Antes das eleições israelenses

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Os três enigmas
Uri Avnery*


Uri Avnery, 10/11/2012
Daqui a alguns séculos, se um professor pedir uma pesquisa sobre as eleições israelenses de 2013, seus alunos serão unânimes: os resultados de nossa pesquisa são inacreditáveis.                                                                                                                                             
Defrontados com pelo menos três graves perigos, relatarão eles, os partidos e os eleitores israelenses simplesmente os ignoraram. Como se unidos em uma conspiração, tacitamente concordaram em não falar sobre esses perigos. Em vez disso, eles discutiam e brigavam sobre temas totalmente  irrelevantes.
Um destaque é o fato de as eleições terem sido antecipadas – não estavam previstas para antes de novembro de 2013 – por causa da declarada incapacidade do primeiro-ministro de obter a  aprovação da Knesset para o orçamento anual do Estado.
O orçamento  foi elaborado com base no déficit enorme que o Estado desenvolveu, tornando inevitável a adoção de medidas extremas. Impostos tiveram que ser aumentados drasticamente e serviços sociais precisaram ser cortados ainda mais do que durante os últimos quatro anos do comando de Biniamin Netaniahu.
(Isso, diga-se de passagem, não impediu Netaniahu de fazer discursos eleitorais falando da excelente condição da economia  israelense, muito superior à das economias dos principais países ocidentais.)
Uma comparação: as recentes eleições nos Estados Unidos também foram realizadas à sombra de uma grave crise fiscal.  Os antagonistas apresentaram duas concepções básicas para uma solução, e o debate principal foi sobre o déficit, impostos e serviços sociais. Prosseguiu mesmo após as eleições, e uma espécie de compromisso foi alcançado a tempo de abortar a bancarrota nacional.
Nada disso ocorreu em Israel. Não houve qualquer debate.
Verdade seja dita, o Partido Trabalhista, para o qual se esperam 15% dos votos, de fato divulgou um plano econômico grandioso para os próximos anos, elaborado por um grupo  de professores universitários. No entanto, o plano era um tanto irrelevante para o problema crucial a ser enfrentado pelo Estado no dia seguinte às eleições: como interromper o rombo de dezenas de bilhões de shequels no orçamento de 2013.
O Likud não disse sequer uma palavra sobre o orçamento que pretendia apresentar à Knesset. Nem o Partido Trabalhista, e nenhum dos outros doze ‒ ou quantos forem os partidos na disputa.
Quando introduzimos as nossas cédulas nas urnas, estamos votando em quê? Em impostos mais altos, certamente. Mas impostos para quem? Os ricos pagarão mais, ou será a heroica “classe média” que irá pagar mais? O que será cortado ‒ o auxílio aos portadores de deficiências, aos doentes, aos idosos, aos desempregados? Israel vai perder a sua classificação favorável para obter crédito internacional? Iremos escorregar para  uma severa recessão?
É óbvio o motivo por que nenhum partido deseja entrar em detalhes: qualquer proposta séria causaria uma perda de votos. Mas nós, o povo, por que permitimos que eles saiam dessa impunemente? Por que não exigimos respostas? Por que aceitamos generalidades tolas, que ninguém leva a sério?
Enigma nº 1.
Israel se defronta com uma séria crise constitucional, se é que se pode aplicar este termo a um Estado que não tem Constituição.
A UDOM (“Única Democracia no Oriente Médio”) é ameaçada de dentro.
O perigo mais imediato é o enfrentado pela Suprema Corte, o mais forte bastião remanescente do que foi uma florescente democracia.  A Corte tenta, um tanto timidamente, resistir às mais egrégias ações e projetos de lei  da maioria de direita na Knesset. Solicitações encaminhadas à Corte no sentido de  anular leis antidemocráticas são adiadas por anos. (Inclui-se aí a minha própria para anular a lei que impõe severas punições a qualquer um que advogue um boicote aos produtos procedentes dos assentamentos. O caso – “Avneri versus o Estado de Israel” ‒ é adiado uma vez atrás da outra.)
Mas mesmo essa tímida ‒ alguns diriam covarde ‒ atuação da Suprema Corte provoca a fúria dos direitistas. Naftali Bennett, o líder do partido que mais rapidamente sobe nestas eleições (de 6% para 12% em poucas semanas), promete encher a Corte com os seus favoritos.
Os juízes israelenses são nomeados por uma comissão de juízes. Bennett e seus aliados no Likud querem mudar as regras, de modo que os juízes venham a ser escolhidos por políticos de direita. Seu objetivo declarado: pôr um fim ao “ativismo judicial”, retirar da Suprema Corte o poder de anular leis antidemocráticas e bloquear decisões administrativas, como as que dizem respeito à construção de assentamentos em terras privadas palestinas.
A mídia israelense já está, em larga escala, neutralizada, num processo de dar calafrios, não diferente do que os alemães costumavam chamar gleichschaltung.
Os três canais de tevê estão mais ou menos falidos e dependentes de press releases do governo, que praticamente nomeia os editores. A mídia impressa também está num balança-mas-não-cai, à beira da bancarrota, exceto o maior jornal de “notícias”, que pertence a Sheldon Adelson e funciona como peça de propaganda para Netaniahu, distribuído gratuitamente. Bennett repete a afirmação ridícula de que quase todos os jornalistas são de esquerda (querendo dizer traidores). E promete pôr um fim a essa situação intolerável.
As afirmações de Bennett são apenas ligeiramente mais radicais do que as do Likud e dos partidos religiosos.
No encontro anual dos chefes das missões diplomáticas de Israel no mundo, um diplomata veteraníssimo perguntou por que o governo anunciara a construção de um imenso novo assentamento em Jerusalém Oriental, decisão denunciada pelo mundo afora. A pergunta foi recebida com estrepitosos aplausos pelos diplomatas. O porta-voz de Netaniahu, até recentemente o mais antigo oficial ortodoxo do Exército, sugeriu laconicamente aos diplomatas que se demitissem caso a política governamental os estivesse incomodando.
Algumas semanas atrás, o comando geral na Margem Ocidental, ocupada, decidiu elevar o status de uma instituição de ensino no assentamento de Ariel ao nível de universidade. Talvez seja a única universidade no mundo a receber o seu alvará de um general do Exército.
Não há, é claro, o menor sinal de democracia ou direitos humanos nos territórios ocupados. O Likud ameaça cortar os aportes internacionais a todas as organizações não governamentais que tentam monitorar o que acontece por lá.
Estará este processo de desdemocratização  provocando um furioso debate nestas eleições? De jeito nenhum, só alguns fracos protestos. O assunto não dá votos.
Este é o enigma nº 2.
Mas o enigma que mais intriga e que tem a ver com a ameaça mais perigosa ‒ a questão da paz e da guerra ‒ desapareceu quase completamente da campanha eleitoral.
Tsipi Livni adotou as negociações com os palestinos como uma espécie de macete eleitoral ‒ sem emoções, evitando a palavra “paz” tanto quanto possível. Todos os demais partidos, com exceção dos pequenos Meretz e Hadash, absolutamente não a mencionam.
Nos próximos quatro anos, a anexação oficial da Margem Ocidental a Israel poderá tornar-se um fato. Os palestinos poderão ser confinados a pequenos enclaves, a Margem Ocidental poderá estar repleta de muitos novos assentamentos, uma violenta intifada poderá eclodir, Israel poderá ficar isolado no mundo, e até o crucial apoio americano poderá enfraquecer.
Se o governo prosseguir no rumo atual, o desastre será certo ‒ o país inteiro entre o Mediterrâneo e o Jordão se tornará uma unidade sob o governo israelense. Essa Grande Israel conterá uma maioria árabe e uma encolhida minoria judaica, que a tornará inevitavelmente um Estado apartheid, flagelado por uma permanente guerra civil e isolado do resto do mundo.
Se a pressão de fora e de dentro eventualmente compelir o governo a conceder direitos civis à maioria árabe, o país se tornará um Estado árabe. Cento e trinta e quatro anos de esforço sionista darão em nada, uma repetição do reino dos cruzados.
É tudo tão óbvio, tão inevitável, que é preciso ter uma vontade de ferro para não pensar nisto. Parece que todos os partidos importantes nestas eleições têm esta vontade. Falar de paz, acreditam eles, é veneno. Devolver a Margem Ocidental e Jerusalém Oriental em troca de paz? Deus os livre de sequer pensar nisso.
O esquisito é que esta semana duas respeitadas pesquisas de opinião, independentes uma da outra, chegaram à mesma conclusão: a grande maioria dos eleitores israelenses é favorável à “solução de dois estados”, à criação de um Estado palestino ao longo da fronteira de 1967 e à partilha de Jerusalém. Essa maioria inclui a maioria dos eleitores do Likud, e inclusive cerca de metade dos simpatizantes de Bennett.
Como pode?  A explicação está na pergunta: Quantos eleitores acreditam que essa solução seja possível? Resposta: Quase ninguém.  Durante dezenas de anos, os israelenses têm sofrido uma lavagem cerebral  destinada a fazê-los crer que “os árabes” não querem paz. Quando dizem que querem, estão mentindo.
Se a paz é impossível, por que pensar nela? Por que sequer mencioná-la na campanha eleitoral? Por que não voltar 44 anos, aos dias de Golda Meir, e fingir que os palestinos não existem? (“Não existe algo como um povo palestino... Não é que havia um  povo palestino e nós viemos e os expulsamos e nos apossamos do país deles.  Eles não existiam.” – Golda Meir, 3 de junho de 1969)
Portanto aí está o enigma nº 3.
Os estudantes, dentro de alguns séculos, bem poderão chegar à conclusão de que “aqueles israelenses eram realmente estranhos, especialmente considerando o que aconteceu nos anos seguintes. Não encontramos uma explicação razoável”.
O professor sacudirá a cabeça tristemente.

* Coluna do autor no site www.gush-shalom.org
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