Giovanni Palatucci, que era chamado de Schindler italiano
Ele já foi chamado de Schindler italiano, supostamente por ter salvo 5 mil judeus do Holocausto. Giovanni Palatucci, um policial na época da Segunda Guerra (1939-1945), recebeu homenagens em Israel, Nova York, Itália, onde há praças com seu nome, e no Vaticano, onde opapa João Paulo 2º o declarou um mártir, um passo importante no caminho da beatificação.
Mas no Memorial do Holocausto dos EUA, em Washington, o relato de seu heroísmo foi tirado de exibição depois que autoridades encontraram evidências sugerindo que, longe de ser um herói, ele foi um colaborador do nazismo, envolvido com deportações de judeus para Auschwitz.
Uma carta enviada este mês ao diretor do museu pelo Centro Primo Levi de estudos judeus em Nova York diz que um grupo de pesquisa revisou quase 700 documentos e concluiu que, durante seis anos, Palatucci foi um satisfeito cumpridor da legislação racial e, depois de jurar lealdade à República Social de Mussolini , colaborou com os nazistas.
Segundo a carta, os registros italianos e alemães não têm nenhuma evidência de que ele tenha ajudado judeus durante a guerra, e a primeira menção sobre isso só aparece mais tarde, em 1952. Os pesquisadores também encontraram documentos mostrando que Palatucci ajudou a identificar judeus.
Não se sabe exatamente como começaram as narrativas sobre atos heróicos de Palatucci, mas alguns especialistas dizem que elas persistiram por falta de atenção aos fatos que aconteceram na Itália durante o período.
As novas evidências surgiram há poucos anos, quando historiadores ganharam acesso a certos documentos. Inicialmente, o objetivo da pesquisa era entender o papel de Fiume, a cidade em que Palatucci trabalhava, como terreno fértil do fascismo; os documentos que acabaram com a reputação de heroísmo de Palatucci foram um subproduto disso.
Até há pouco tempo acreditava-se que Palatucci teria salvo milhares de judeus entre 1940 e 1944, quando era chefe de polícia em Fiume, uma cidade portuária considerada símbolo do Império Fascista Italiano (atualmente ela se chama Rijeka e é parte da Croácia). Quando os nazistas ocuparam a cidade em 1943, Palatucci teria destruído registros de judeus, evitando que os alemães os enviassem a campos de concentração. Sua própria morte em um campo em Dachau, aos 35 anos, parecia corroborar o fato.
Mas Natalia Indrimi, diretora executiva do Centro Primo Levi e coordenadora da pesquisa, disse que historiadores puderam revisar os registros supostamente destruídos nos arquivos de Rijeka. O que encontraram foi que Fiume tinha apenas 500 judeus em 1943, e a maioria deles – 412 ou cerca de 80% - acabaram em Auschwitz, uma porcentagem maior do que em qualquer outra cidade italiana.
A pesquisa também mostrou que Palatucci não era o chefe de polícia, mas sim o comissário adjunto responsável por aplicar as leis raciais da Itália fascista. Sua deportação para Dachau em 1944 não tem relação com os judeus, mas com acusações de desfalques e traição, por ter passado planos de independência de Fiume para os britânicos.
Segundo Natalia, o “mito” cercando Palatucci parece ter começado em 1952, quando seu primo bispo Giuseppe Maria Palatucci usou a história para persuadir o governo italiano a dar uma pensão aos parentes de Giovanni Palatucci. A narrativa ganhou peso porque parecia melhorar a reputação do papa Pio 12, acusado por judeus de indiferença ante o genocídio.
O memorial do Holocausto de Israel, o Yad Vashem, que em 1990 concedeu a Palatucci o título de “Justo entre as Nações”, uma honraria para pessoas que ajudaram judeus,como Oskar Schindler, informou ter iniciado o processo de exame dos documentos revelados pelos historiadores americanos. O padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, disse que a Igreja está ciente das questões levantadas pelo novo estudo e pediu a um historiador para avaliar o assunto.