Uma
Suprema Corte onde qualquer cidadão pode fazer um pedido, inclusive escrito à
mão, sem necessidade de um advogado, contestando uma lei criada pelo governo. Assim
funciona a Suprema Corte de Israel, que julga por ano cerca de 10 mil
processos. Em palestra realizada na Universidade Zumbi dos Palmares, o ministro
da Suprema Corte de Israel, Salim Joubran, falou sobre o funcionamento do
Judiciário em seu país e a busca pela igualdade.
“O papel da Suprema Corte é
indispensável e importante para manter a igualdade do cidadão e os direitos
humanos”, afirmou, comparando Israel ao Brasil em relação à diversidade de
etnias e religiões. Segundo Joubran, como não há uma igualdade política
completa entre judeus e árabes em Israel, o papel da Suprema Corte, onde a lei
é igual para todos, sem interferência de religião, se torna ainda mais crucial.
“Há muitas petições que são feitas por árabes contra o governo e, em muitos casos,
há decisões que obrigam o governo a fazer algo pela igualdade. A Justiça não
diferencia etnias”, disse.
Pelas leis israelenses, o Poder Judiciário não pode tratar de assuntos
políticos, nem seus membros conceder entrevistas. A única forma de interferir é
por meio de julgamento de petições de cidadãos que se sentiram ofendidos por
alguma lei. Qualquer cidadão pode fazer uma petição. Para isso, basta
escrevê-la, mesmo que de próprio punho, e registrá-la junto à Suprema Corte,
mediante pagamento de uma taxa. É possível ainda que o cidadão seja liberado da
taxa caso comprove que não possui renda suficiente.
O tribunal é obrigado a
analisar todos os processos aprovados. Joubran falou ainda sobre os julgamentos
criminais. Ele explicou que em Israel é possível novo julgamento de um acusado
após dois anos da primeira decisão. Caso o condenado tenha novas informações e
provas, pode ir ao Supremo e solicitar um novo julgamento. Ao tratar do
problema da corrupção, o ministro disse que em Israel o sistema judiciário também
combate a prática. “Para nós, qualquer um é igual diante da lei, inclusive os
políticos. Tivemos casos de corrupção no passado, mas foram combatidos. O
combate à corrupção é positivo”, concluiu.
Em relação às decisões da Suprema Corte, Joubran explicou que exemplos de
outros tribunais do mundo são utilizados para fortificar os acórdãos. “Gosto
muito de aprender com outros países que tomaram decisões em casos parecidos”,
disse. Em Israel não há uma Constituição formal.
Há 14 leis básicas que tratam do
funcionamento do país e dos direitos civis. Mesmo não sendo uma Constituição
formal, essas leis são a base para os julgamentos. No entanto, uma Constituição
deve ser feita em breve. Segundo o ministro, deverão ser criadas mais duas
leis, uma sobre direitos humanos e outra sobre direitos sociais, e então todas
serão unificadas em uma Constituição.
A criação de leis é um direito exclusivo
do Parlamento. “Respeitamos a divisão dos Poderes. Governo e Suprema Corte
podem trabalhar de maneira independente”, explicou Joubran. Caso uma lei seja
aprovada e algum cidadão se sinta ofendido, pode contestar nos tribunais. Se
for comprovada que a lei fere os direitos do cidadão previstos nas leis
básicas, a lei pode ser considerada inválida. É possível cancelar a lei inteira
ou parte dela.
Segundo Joubran, até hoje houve apenas nove casos de declaração
de ilegalidade. Um deles foi da lei que privatizava as prisões, feita há cinco
anos. Após alegar que essa medida ofendia os direitos humanos, ficou decidido
que o governo poderia privatizar atividades nas prisões, como serviços de
lavanderia e limpeza, mas que o controle da prisão deveria ser feito pelo
governo e não por uma companhia particular.
Para evitar constrangimentos e
garantir a autonomia dos poderes, Joubran explica que um sistema informal é
utilizado entre o Parlamento e a Suprema Corte. “Ao verificarmos que uma lei é
inválida, é feita uma conversa com o Parlamento antes do anúncio oficial do
cancelamento da lei. Nós contamos quais sãos os pontos inválidos e pedimos para
que o Parlamento tome providências. Caso não haja alteração, aí sim a Suprema
Corte declara o cancelamento da lei”, explicou o ministro.
De acordo com Joubran, em Israel os juízes são indicados sem influência da
política. Ele contou haver uma comissão formada por nove pessoas, entre
advogados e membros do tribunal, que votam a nomeação dos juízes. Para seguir a
carreira de magistrado em Israel, é necessário apenas que o cidadão tenha o
curso de Direito. “É possível termos ministros na Suprema Corte que nunca
advogaram, como professores de direitos, por exemplo”, contou. Os advogados
registrados também podem atuar no Judiciário.
O ministro explicou que cada juiz
possui dois estagiários de lei, que são formados em Direito, e dois advogados
registrados para assistência legal. Questões não relacionadas aos direitos
humanos do cidadão, como crimes, casamentos e casos militares, não são julgados
pela Suprema Corte. Para esses casos, há tribunais específicos. Cabe à corte
julgar apenas possíveis apelações dos tribunais de instância inferior. A
religião é uma questão peculiar. “Cada religião pode ter seu próprio tribunal
para assuntos relativos à religião, como casamentos e divórcios.
Atualmente,
são cerca de 35 tribunais judaicos, 11 muçulmanos e 10 cristãos”, explicou. O
ministro afirmou que o tribunal secular não pode interferir nas decisões dos
tribunais religiosos. “A Suprema Corte só tem autoridade para interferir caso o
tribunal religioso decida sobre casos que não são de sua alçada ou tome decisão
contrária às regras da justiça humana”.
Os militares que cometem crimes e
infrações durante o serviço militar são julgados pelos tribunais militares. Os
acusados são julgados de acordo com a lei militar, um sistema independente do
civil. Porém, essas decisões também podem ser contestadas na Suprema Corte.
Também há os tribunais especiais para jovens.
Para Joubran, esse é um sistema
delicado, para o qual os juízes são preparados especialmente. O tribunal possui
oficiais e assistentes sociais que acompanham os acusados. Para jovens, é raro
haver uma prisão. Normalmente são definidas penas especiais com o objetivo de
trazer o infrator de volta ao convívio social. “Eles ficam fechados em um
abrigo especial, mas não são prisões. Lá eles aprendem uma profissão que os permita
serem reinseridos na sociedade.”
Publicado
por Tadeu Rover na "Revista Consultor Jurídico"