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Em 2008, aos 38 anos de idade, a publicitária alemã Jennifer Teege fez
uma descoberta que a deixou chocada: seu avô, que ela não chegou a
conhecer, era o infame comandante Amon Göth, do campo de concentração de
Plaszow, na Polônia, cujo sadismo se destacou até mesmo em meio à
barbárie nazista.
A revelação, depois de tantos anos, teve um efeito ainda mais devastador
sobre Teege porque ela é negra, fala hebraico e viveu por quatro anos
em Israel.
A alemã Jennifer Teege, neta do comandante Amon Göth (no detalhe, no dia de sua prisão), um dos mais cruéis oficiais nazistas |
"O que ele diria sobre isso? Para ele, eu seria uma bastarda, uma mácula
na honra da família. Meu avô com certeza teria me fuzilado", afirma ela
no livro "Amon", que acaba de lançar na Alemanha (ainda inédito no
Brasil).
A suposição não é por acaso. Göth, que acabou julgado e enforcado em
1946, entrou para a história como um dos mais cruéis oficiais nazistas.
No campo de Plaszow, costumava atirar em prisioneiros de forma
aleatória, da sacada de sua residência -uma cena imortalizada no filme
"A Lista de Schindler", de Steven Spielberg, lançado em 1993, com Ralph
Fiennes no papel de Göth.
Teege, hoje com 43 anos, já havia assistido ao filme, mas sequer suspeitava que pudesse ter algum parentesco com o nazista.
ACASO
Em entrevista à Folha, ela conta que a descoberta de suas origens
ocorreu por acaso, durante uma visita à biblioteca central de Hamburgo,
no norte da Alemanha, onde mora com o marido e os filhos.
À procura de obras sobre depressão, um problema que por muito tempo a
afetou, acabou puxando da prateleira um livro chamado "Eu preciso amar o
meu pai, não?".
Primeiro, foi a foto na capa que lhe pareceu familiar. Depois, o nome e a
data de nascimento da personagem principal do livro não a deixaram ter
dúvidas: tratava-se da história de sua mãe, Monika Göth, com quem ela
não tinha contato havia anos.
Fruto de um relacionamento de Monika com um estudante nigeriano, Teege nasceu quando os pais já não estavam mais juntos.
Com poucas semanas de vida, foi entregue pela mãe a uma instituição de
freiras. Viveu no local até quase completar quatro anos, quando foi
então morar com a família que depois a adotaria.
"Depois disso, não tive mais contato com a minha mãe. Ela também já não
usava mais o nome de solteira e eu não recebia muitas informações do
órgão responsável pela adoção", conta.
Ao ver a foto e o nome da mulher no livro encontrado na biblioteca de
Hamburgo, porém, as lembranças voltaram à tona. Ela se recordou de como,
ainda criança, escrevera o nome Jennifer Göth em seu primeiro caderno
-o sobrenome, depois, acabou trocado pelo da família adotiva.
"A descoberta me deixou completamente transtornada", conta ela, que
pediu para o marido buscá-la na biblioteca e passou dias sem sair de
casa -primeiro para ler o livro, depois para absorver o impacto de suas
páginas.
Mesmo passado o choque inicial, sua vida não foi mais a mesma. Ela decidiu procurar a mãe, e as duas voltaram a se encontrar.
Segundo Teege, a mãe disse que optara por ocultar a história da família
para tentar protegê-la do passado, pelo qual ela mesma se sentia
assombrada.
"Ela achava que seria melhor se eu não soubesse de nada. Mas qualquer
verdade é melhor do que o silêncio", diz a publicitária. "O encontrou
foi bom, mas depois perdemos contato novamente."
Sobre o envolvimento de Monika com um nigeriano, Teege afirma que o que aconteceu foi simplesmente paixão.
"Não foi nenhum tipo de protesto", diz, em resposta à pergunta da
reportagem sobre se o relacionamento poderia ter sido uma forma de
Monika tentar se distanciar da memória de Amon Göth.
Além de procurar a mãe, Teege também passou a pesquisar a fundo sobre o papel do avô no genocídio de milhões de judeus.
"Viajei para a Polônia e passei a me ocupar de forma intensiva com o
Holocausto. Eu me sentia terrivelmente mal pelos atos dele, mas não
responsável. A culpa é algo que não se herda."
Mesmo assim, ela estava preocupada com a forma como seus amigos, especialmente os judeus, iriam reagir à revelação.
Nos quatro anos em que viveu em Israel, para onde foi com 20 anos para
se dedicar a estudos sobre o Oriente Médio e a África, ela já sentira um
certo mal-estar por causa de sua nacionalidade.
"Isso acontece com muitos alemães. Viver lá foi muito bom e nunca fui
alvo de rejeição, mas às vezes me senti desconfortável", diz.
Com a descoberta de suas origens, o temor era que seus dois principais amigos em Israel pudessem se afastar.
A resposta deles, narrada no livro, a tranquilizou: "O Holocausto está
no nosso DNA. Mas que culpa você tem? Você é a Jenny. Deixa disso."