O antissemitismo disfarçado
Leia abaixo texto do advogado e professor universitário André Myssior publicado pelo jornal O Estado de Minas, em 10 de abril de 2013.
“A crítica ao governo de Israel é uma manifestação antissemita? Não necessariamente. Mas pode ser.
Em 2009, o Exército de Israel invadiu a Faixa de Gaza em resposta aos sucessivos ataques terroristas que o Hamas desferia contra o Sul do país, visando a atingir a população civil israelense. Na ocasião, eu me encontrava em uma festa de casamento e um conhecido (professor universitário) me disse a seguinte frase a propósito de mais esse episódio do conflito entre Israel e os terroristas palestinos (terroristas palestinos, porque é contra eles que Israel luta, não contra todo o povo palestino): “E o genocídio que vocês estão cometendo em Gaza?”, como se perguntasse “E o seu time, que perdeu ontem?”.
É desnecessário comentar o absurdo do uso do termo genocídio, já que, independentemente de ter sido usada ou não força desproporcional por Israel contra os terroristas que visavam a atingir os civis israelenses (quanto mais, melhor) e usavam civis palestinos (preferencialmente crianças) como escudos humanos, falar que essa (ou qualquer outra) ação de Israel foi destinada a exterminar um povo revela ignorância ou má-fé.
O que quero discutir aqui é o “vocês” da frase do meu interlocutor. Bem, eu não sou israelense e meu interlocutor sabia disso; eu sou judeu e o meu interlocutor sabia disso. Logo, se na concepção dele, “vocês” estando fazendo isso ou aquilo, ele estava a dizer “vocês, os judeus”. Na concepção dele – e de diversos outros, é evidente – os judeus, não apenas os israelenses, ou melhor, o governo de Israel, atacaram os terroristas em Gaza.
Obviamente, não rendi assunto. Mas suponhamos que eu o tivesse feito. Diria eu: “Seu comentário foi antissemita, já que você está imputando o que erroneamente considera como crime contra a humanidade aos judeus. Você está responsabilizando os judeus de modo geral e indiscriminado por algo que considera errado”. A resposta, indubitavelmente, seria: “Não! Eu não sou antissemita. Eu critico a ocupação israelense. Eu não tenho nada contra os judeus, até tenho vários amigos judeus”. Pronto.
Sempre, desde a criação do Estado de Israel, em 1948, mas, com maior intensidade desde o início da última intifada (insuflada em 2000 por Yasser Arafat logo após ele ter rejeitado a proposta do então primeiro-ministro Ehud Barak de devolução de Gaza, 99% da Cisjordânia e compartilhamento de Jerusalém, para ser capital do Estado de Israel e do Estado Palestino), é isso que se vê. A crítica (certa ou errada) é iniciada aparentemente contra Israel. Critica-se essa ou aquela ação do governo israelense. Para buscar dar mais respaldo à crítica, cita-se um jornalista, cineasta, escritor israelense que critica o governo (viu? Até os judeus/israelenses concordam comigo!), maliciosamente esquecendo de informar ao leitor que Israel é um país plural e democrático – o único do Oriente Médio, com ou sem Primavera – e, por isso, todas as manifestações contrárias ao governo, todas as opiniões divergentes são muito bem acolhidas, são naturais.
Mas, inevitavelmente, em certo ponto do texto, o autor para de se referir ao governo e começa a se referir aos israelenses e daí, fatalmente virá a expressão: o Estado judeu. O Estado judeu mata os palestinos; o Estado judeu ocupa suas terras; os judeus massacram os palestinos; os judeus espoliam os palestinos; os judeus controlam a mídia; os judeus mataram Cristo. Opa! Essa última é da Idade Média! E a penúltima ainda é atual, mas, de 1933 a 1945, foi bastante explorada num certo país teutônico.
Não estou dizendo que toda crítica que se faz a Israel, a seu governo, a suas ações é antissemita, é dirigida contra os judeus. O que estou dizendo é que a crítica infundada, a crítica unilateral, a crítica que decorre simplesmente de falta de informação e/ou de conhecimento histórico frequentemente, se não esconde um sentimento antissemita, certamente o incentiva no leitor incauto ou de má-fé. Se alguém duvida, bastar olhar a área de comentários em qualquer reportagem publicada na internet sobre qualquer assunto referente ao conflito Israel/palestinos.
Para toda democracia, a crítica não só é bem-vinda, mas absolutamente necessária. Mas é necessário atentar para não se deixar confundir, para que aquilo que aparentemente é apenas uma crítica não seja uma manifestação de ódio e intolerância disfarçada e desculpada com a recorrente evasiva: eu não tenho nada contra os judeus, eu até tenho vários amigos judeus.