Segundo pesquisadores, a época de ouro da borracha, na metade do século 19 e início do 20, revelou-se o cenário ideal para a chegada dos judeus na região amazônica, especialmente os marroquinos que viviam em situação de pobreza e que viam na América o Eldorado, e assim fincaram raízes no norte do Brasil.
Por conta disso, a Amazônia tem fortes representantes judeus que cumprem bem o papel de seguir os preceitos religiosos e culturais do judaísmo e os repassam para as novas gerações que, por sua vez, procuram seguir os ensinamentos à risca.O jovem estudante de engenharia Bruno Marcos Gabbay Belicha, de 21 anos, é um desses representantes da nova geração que está totalmente envolvido com o judaísmo.
Os antepassados de Bruno, assim como outros judeus, moravam no Marrocos e vieram para o Brasil por causa da perseguição que sofriam e por isso buscavam um novo horizonte para trabalhar. 'Muitos se instalaram nos interiores do Pará, como Cametá, Santarém, Óbidos, e aos poucos foram se mudando para Belém.
O que nunca mudou foi a fé deles, pois, mesmo em lugares tão distantes de onde nasceram, nunca deixaram de manter suas tradições judaicas, motivo pelo qual até hoje as praticamos', avalia o estudante.
Desde criança, Bruno integra o grupo infanto-juvenil denominado Kadima Bnei Akiva que funciona nos fundos da sede da Sinagoga Shaar Hashamaim, em Belém.
Há atividades todos os sábados, com jogos educativos e palestras sobre temas religiosos. 'Lá, nós procuramos estudar a religião judaica com uma temática atual e sempre relacionar com a importância do Estado de Israel para os judeus. Além disso, esses encontros têm como ponto muito importante a união dos jovens judeus, pois, para muitos, é o único dia da semana que eles podem estar com pessoas da mesma religião', explica. O grupo também realiza no mês de julho o Machané, um acampamento que dura uma semana, quando os jovens convivem num clima que une religião e lazer.
Na opinião de Bruno, o judaísmo tem grande importância no contexto político, religioso e cultural do mundo. 'O judaísmo prega o amor ao próximo, o respeito ao semelhante, aos pais. Se todos fizessem isso, hoje não teríamos um mundo com tantos problemas, discriminação e guerra', analisa. O estudante diz que segue à risca o preceito judeu de guardar o Shabat (sábado), como dia do descanso.
'Como tá escrito na Torá (Velho testamento), em seis dias Deus criou o mundo e no sétimo ele descansou. Esse descanso, além de físico, é principalmente um descanso espiritual, onde eu procuro sempre ir rezar na sinagoga'.
Outro hábito que Bruno não abre mão é quanto à alimentação, pois a Torá diz que não se pode comer animais considerados impuros, como o porco, mariscos e outros.
'A carne de boi e galinha que nós comemos tem toda uma forma especial de matar e preparar, que deve ser feito por um rabino. O nome desse tipo de alimento se chama Kasher, ou seja, eu só como carne Kasher', conta Bruno. Alguns mandamentos da Torá também são seguidos pelo estudante Rafael Unger de 21 anos, outro integrante do Kadima Bnei Akiva. 'Existe um preceito no judaísmo que é muito interessante, que é o de estudar e ensinar a Torá. É um dos mais importantes, pois, é a única forma de manter as tradições e garantir que elas serão seguidas por gerações. É dessa forma que ela já vem sendo mantida a mais de cinco mil anos', destaca.
Rafael conta que seu bisavô paterno, Pedro Unger, deixou a Polônia para escapar das atrocidades da Segunda Guerra Mundial que exterminou milhões de judeus. Foi para Rio de Janeiro e, e em uma de suas viagens de negócios, abriu uma loja de tecidos aqui em Belém. 'Meu avô, Fábio Unger , veio pra cá para cuidar da loja, conheceu minha avó Esther Unger e ficou por aqui', conta, Rafael. A família Assayag, da mãe do estudante, veio do Marrocos em busca de oportunidades na Amazônia e se instalaram em Parintins. O avô Jayme Assayag nasceu em Manaus, conheceu a futura esposa Sarah Assayag no Rio e depois vieram para Belém a trabalho.
Rafael acredita que os judeus têm muito o que ensinar para a humanidade, respaldados numa história de superação e de grandes lições. Ele só lamenta que os ideais judaicos não tenham sido compreendidos, redundando em perseguição e intolerância. 'Dia 1º de maio é o dia em que ocorreu o levante no gueto de Varsóvia e a lembrança do holocausto. A mensagem principal que os judeus passam para o mundo nesse momento é tolerância, coexistência e paz', ressalta. Para Rafael, o diferencial da cultura judaica é a valorização da família que está sempre junta celebrando as festividades.
'Hoje, infelizmente, há jovens que não têm ideologias, estão perdidos, sem valores e família. Mas, o ambiente familiar é importantíssimo para o crescimento deles como pessoas'.
O estudante namora uma moça judia e israelense e acredita ser importante que o casamento seja entre pessoas de mesma religião. 'Pretendo me casar com uma pessoa judia, que pode entender melhor minhas ideologias e decisões e seguir os passos de meus antepassados, construindo um lar judaico e passar para meus filhos todas as coisas boas que nossa religião tem a nos oferecer', defende.
A estudante Tally Serruya, de 14 anos, pensa do mesmo jeito. A preferência é casar com um homem judeu no futuro, até porque, ela percebe que o judaísmo causa estranhamento em outras pessoas. 'Algumas acham que não somos brasileiros. Confundem religião com nacionalidade, ou acham de outro mundo alguns costumes como jejuar no Iom Kipur (Dia do Perdão)'.
Tally também descende de judeus marroquinos que vieram para Belém, atraídos pela riqueza que jorrava dos seringais. 'Meu bisavô Moisés Barcessat chegou com 14 anos em Belém e depois se estabeleceu no Arquipélago do Marajó, em Breves e Afuá.
Meu avô Messod Levy Barcessat era engenheiro civil e sanitarista da Fundação SESP e fez o abastecimento de água de grande parte dos interiores do Pará. Participou da construção da sinagoga e lá conheceu minha avó Miriam Larrat Barcessat,filha de Pepe Larrat. Deste casamento,nasceram 6 filhos, dentre eles minha mãe Lise Barcessat Serruya, que casou com meu pai José Isaac Serruya, que assim como meu avô Isaac Jaime Serruya, seguiu a tradição do comércio', relata a jovem.
Tally diz que o judaísmo, como qualquer outra religião, prega ensinamentos que só fazem bem ao homem e à alma, como ajudar ao próximo, e ao não tão próximo assim. Se todos seguissem os princípios das religiões, qualquer que seja ela, com certeza o mundo estaria bem melhor, assegura. A estudante procura seguir os principais mandamentos do judaísmo, como cumprir o Shabat, e também participa do Grupo Kadima, onde aprende cada vez mais sobre a religião. 'A religião aproxima a família. Estamos juntos em almoços e jantares comemorativos. Para os judeus, praticamente, tudo começa e termina na mesa!', avalia.
A estudante de Direito, Helena Júlia Barcessat Pinto, de 21 anos, prima de Tally, conta que desde criança os pais, Nelson e Iana Pinto, lhe repassam ensinamentos sobre a religião judaica, histórias do povo, tradições, dialeto, os mandamentos da Torá, bem como a celebração do Shabat.
'Também seguimos todas as Páscoas, os chamados Chaguim, que são festas e cerimônias religiosas referentes à história milenares do povo e que até hoje são passadas de geração para geração', destaca. A família de Helena também veio de Marrocos com o sonho de fazer fortuna na Amazônia, deixando pra trás as dificuldades financeiras. 'Aqui nasceram meus bisavós maternos e paternos que deram continuidade à família. Hoje esses ensinamentos são repassados ao meu irmão de quatro anos, Jacob Jayme Pinto', ressalta.
Para Helena, a ética e o respeito são os preceitos mais significativos do judaísmo, pois determinam a forma correta de se relacionar com os outros. 'Se você não tem ética nos seus atos, sejam eles religiosos ou não, e não respeita o próximo e suas diferenças, você não tem como agir de forma digna e conviver bem em uma sociedade', define. A estudante diz que também se alimenta de acordo com a cultura judaica, ou seja, põe no prato somente a carne Kasher, que identifica o que é ritualmente correto comer, como é o caso de alguns peixes, bovinos e aves.
Cumpre também o Yom Kipur, quando o judeu é julgado por todos os atos praticados durante o ano. 'Deixamos de fazer tudo que é normalmente praticado no dia-a-dia, como mexer em eletricidade, andar de carro, entre outras coisas. Jejuamos durante 24 horas, pois é um dia dedicado totalmente a nossa alma, nos elevando de forma a sermos comparados ao grau espiritual dos anjos', explica.
Helena tem vários amigos de outras religiões e diz que não há qualquer tipo de conflito com eles, muito ao contrário.
'Eles até se preocupam quando me convidam para festas, ou quando estou na casa deles, em sempre me servir de algo que não fira os costumes judaicos. Demonstram interesse em saber detalhes sobre nossos hábitos', reconhece.
Retirado do O Liberal (www.orm.com.br/oliberal/interna/default.asp?modulo=439)