Bereshit: Assumindo a Responsabilidade

Bereshit: Assumindo a Responsabilidade

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Por: Rabino Lord Jonathan Sacks
Coisas Judaicas



Se a lideranƧa Ć© a soluĆ§Ć£o, qual Ć© o problema? Sobre isso, a TorĆ” nĆ£o poderia ser mais especĆ­fica. Ɖ a falta de responsabilidade.

Os primeiros capĆ­tulos do GĆŖnesis se concentram em duas histĆ³rias: AdĆ£o e Eva, e Caim e Abel. Cada uma Ć© sobre um tipo especĆ­fico de falha.

Primeiro a de AdĆ£o e Eva. Como sabemos, eles pecaram. Constrangidos e envergonhados, eles se escondem, mas apenas para descobrirem que nĆ£o podem se esconder de D’us:


O Senhor D’us primeiro chamou o homem: "Onde estĆ”s?". Ele respondeu:"Ouvi teus passos no jardim e tive medo, porque estava nu, e escondi-me". E ele disse: "Quem disse que vocĆŖ estava nu? VocĆŖ comeu da Ć”rvore de que te ordenei que nĆ£o comesses? "O homem disse: "A mulher que vocĆŖ colocou aqui comigo, ela m e deu o fruto da Ć”rvore, e eu o comi."EntĆ£o o Senhor D’us disse Ć  mulher:"O que Ć© isso que vocĆŖ fez" e a mulher disse: "A serpente me enganou, e eu comi." (GĆŖnesis 3: 9-12).


Ambos insistem que a culpa nĆ£o Ć© deles. AdĆ£o culpa a mulher. A mulher culpa a serpente. O resultado Ć© que ambos sĆ£o punidos e exilados do Ɖden. AdĆ£o e Eva negam a responsabilidade pessoal. Ambos dizem "NĆ£o fui eu".

A segunda histĆ³ria Ć© mais trĆ”gica. Ɖ o primeiro exemplo da rivalidade entre irmĆ£os na TorĆ” que leva ao primeiro assassinato:


Caim disse a seu irmĆ£o Abel. Enquanto eles estavam no campo, Caim atacou seu irmĆ£o Abel e o matou. EntĆ£o o Senhor disse a Caim: "Onde estĆ” seu irmĆ£o Abel?". "Eu nĆ£o sei", ele respondeu. "Sou eu o guardiĆ£o do meu irmĆ£ o? "O Senhor disse: "O que vocĆŖ fez? OuƧa! O sangue do teu irmĆ£o clama a mim vindo do chĆ£o" (Gn 4: 8-10).



Caim nĆ£o nega responsabilidade pessoal. Ele nĆ£o diz: "NĆ£o fui eu", ou "NĆ£o foi minha culpa." Ele nega a responsabilidade moral. Com efeito, ele questiona por que ele deveria se preocupar com o bem-estar de outra pessoa alĆ©m dele mesmo. Por que nĆ£o podemos fazer o que queremos e ter o poder de fazĆŖ-lo na RepĆŗblica de PlatĆ£o, Glauco argumenta que a justiƧa Ć© a que Ć© do interesse do partido do mais forte. O Poder a torna correta. Se a vida Ć© uma luta Darwiniana para a sobrevivĆŖncia, porque devemos nos restringir para o bem dos outros, se somos mais poderosos do que os outros? Se na natureza nĆ£o hĆ” moralidade, entĆ£o eu sou responsĆ”vel apenas para comigo mesmo. Essa Ć© a voz de Caim ao longo dos tempos.

Essas duas histĆ³rias nĆ£o sĆ£o apenas histĆ³rias. Elas sĆ£o relat&oac ute;rios, no inĆ­cio da histĆ³ria narrativa da TorĆ” sobre a humanidade, de falhas, a primeira moral e a outra pessoal, de assumirem a responsabilidade - e para isso Ć© que a lideranƧa Ć© a resposta.

HĆ” uma frase fascinante na histĆ³ria dos primeiros anos de MoisĆ©s. Ele cresce, vai para o seu povo, os israelitas, e os vĆŖ trabalhando como escravos. Ele presencia um guarda egĆ­pcio espancando um deles. O texto, entĆ£o, diz: "Ele olhou para um lado e para o outro e nĆ£o viu ninguĆ©m (Ex. 2: 12, vayar ki ein ish, literalmente, viu que nĆ£o havia nenhum homem)".

Ɖ difĆ­cil ler isso literalmente. Um canteiro de obras nĆ£o Ć© um local isolado ou fechado. Deveria ter havido muitas outras pessoas presentes. Apenas dois versos mais tarde descobrimos que havia israelitas que sabiam exatamente o que estava acontecendo. A frase quase certamente signi fica: "Ele olhou para um lado e para o outro e viu que nĆ£o havia mais ninguĆ©m disposto a intervir".

Se isto Ć© assim, entĆ£o temos aqui o primeiro exemplo do que veio a ser conhecido como a SĆ­ndrome Genovese, ou "o efeito espectador", assim chamado depois de um caso em que uma mulher foi atacada em Nova York na presenƧa de um grande nĆŗmero de pessoas que sabiam que ela estava sendo agredida, mas nĆ£o vieram em seu socorro.

Os cientistas sociais tĆŖm realizado muitas experiĆŖncias para tentar determinar o que acontece em situaƧƵes como esta. Alguns argumentam que a presenƧa de outros espectadores afeta a interpretaĆ§Ć£o de um indivĆ­duo do que estĆ” acontecendo. Quando ninguĆ©m tem a iniciativa de ajudar, eles concluem que o que estĆ” acontecendo nĆ£o Ć© uma emergĆŖncia.

Outros, porĆ©m, argumentam que o fator fundamental Ć© a responsabilidade difusa. As pessoas assumem que quando existem muitas pessoas outro vai se apresentar e agir. Essa parece ser a interpretaĆ§Ć£o correta do que aconteceu no caso de MoisĆ©s. NinguĆ©m mais estava preparado para vir para ajudar. Quem neste caso iria fazĆŖ-lo? Os egĆ­pcios eram os feitores dos escravos. Por que eles deveriam correr o risco de salvar um israelita? Os israelitas eram os escravos. Por que eles deveriam socorrer um de seus companheiros, se, ao fazĆŖ-lo, estariam colocando a sua prĆ³pria vida em risco?

Mas MoisĆ©s agiu. Mas isso Ć© o que faz um lĆ­der. Um lĆ­der Ć© aquele que assume a responsabilidade. A lideranƧa nasce quando alguĆ©m se torna ativo e nĆ£o passivo, quando nĆ£o se espera por alguĆ©m para agir, porque talvez nĆ£o haja mais ninguĆ©m, pelo menos nĆ£o neste lugar, nĆ£o n este momento. Quando coisas ruins acontecem, alguns olham para o outro ladoOutros esperam pelos outros para que ajam. Alguns culpam os outros por nĆ£o fazerem nada. Outros simplesmente reclamam. Mas hĆ” alguns que dizem: "Se algo estĆ” errado, deixe-me ser um dos primeiros a fazĆŖ-lo correto". Estes sĆ£o os lĆ­deres. Eles sĆ£o aqueles que fazem a diferenƧa em suas vidas. Eles sĆ£o os Ćŗnicos que fazem o nosso um mundo melhor.

Muitas das grandes religiƵes e civilizaƧƵes sĆ£o baseadas na aceitaĆ§Ć£o. Se hĆ” violĆŖncia, sofrimento, pobreza e dor no mundo, esta Ć© a forma de como o mundo Ć©. Ou, que Ć© a vontade de Deus. Ou, essa Ć© a natureza da prĆ³pria natureza. E que tudo vai ficar bem num mundo vindouro.

JudaĆ­smo era e continua sendo a grande religiĆ£o de protesto do mundo. Os herĆ³is da f&eacute ; nĆ£o aceitaram, eles protestaram. Eles estavam dispostos a confrontar o prĆ³prio D’us. AbraĆ£o disse: "O Juiz de toda a terra nĆ£o farĆ” justiƧa?" (GĆŖnesis 18: 25). MoisĆ©s disse: "Por que fizeste mal a este povo?" (Ex. 5: 22). Jeremias disse: "Por que os Ć­mpiosestĆ£o Ć  vontade?" (Jeremias 12: 1). Ɖ assim que D’us nos quer que respondamos. O judaĆ­smo Ć© o chamado de D’us para a responsabilidade humana. A maior conquista Ć© a de se tornar um parceiro de D’us na obra da criaĆ§Ć£o .

Quando AdĆ£o e Eva pecaram, D’us chamou " Onde estĆ” vocĆŖ? " Como o rabino Shneur Zalman de Liadi, o primeiro Rebe, destacou, esta chamada nĆ£o foi direcionada apenas para os primeiros seres humanos. Ecoa em cada geraĆ§Ć£o. D’us nos deu a liberdade, mas com a liberdade vem a responsabilidade. D’us nos ens ina o que devemos fazer, mas ele nĆ£o faz isso por nĆ³s. Com raras exceƧƵes, Deus nĆ£o intervĆ©m na histĆ³ria. Ele age atravĆ©s de nĆ³s, e nĆ£o para nĆ³s. Sua Ć© a voz que nos diz como Ele disse a Caim antes que ele cometeu seu crime, que podemos resistir ao mal dentro de nĆ³s, assim como ao mal que nos rodeia.

Uma vida responsĆ”vel Ć© a que responde. A palavra hebraica para responsabilidade, achrayut, vem da palavra acher, ou seja, ao "outro“. “Nosso grande Outro Ć© o prĆ³prio D’us, conclamando-nos a usar a liberdade que Ele nos deu, para tornar o mundo mais parecido com o mundo que deveria ser”. A grande questĆ£o para a qual a vida que levamos Ć© a resposta, Ć© qual Ć© a voz que devamos ouvir? A voz do desejo, como no caso de AdĆ£o e Eva? A voz de raiva, como no caso de Caim? Ou a voz de D& rsquo;us conclamando-nos para tornarmos este mundo um mundo mais justo e gracioso?


Bereshit - 28 de setembro 2013/24 Tishrei 5774



Jonathan Sack,O RabinoLord Jonathan Sacks Ć© um lĆ­der religioso global,filĆ³sofo, autor de mais de 25 livrose uma voz moral para o nosso tempo. AtĆ© 01 de setembro de 2013, ele serviu comoRabino Chefe das CongregaƧƵes Hebraicas Unidas da Commonwealth, tendo ocupado o cargo por 22 anos.Para ler mais ou para se inscrever em sua lista de discussƵes e debates,visite www.rabbisacks.org

(TraduĆ§Ć£o Jaime Christof)

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