Extraído de Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco
Joseph Eskenazi Pernidji
Advogado atuante na área do direito internacional; dedica-se especificamente ao estudo da história dos judeus e cristãos-novos da Península Ibérica; autor dos livros “Das Fogueiras da Inquisição às Terras do Brasil – A viagem de 500 anos de uma família judia”, “Homens e Mulheres na Guerra do Paraguai” e “Girassóis de Van Gogh”
Em 1654, vinte e três judeus de origem hispano-portuguesa, arribavam no pequeno entreposto holandês de New Amsterdam. Eram judeus fugidos do Recife, Pernambuco, após a expulsão dos holandeses da região. Já tinham sofrido os horrores do cerco de Recife pelas tropas hispano-portuguesas tão dolorosamente descritos pelo Rabino Isaac Aboab da Fonseca, num poema em hebraico, que se tornou, historicamente, a primeira peça escrita na língua sagrada em terras da América.
Era natural que tivessem escolhido o entreposto holandês dado o fato de que eram todos originários da grande coletividade judaico-portuguesa de Amsterdã. Não foram bem recebidos pelo governador holandês Peter Stuyvesant, que desejava repatriá-los. Entretanto, graças ao peso econômico e político da comunidade de Amsterdã e a sua influência junto à Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, foi obrigado o governador a aceitá-los e dar-lhes guarida.
Passando, mais tarde, o domínio da região para os ingleses, New Amsterdam transformou-se em Nova York. Assim, fincou-se um marco na história da chegada dos primeiros judeus à América do Norte, representado por esse pequeno grupo de vinte e três pessoas que, apesar de tempestades, captura por piratas e depois de mil peripécias, conseguiu chegar à ilha de Manhattan. São eles os Costa, os Benjamim, os Cardozo, os Córdoba, os Gomes, os Henriques, os Levy, os Mendonça, os Nathan, os Pinto, tendo como líder o Rabino Seixas. Não tardaram em fundar a Congregação Shearith Israel que, após diversas mudanças através do tempo, existe até hoje, nobre e bela, na Rua 70 com Central Park West, em Nova York. Conservaram, sempre, ciosamente, o rito português nas suas orações e uma rigorosa linha ortodoxa.
Por volta de 1875, encontramos como um dos membros da Congregação Shearith Israel, Emma Lazarus. Emma Lazarus era filha de Moses e Esther (Nathan) Lazarus. A família Nathan sempre fez questão de declarar que podiam traçar diretamente os seus ascendentes até o grupo dos vinte e três refugiados judeus de Pernambuco que aportaram na então New Amsterdam. Ainda que de descendência sefaradi, e ostensivamente ortodoxa, a família não participava ativamente da vida comunitária judaica em torno da sinagoga.
Emma Lazarus nasceu em Nova York em 22 de julho de 1849, tendo morrido na mesma cidade em 19 de novembro de 1887. Desde jovem, educada por tutores particulares, demonstrou seu talento para as belas letras. Revelou-se como uma poeta de extrema sensibilidade e, sem dúvida alguma, faz parte da galeria dos grandes poetas americanos. Dedicou poemas a Ralph Waldo Emerson, a quem chamava de amigo.
Os infortúnios, as perseguições, os pogroms que atingiram os judeus na Rússia, despertaram em Emma uma profunda emoção e levou-a a sugerir e, em parte executar, planos de beneficência para aqueles que, miseráveis, famintos, doentes e em trapos, chegavam às costas americanas.
Despertada para o judaísmo e os destinos do seu povo, dedicou-se seriamente ao estudo da Bíblia e da língua hebraica. Produziu, então, vários trabalhos, como The Banner of the Jew , The Choice , The New Ezequiel . No ano de sua morte, escreveu o emocionado poema Pelas Águas da Babilônia: Pequenos Poemas em Prosa . Nesse poema Emma faz brilhar o fogo solene da literatura profética do judaísmo, e é o seu maior grito de afirmação da história do seu povo agora ligado à América. Foi também uma notável tradutora de Heine e suas versões dos poemas do grande poeta judeu alemão para o inglês são consideradas as melhores escritas até hoje.
Emma Lazarus foi uma grande lutadora pelos direitos do homem e escreveu diversos artigos para as mais importantes revistas americanas. É de se destacar “Uma Epístola aos Hebreus” ( The American Hebrew ), artigo no qual considera urgente uma educação técnica e judaica para os judeus e coloca-se entre aqueles que advogavam uma nacionalidade judaica independente e a emigração dos judeus para a Palestina.
Emma Lazarus era prima-irmã de Benjamim Nathan Cardozo, também descendente do famoso grupo dos vinte e três, e que atingiu o mais alto grau no mundo jurídico norte-americano ao se tornar membro da Corte Suprema dos Estados Unidos. Benjamim Cardozo, de mente aberta e espírito liberal, foi um dos grandes pilares da formação da jurisprudência americana em inúmeros casos de importância nacional. As suas decisões até hoje são consultadas pelos estudiosos, que se admiram da sua erudição e da sua compreensão da alma humana, dos direitos de cidadania e do papel do Estado.
Em dado momento a Congregação Shearith Israel entrou em crise a respeito da orientação religiosa a seguir. Uma parte da comunidade, favorável ao reformismo judaico, exigia uma mudança de rumo. Foi então que Benjamim Cardozo, ardorosamente, com emoção e calor, defendeu a permanência da Congregação dentro dos princípios ortodoxos: “Ficaremos e seguiremos nos caminhos que nossos pais nos ensinaram.”
Coube a Emma Lazarus a honra póstuma de ter o seu poema escolhido para ser corporificado na base da Estátua da Liberdade no ano de 1901. Com os olhos voltados para as multidões de refugiados e miseráveis que aportavam às terras da América, havia escrito:
O Novo Colosso
Não como o gigante dourado de grega fama,
Com as pernas abertas e conquistadoras para abranger a terra
Aqui nos nossos portões banhados pelo mar e dourados pelo sol, se erguerá
Uma poderosa mulher com uma tocha, cuja chama
É o relâmpago aprisionado e seu nome
Mãe dos exilados. Do farol de sua mão
Brilha um abraço universal de boas vindas; Seus olhos suaves
Comandam o porto unido por pontes que enquadram cidades gêmeas.
“Mantenham antigas terras sua pompa histórica!” grita ela
Com lábios silenciosos “Dai-me seus fatigados, seus pobres,
Suas massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade
O miserável refugo das suas costas apinhadas.
Mandai-me os sem lar, os arremessados pelas tempestades,
Pois eu ergo o meu farol junto ao portão dourado.”
(Tradução do articulista)
E eis que quiseram o destino e o desígnio do Eterno que uma judia sefaradi, de descendência portuguesa, às margens do rio Hudson, escrevesse o poema cantando a liberdade que já havia soado séculos atrás para ascendentes seus que saíram das margens do Capiberibe, no Recife. Que este elo entre o Recife pernambucano e brasileiro e a tocha da liberdade de Nova York, da liberdade sonhada por Emma Lazarus, se consubstancie na tolerância pelo diferente e no entendimento entre os homens de boa vontade.