Krause como uma menina judia sobrevivente de um campo
de concentração nazista e de seu compromisso político de não-violência que a
levou a manter contato com os principais movimentos antifascistas da Europa,
principalmente com os grupos de esquerda da Alemanha. Também era conhecido seu
compromisso de solidariedade com os espanhóis exilados, gregos e todos os
perseguidos dos regimes ditatoriais, inclusive aqueles que militavam contra as
ditaduras da América do Sul.
Opinião que contrasta com
a de Sterling que em seu livro enfatiza a ligação de Krause com o terrorismo:
“Conhecida por seu bando como ‘Annababi’, Petra Krause foi descrita pela
polícia suíça como a ‘terrorista do século’ ao ser apanhada (...) Não era
assassina como o resto. Tudo o que fazia era cuidar do negócio.”
Em 9 de março de 1981, o
tribunal de Zurique condena Krause a três anos e seis meses de prisão, e em 2
de maio de 1982 a Corte de Apelação de Milão também a sentencia a 6 anos de
reclusão. À época, muitos dos seus companheiros estão presos ou mortos. Ainda
assim, quase duas décadas depois, a jornalista Maria Antonietta Calabró, do
influente jornal Corriere della Sera
publica artigo afirmando que Krause estaria por trás da reorganização de grupos
armados a nível internacional (19.05.2000). Segundo a jornalista, com a captura
de “Carlos, o Chacal” no Sudão, em agosto de 1994, Krause estaria desempenhando
um papel mais atuante no submundo do terrorismo e ativando a sua teia de
relações, já que algumas antigas lideranças estariam em liberdade, ainda que
sob vigilância.
Assassinatos
O artigo em questão
citando Krause e sua associação com grupos de extrema esquerda vem à tona em
razão do assassinato, um ano antes, em 1999, de Massimo d’Antona pelas Brigadas
Vermelhas que reivindicam a autoria do crime para a surpresa dos italianos que
julgavam o grupo extinto. Conselheiro do Ministro do Trabalho, d’Atona fez
parte do grupo que adequou a legislação trabalhista do país às diretrizes da
União Europeia, um dos motivos da execução assinalados na mensagem das
Brigadas.
Dois anos depois, outro
conselheiro do Ministro do Trabalho é morto pelas Brigadas. Desta vez é o
professor Marco Biagi, coautor de uma polêmica reforma trabalhista que
desagradou os maiores sindicatos italianos. Pela internet, as Brigadas assumem o
assassinato do economista tachando-o de “um dos promotores da regulamentação da
exploração do trabalho”. Peritos em balística constatam que nos dois
assassinatos foi usada a mesma arma de calibre 9mm.
Em paralelo, relatório
publicado em 2001 pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado italiano
sobre terrorismo no país contempla com duas dezenas de páginas “La controversa
figura di Petra Krause”. Entre seus contatos é citado o libanês Michel
Moukarbal, definido como “o superior direto de Carlos na resistência palestina
ativa na Europa” (Moukarbal foi morto por Carlos, em 1975, por suspeita de
traição). Sterling afirma que o grupo suíço de Krause forneceu armas para
Moukarbal suprir os grupos separatistas ETA, dos bascos espanhóis, e o IRA dos
irlandeses.
Uma atuação
superdimensionada de acordo com o jornalista e professor da Universidade de
Leipzig, Michael Haller. Articulista do jornal alemão Der Spiegel por um longo período, Haller contesta as afirmações de
Sterling acerca do poder de Krause.“O que é certo é que Petra Krause participou
de duas ações amadoras, uma em Zurique e outra em Berna, que não tiveram sucesso.”
E continua: “Krause chegou a Milão no final dos anos 1960 junto com outros
ultraesquerdistas que manifestavam solidariedade a espanhóis antifascistas e
negros africanos.”
Suspeitas
Para Heller é questionável
atribuir a Krause uma posição de liderança no terrorismo da esquerda europeia,
ao lado do editor italiano Giangiacomo Feltrinelli, simpatizante da esquerda e
morto em um ataque a bomba (1972), e o egípcio de origem judaica Henri Curiel
(“Houve um tempo no Egito... A vida de Henri Curiel, Coojornal, em 16.04.2011), assassinado em 1979 e que presidiu em
Paris a organização “Solidariedade” para acolher os fugitivos e militantes da
esquerda perseguidos principalmente pelas ditaduras da América do Sul. “É
ridículo montar um best-seller com alegações e especulações infundadas, baseadas
em preconceitos vigentes”, critica Heller (“Das internationale Terror- Netz”,
em 22.02.1982).
Um exemplo desse tipo de
indução proposital e conveniente seria a abordagem oficial adotada em relação
ao sequestro e assassinato de Aldo
Moro - por cinco vezes primeiro-ministro da Itália – em 9 de maio de 1978, após
um cativeiro de 55 dias. Se atualmente não há dúvidas de que os executores
foram as Brigadas Vermelhas, ainda paira o mistério sobre a identidade dos
verdadeiros mandantes do crime. Muitos investigadores implicam a CIA, a máfia e
até o Vaticano.
Líder dos Democratas-Cristãos, Moro foi sequestrado no dia em que o
Congresso italiano iria votar uma moção de confiança favorável ao governo de
seu colega de partido Guilio Andreotti, com o apoio, pela primeira vez, do
Partido Comunista. Segundo a viúva de Moro, o secretário de Estado dos EUA Henry
Kissinger o teria advertido para abandonar a ideia de incluir os comunistas no
governo “ou pagaria caro por isso”. No livro “Doveva Morire” (Teria que
morrer), o magistrado Ferdinando Imposimato que atuou no caso, denuncia “as
mentiras, omissões, zonas obscuras e manobras” cometidas pelas autoridades para
desviar a polícia e a Justiça da verdade. ”Descobri, por acaso, 15 anos depois,
documentos do comitê responsável pelo caso. Ao lê-los entendi claramente que se
aplicou uma estratégia para eliminar Aldo Moro.” Durante o período em que
esteve em poder das Brigadas, Moro pediu várias vezes para que o governo
italiano negociasse com o grupo e não foi atendido.
Em entrevista à mídia italiana, sua filha Maria Fida disse acreditar que
havia muita gente interessada em varrer o pai do cenário político, e não
somente na Itália, por sua postura de pacificador. “É muito cômodo dizer que os
culpados foram as Brigadas Vermelhas. Porém, não foram unicamente elas”,
assegura (“La verdad sobre el caso Aldo Moro”, portal Público.es, em 16.03.2008).
Terrorismo estatal
Enfim, é evidente que enfrentar o aparato do Estado é sempre um desafio
e na maioria das vezes um caminho sem volta, porque o terrorismo estatal é um
mostro de tentáculos mortais. Tentativas para circunscrever a luta contra a
tirania, o arbítrio, os déspotas e as malversações do poder público no confortável
campo das ideias já foram feitas aos montes e jamais chegaram a um desfecho
justo sem que nos primórdios dos embates os oponentes se confrontassem em
protestos de rua, confrontos armados ou lançassem mão de outras alternativas incisivas
para a posteriore serem chamados à
mesa de negociações.
É sabido que exemplos de conformismo ou obediência legal não se aplicam
a todas as situações ou em estados de exceção. Passados mais de 70 anos do
início da segunda grande guerra muitos ainda questionam a suposta “passividade”
dos judeus diante das arbitrariedades do regime nazista. Ainda que o levante do
Gueto de Varsóvia, na Polônia (1943), redundasse em um desfecho trágico, com a
morte de seus líderes e a destruição do local, o combate e a resistência armada
dos rebeldes judeus surpreenderam os alemães. Mas tal reação, lamentavelmente, surge
tarde demais. O que suscita uma indagação: se imediatamente após a “Noite dos
Cristais” (Kristallnacht), em Berlim
(09.11.1938), quando efetivamente se deu início ao processo de extermínio do
judeus pelo Terceiro Reich – com a destruição de sinagogas e lojas judaicas, e
a chacina e deportação de centenas de cidadãos alemães de origem judaica para
campos de concentração – os atingidos pelo terrorismo estatal materializassem a
sua revolta por meio de uma rebelião armada, com protestos de rua e confrontos,
os acontecimentos se sucederiam da mesma forma?
Gostaria de crer que a história, a partir daí, seguiria outro rumo,
apresentando às gerações futuras uma perspectiva diferente da própria tragédia
do Holocausto. Mesmo que os mortos se contassem aos milhões, a memória renderia
tributo a mais heróis e a menos vítimas. E nesse caso, Petra Krause estaria
fora de qualquer censura.
Em 12.12.2013
A jornalista Sheila, mais uma vez mergulha no universo de personagens e atores da nossa história contemporânea. Não tem como não sentir um frisson ao ler a aventura de Petra.
ResponderExcluirBrilhante!