Palavras são como ações: o genocídio de Ruanda em 1994, por exemplo,
talvez não tivesse acontecido sem a incitação pela rádio RTLM. O poder
das palavras ditas é foco da mostra "A voz do dono", no oeste da
Alemanha.
Fazer uma promessa. Dizer o nome da pessoa amada. Incitar outros a
cometer um crime. Pronunciar uma confissão. Palavras são como ações:
nada do que dizemos fica sem consequências.
A ideia de apresentar a linguagem como ato performativo, como uma ação,
foi o que orientou Inke Arns na seleção das obras da exposição His Master's Voice – Sobre voz e linguagem, no centro cultural Dortmunder U, instalado numa antiga cervejaria da cidade industrial de Dortmund, no oeste da Alemanha.
"A linguagem não descreve apenas as coisas. Nós também agimos através
dela – por exemplo, nos rituais de matrimônio: 'E assim vos declaro
marido e mulher'. Ou nos batizados de navios: 'Batizo este navio com o
nome de Josef Stalin'", explica a curadora e diretora da associação de
arte multimídia Hartware MedienKunstVerein (HMKV).
A mostra em Dortmund, na região do Vale do Rio Ruhr, reúne cerca de 30
obras de arte contemporânea, de 1972 até hoje. Em sua maioria, trata-se
de performances e videoinstalações. E todas elas provam que as palavras
são tudo, menos efêmeras.
Palavras mudam o mundo
Grande parte das obras expostas no Dortmunder U são audiovisuais
As perguntas de John e as breves, histéricas respostas de Kovic
são projetadas em duas telas de vídeo, na velocidade da fala. Assim,
logo se tem a impressão de escutar os dois, embora apenas batidas techno
e bipes eletrônicos marquem o ritmo das frases mostradas na tela.
"Não podemos mudar o nosso passado. Só podemos controlar o nosso destino
a partir deste ponto", diz o policial, pressionando a mulher suspeita.
Mas ela sabe que tudo o que disser pode ser usado contra ela. E quando
ela formula os acontecimentos em palavras, eles ganham uma realidade
toda própria.
Hate Radio
"A língua é uma arma. Mantenham-na afiada." Assim o autor berlinense
Kurt Tucholsky é citado na mostra. A declaração adquire um efeito quase
imprudente quando, em seguida, o visitante depara com o palco da
performance Hate Radio, no centro da sala de exposições.
O genocídio em Ruanda, em 1994, possivelmente não teria acontecido sem
as palavras da popular rádio RTLM, que intencionalmente exacerbou o ódio
da etnia hutu contra os tutsi.
O diretor e autor suíço Milo Rau criou uma performance teatral na qual
atores repetem os discursos de ódio difundidos na época em que cerca de
800 mil tutsi foram mortos por hutus em apenas cem dias. O cenário é uma
reprodução do estúdio da RTLM, exata e nos mínimos detalhes – inclui
até as garrafas vazias de Coca-Cola.
Quando a fala perde o sentido
"Three virgins", instalação do kosovar Jakup Ferri
Por outro lado, as palavras repetidas excessivamente podem
perder o sentido e também o poder, como na performance do artista
kosovar Jakup Ferri. Ele escuta a canção Two virgins, uma
interpretação em que o ex-Beatle John Lennon, morto em 1980, e a esposa
Yoko Ono se chamam mutuamente pelo nome, sem cessar.
Esquecidos do mundo, dissolvidos um no outro, toda a ensandecida paixão
desse casal está contida nessa gravação, como se para um não houvesse
nenhum pensamento senão o nome do outro. Algo irritante para qualquer um
dos outros três Beatles.
Ferri se transforma num quinto Beatle, interrompendo os "Yokos" de John e
os "Johns" de Yoko com o seu próprio nome, que ele emite por vezes
entediado, por vezes de forma violenta, como uma criança repetindo
incessantemente uma palavra até ela perder todo e qualquer sentido e se
reduzir a um som engraçado. Depois de algum tempo, "John", "Yoko" e
"Jakup" perdem o significado. E, com isso, uma parte de seu poder.
Quem fala, quando falamos?
"Sete a dez milhões": quem fala, o sujeito ou a voz da publicidade?
Pois quando uma língua se torna autônoma, isso resulta num
conflito ético, prossegue a curadora. "Quem deve assumir a
responsabilidade pelo poder desenvolvido por aquilo que foi dito?"
Como uma metralhadora, um rapaz dispara um monólogo sobre um problema mais ou menos banal, na videoinstalação Sieben bis zehn Millionen (Sete a dez milhões). Ao que tudo indica, o assunto é a compra de um aparelho elétrico.
Arns confessa que sempre fica "absolutamente horrorizada" diante dessa
instalação. "A pessoa se pergunta: o que é que está falando através
desse rapaz? Ele não passa de um recipiente através do qual as mensagens
da publicidade falam."
Palavras proibidas
Se a fala é poder, então o mutismo torna impotente. Em 1985, o governo
turco proibiu 205 palavras, entre as quais "lembrança", "movimento",
"sonho" e "teoria". A artista Aslı Çavuşoğlu utilizou 191 dessas
palavras na letra de uma canção de rap. Na exposição pode-se ver – e
escutar – um dos 100 discos prensados com essa música.
His Master's Voice – Sobre voz e linguagem fica até 7 de julho de 2013 no Dortmunder U. Uma série de performances ao vivo complementa a mostra.