Por 13 votos a 7, o conselho municipal de Tel Aviv aprovou uma decisão que abre caminho para a circulação de ônibus na cidade durante o shabat, o descanso semanal judaico, que vai da noite de sexta à noite de sábado.
Perece trivial, mas na eterna disputa entre religiosos e laicos em Israel, é uma pequena revolução.
Tem tudo a ver. Tel Aviv é a cidade mais cosmopolita de Israel, dominada por um estilo de vida hedonista, extrovertido e laico, de business, praia, cafés e vida noturna (até um animado baile de Carnaval rolou este ano). Em muita coisa, parece mais o Rio que a circunspecta Jerusalém.
Para o poderoso estabilishment religioso, porém, normalizar o transporte público em Tel Aviv no dia de descanso judaico abriria um precedente indesejável, que poderia ser seguido por outras cidades de maioria laica.
O rabino-chefe de Tel Aviv, Israel Lau, reagiu com “dor e desapontamento”. Dramático, apelou ao prefeito de Tel Aviv, Ron Huldai, que não permita que “a vela de shabat se apague”.
De acordo com a interpretação dos judeus ortodoxos, andar de carro, ônibus ou qualquer transporte é uma atividade produtiva e, portanto, proibida no shabat, conforme consta nos Dez Mandamentos. Deserspeitar o mandamento, pensam, é ir contra a vontade de Deus.
Patinação em Tel Aviv, estilo livre: segundo pesquisa recente, 7% dos judeus israelenses se definem como ultraortodoxos (FOTO AP/Nati Harnik)
Apenas uma cidade de Israel, Haifa, tem transporte público no shabat, uma exceção ao status quo em vigor desde a fundação de Israel.
A origem do status quo é uma carta enviada em 1947 pelo fundador de Israel, David Ben Gurion, a líderes ultraortodoxos. Em troca de apoio para a formação de uma frente única na campanha para estabelecer o Estado judeu, Ben Gurion fez promessas que se mantem até hoje.
Entre elas, o reconhecimento do sábado como dia oficial de descanso, a garantia de exclusividade da lei religiosa em casamentos e divórcios e a autonomia para o sistema de educação dos ultraortodoxos. No mesmo espírito, mais tarde também seria dada isenção do serviço militar para estudantes de yeshiva (escolas religiosas).
O Estado foi fundado em 1948, mas muitos laicos consideram o acordo o maior erro cometido por Ben Gurion, porque discrimina parte da população e sabota um dos pilares da democracia, a separação total entre Estado e religião.
Para eles, o acordo deu origem a um mundo paralelo que gera abusos como o ocorrido no fim do ano passado, quando uma menina de 8 anos foi hostilizada numa cidade perto de Jerusalém por não estar vestida nos rigorosos padrões de modéstia exigidos pelos ultraortodoxos.
Por enquanto, a decisão aprovada no conselho municipal de Tel Aviv é uma vitória apenas simbólica. Para entrar em vigor, ela precisa ser aprovada pelo governo do premiê Binyamin Netanyahu, onde a influência dos partidos religiosos tende a colocá-la de volta na gaveta.
Seus defensores, porém, não estão dispostos a dar trégua. “Os políticos precisam entender que não iremos para casa até que haja um ônibus que nos leve para lá”, provocou Mickey Gitzin, do grupo Israel Hofshit (Israel livre, em hebraico), que promove pluralismo e liberdade de religião no país.
Segundo uma ampla pesquisa divulgada recentemente, 80% dos judeus em Israel acreditam em Deus. 43% se consideram “laicos”, 32% “tradicionais”, 15% “religiosos” e 7% “ultraortodoxos”. Além disso, 59% são favoráveis à circulação de transporte público no shabat.
Mas o apoio da maioria não deve bastar para influenciar a decisão do governo em relação aos ônibus de Tel Aviv. Em 2012, o interesse político de manter o status quo de 1947 ainda é prioridade.
Fonte: FSP -
Marcelo Ninio é correspondente em Jerusalém