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A expulsão dos judeus de Castela e o reforço das comunidades criptojudaicas em Trás-os-montes

Vista história de Vinhais

Assinalou-se no passado dia 31 de Março 520.º Aniversário do acontecimento a que nos reportaremos em primeiro lugar. Por provisão assinada em Alhambra, a 31 de Março de 1492 os reis católicos, Isabel e Fernando, determinaram a expulsão dos judeus do reino de Castela. A determinação, conhecida como o “decreto de Alhambra” estabeleceu na realidade, segundo Joaquim Veríssimo Serrão (Historia de Portugal, Verbo, Vol. II pp.261-262), que nessa data “os judeus que não quisesses converter-se teriam de sair daquele reino até o fim de Julho, levando os seus bens com excepção de ouro, pratas e moedas. 
Supõe o mesmo historiador que apartir de então “cerca de 30 000 famílias, num total aproximado de 150 00 pessoas deixaram a Espanha, vindo a maior parte, ao redor de 90 000 para o reino vizinho. Mais informa veríssimo Serrão que D. João II lhes abrira cinco postos de entrada dentre os quais Bragança com a obrigação de os fugitivos pagarem uma taxa de 8 cruzados, taxa reduzida à metade para as crianças e os oficiais mecânicos, caso contrário sujeitar-se-iam a ficar cativos. Mais estabeleceu o monarca português um prazo de oito meses para abandonarem o reino, a menos que pagassem uma contribuição elevada, o que aconteceu com as famílias mais abastadas. Diz-nos também Joaquim Veríssimo Serrão que a maior parte dos judeus de Castela-a-Velha se estabeleceu em Trás-os-Montes, deixando marcas nos seus apelidos da sua origem geográfica, tais como Leão, Burgos, Ledesma, Soria e Valhadolid. 

Convém que se diga que a presença do povo mosaico em Trás-os-Montes remonta a épocas anteriores, pois como sublinha o historiador que temos seguido até aqui, na segunda metade do século XV - cremos que se refere a um qualquer momento anterior ao “decreto de Alhambra” – assinalam-se comunas de judeus em Miranda do Douro, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta e Vila Flor, entre outras. E o mesmo já se passava segundo a mesma fonte no século XIV em Bragança e Mogadouro – para nos cingirmos apenas a Trás-os-Montes (Id. Vol I, p 340).
Resulta do exposto, o que aliás é corroborado em outras fontes, que devemos considerar no tecido social de ascendência judaica em Trás-os-Montes comunidades de dupla composição: uma autóctene e outra castelhana. É essa a realidade que vem sendo confirmada cientificamente por um estudo recente do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto, coordenado por António Amorim, que abordaremos mais adiante.
Aos judeus autóctenes de Trás-os-Montes, maioritariamente estabelecidos no actual distrito de Bragança, juntaram-se outros judeus provenientes de Castela que pela suas características somáticas dificilmente se distinguiam, pois eram ambas as comunidades descendentes dos “Sefarditas” (do ramo semita), cripto-judeus ibéricos designados por “anussim”, designação que deriva de “B’nei anussim” ou “Ben anus” com os significados de” filhos forçados” ou “filho forçado” ou, ainda mais comumente designados por “judeus marranos”.

Uma das localidades que tem servido de paradigma para a questão da ascendência dos “anussim” é Vilarinho dos Galegos, uma freguesia do concelho de Mogadouro a que tem atribuído uma certa exclusividade nesse âmbito. Contudo, Carlos Baptista publicou um artigo na página da “Comunidade Masorti” de Lisboa que, sem negar a relação daquela comunidade com a cultura judaica, integra-a num conjunto de outras localidades igualmente relacionadas com as antigas comunidades ”anussim”, a grande maioria delas pertencentes ao distrito de Bragança. Trata-se de um artigo de grande interesse sobre esta temática que entendemos transcrever.

«VILARINHO DOS GALEGOS, UMA EXCLUSIVIDADE NO PANORAMA TRANSMONTANO?
 
Não, de facto não o é, e não será de modo nenhum uma situação única no que respeita à presença dos “anussim” a nível regional.
 
Trás-os-Montes até pela sua localização geográfica, sempre foi uma espécie de “abrigo seguro” para as suas gentes, e uma barreira difícil de transpor até para os próprios emissários do Santo Ofício.
 
Por lá se instalaram comunidades judaicas, mesmo antes do nascimento de Portugal como nação, e nos finais do século XV, houve uma enorme vinda de judeus de Espanha para toda aquela região fronteiriça.
 
Chacim, Carção, Vimioso, Orjais, Chaves, Bragança, Mogadouro, Rebordelo, Valpaços e Mirandela, entre outras localidades, e neste caso Vilarinho dos Galegos, são alguns bons exemplos de povoações transmontanas, onde é bem visível ainda a presença judaica em algumas casas, na gastronomia, e nas suas orações religiosas. Se Vilarinho dos Galegos, integrada no concelho de Mogadouro, poderá não ser uma exclusividade histórica, pelo menos é sem dúvida um dos marcos da perseverança e da tenacidade dos “anussim” em Portugal. Possuidores de tradições e de ritos mais ou menos secretos, eles continuam a perpetuar um pouco a alma e a herança do povo de Israel em terras de “Sefarad”.
 
Vilarinho conta hoje com um número de habitantes que não chegará às três centenas, e actualmente por toda aquela região, ainda são conhecidos por “judeus”.
 
Numa nota final, e para quem aprecia e dá valor à memória de uma população que persiste em salvaguardar a sua cultura, os “Novos Contos da Montanha”, do escritor Miguel Torga, são de facto uma leitura obrigatória para se conhecer este interessante fenómeno, que são os “anussim” de Trás-os-Montes.»
[Carlos Baptista, “Comunidade Judaica Masorti de Lisboa”, Inhttp://www.beitisrael.org/]

Muito interessante também e, aliás em conformidade com a informação que se retira do artigo anterior é estoutro artigo sobre um amplo estudo científico “destinado a traçar a demografia histórica das comunidades criptojudaicas e da diáspora sefardita” e que no que toca à “caracterização da composição genética da comunidade de judeus do Distrito de Bragança” já chegou a surpreendentes resultados. Vale a pena ler e aguardar pelos novos desenvolvimentos deste trabalho.

«JUDEUS DE TRÁS-OS-MONTES MANTÊM PERFIL GENÉTICO
 
Um estudo recente, coordenado por António Amorim, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), vem demonstrar que a comunidade de descendente de judeus, em Trás-os-Montes, conseguiu manter uma identidade cultural que se correlaciona com a persistência de um perfil genético distinto.
É a primeira vez que a composição genética dos judeus portugueses do Norte é analisada e a conclusão aponta para um baixo nível de contaminação por mistura de sangue e para a preservação de genes judaicos.
 
Pode falar-se de uma comunidade transmontana de proveniência judaica com dupla composição: uma autóctone e outra castelhana, robustecida pela expulsão dos judeus de Castela, em 1492, e pela fuga à Inquisição do reino vizinho. Após os decretos de expulsão/conversão forçada (por D. Manuel I, em 1496) e após três séculos de Inquisição, este estudo pretende traçar a demografia histórica das comunidades criptojudaicas e da diáspora sefardita.
 
Ainda não está concluído, mas já foram lançados alguns resultados preliminares que se relacionam com a zona de Trás-os-Montes: está feita a caracterização da composição genética da comunidade de judeus do Distrito de Bragança.
 
Para a elaboração deste estudo foram analisados 57 indivíduos (das aldeias de Carção e Vilarinho dos Galegos; vila de Argoselo; Cidades de Bragança e Mogadouro) que se assumiam como possuindo ancestralidade `judaica`.
 
De acordo com o coordenador do estudo, António Amorim, foram detectadas em comunidades do distrito de Bragança “linhagens típicas do Próximo Oriente dez vezes mais frequentes do que no resto do país que se identificam como sendo de origem judaica”. Pode dizer-se, continua António Amorim, “que houve manutenção de uma identidade cultural que se correlaciona com a persistência de um perfil genético distinto, mas que não corresponde a um isolamento total”. 

Quanto à interpretação destes dados, o investigador prefere “esperar pelos resultados das linhagens femininas para (re)analisar essas questões”, sendo que, de qualquer modo, "o nível histórico e sociológico dessa análise será feito por especialistas nessas áreas”. O estudo emergiu de uma análise do cromossoma Y (masculino), passado exclusivamente de pai para filho, e denunciou uma diversidade muito elevada de linhagem, com uma incorporação de genes não-judaicos relativamente pequena e a ausência de um acentuado desvio genético. Falta agora tentar perceber como é que estas comunidades evitaram a mistura de genes, previsível durante séculos de repressão religiosa.
 
Este estudo tem, no entanto, uma amplitude mais vasta. Abraça o crescente interesse, em várias áreas científicas, pela reconstituição de migrações, nomeadamente das populações judaicas que constituem um paradigma de comunidades em migração constante. O projecto focou um subconjunto bem limitado desses movimentos: o das comunidades judaicas da Ibéria depois do século XVI, quando esta minoria demograficamente importante foi forçada a escolher entre a conversão e o exílio. Pretende utilizar marcadores genéticos de populações actuais para inferir a demografia histórica das comunidades que permaneceram na Ibéria e daquelas que migraram para a Europa do Norte e para o Novo Mundo.»

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