Sinais
hebraicos na região têm mais de cinco séculos
Catalogada como
uma das doze “aldeias históricas” de Portugal, a cidade de Trancoso, no
centro-norte de Portugal, surpreende os visitantes pela imponência de suas
muralhas e pela beleza de seus monumentos, igrejas e castelos medievais. Foi
nessas paragens que, em 1282, Isabel de Aragão, então com 12 anos (canonizada
400 anos depois como Santa Isabel), entra na Igreja de São Bartolomeu para se
casar com D.Dinis, rei de Portugal, que lhe dá o povoado como dote.
Situado a uma
mesma distância de Lisboa e de Madri (em torno de 350 quilômetros dessas
capitais), o município de Trancoso, no distrito da Guarda, subregião da Beira
Interior, abriga 11 mil moradores e um patrimônio histórico e arquitetônico que
engloba um antigo bairro judeu, provavelmente estabelecido no século 15 por
judeus fugitivos da Espanha, após o édito de expulsão assinado em 1492 pelos
reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela.

Rabinos visitam
Trancoso
Em dezembro de
2011 estiveram em Trancoso os rabinos Shlomo Riskin, presidente do “Centro para
o Entendimento e Cooperação Judaico-Cristão de Israel” (Center for Jewish-
Christian Understanding and Cooperation - CJCUC), e Elisha Salas, da
organização “Shavei Israel” (que faz a conversão dos chamados “judeus perdidos”,
aqueles descendentes dos judeus forçados a abandonar a religião), que atua em
Portugal. Em visita ao local onde será implantado o museu, os religiosos
mostraram-se entusiasmados com a solidariedade e o apoio do município de
Trancoso e agradeceram à população, seus técnicos e os autores do projeto,
arquitetos Gonçalo Byrne e José Laranjeira. “Este centro judaico dedicado a
Issac Cardoso, uma destacada figura judaica portuguesa, e a sinagoga que vai
comportar são uma expressão fantástica de que a memória dos perseguidos pela
Inquisição e seus descendentes está viva, mais de 500 anos após a conversão
forçada, a expulsão, a Inquisição e seus males, e a resistência, mesmo que em
segredo, que preservou a cultura e a fé”, disse o rabino Riskin.
Júlio Sarmento adiantou que serão produzidos vários
conteúdos multimídia e que haverá referências a judeus naturais e residentes em
Trancoso que foram vítimas da Inquisição. A historiadora Carla Santos, que
investiga a presença judaica na região, sustenta
que os judeus já viviam em território português desde os primórdios da Idade
Média e que essa vivência prolongou-se por um período de, pelo menos, mil anos,
“balizados arqueológica e legalmente entre os anos de 482 e 1496”, data do
édito de expulsão de Portugal da minoria religiosa. “Em consequência da
expulsão dos judeus e mouros, alguns membros da comunidade judaica
converteram-se ao cristianismo, ainda que, apenas, aparentemente. Naturalmente
os mais abastados saíram do país constituindo parte da diáspora de origem
sefardita”, explica.
Herança judaica
Outra estudiosa
do tema, Antonieta Garcia, docente da Universidade da Beira Interior, afirma
que é preciso aprofundar as investigações sobre as figuras judaicas que
marcaram a região, mas cuja influência permanece desconhecida. “Por exemplo,
onde houve uma forte presença judaica, o comércio teve um desenvolvimento
espantoso. É o caso de Trancoso”, exemplifica. A historiadora aponta ainda como
uma herança de prática religiosa e costumes judaicos, o forte significado da
celebração da Páscoa. A proximidade com a Espanha é outro diferencial: “O que
esta região tinha de diferente era a proximidade da fronteira. Desde que nasceu
a Inquisição até o seu final, no século 19, circulavam muitos judeus neste
local, entre Portugal e Espanha e por entre diferenças religiosas”, explica.
Atualmente várias excursões são realizadas tendo Trancoso
e outras cidades do distrito da Guarda (antiga região da Beira Alta) como foco.
Pesquisadores e turistas judeus de várias nacionalidades têm visitado essas
localidades interessados em conhecer um passado medieval envolto em segredos e
mistérios por força do poder do Santo Ofício que perdurou por três séculos em Portugal.
A Rua da Alegria, no centro histórico de Trancoso, junto à muralha, seria uma
das principais vias do antigo bairro judeu, cujos moradores, em 1496, antes do
édito da expulsão, representavam a quinta parte de toda a população da cidade.
Um dos lugares mais característicos do antigo bairro é a
“Casa do Gato Preto” ou a “Casa do Rabino”, que muitos acreditam ter sido uma
sinagoga. O imóvel de arquitetura medieval apresenta desenhos de raízes
hebraicas esculpidos na fachada principal. Investigadores interpretam como
sendo as portas de Jerusalém, um pelicano ou pomba, quatro semblantes e o leão
de Judá. Em um outro imóvel, descobriu-se uma mezuzá no interior da parede, artefato
usado até hoje pelos judeus para santificar as suas casas. Colocado na parte
superior do batente direito da porta de entrada, a mezuzá (do hebraico umbral)
contém um pequeno rolo de pergaminho com duas passagens bíblicas e se constitui
em uma proteção divina ao lar.
Sinais e
caracteres gravados nas paredes de pedra e nos umbrais das portas da entrada
das casas denominados cruciformes (cruzes de variados formatos) também revelam
que aquelas habitações pertenciam aos chamados cristãos-novos, judeus que
aparentemente professavam a fé cristã. Olhados com desconfiança pelos católicos
tradicionais, que acreditavam que muitos desses conversos continuavam a
praticar em segredo ritos judaicos, os cristãos-novos desenhavam cruzes nas
portas de suas moradias com o intuito de serem poupados pela Inquisição,
introduzida em Portugal em 1536.
Judeus ilustres
A cidade de
Troncoso também é conhecida como o berço natal de Gonçalo Anes, o Bandarra
(1500-1556), um misterioso trovador, provavelmente de ascendência judaica, que
possuidor de um bom conhecimento das Escrituras, profetizou sobre o futuro do
reino de Portugal. Seus versos messiânicos tiveram grande aceitação entre os
cristãos-novos e serviu de inspiração e muitos escritores como Fernando Pessoa,
o maior poeta português da era contemporânea. Acusado de judaísmo pela
Inquisição, Bandarra – que era sapateiro de profissão – teve as suas trovas
incluídas no catálogo de livros proibidos pela Igreja e foi condenado pelo
tribunal do Santo Ofício a nunca mais interpretar a Bíblia e escrever sobre
assuntos de teologia.
Sobre Bandarra,
Fernando Pessoa escreveu: Sonhava, anônimo e disperso/ O Império por Deus mesmo
visto,/Confuso como o Universo/E plebeu como Jesus Cristo./Não foi nem santo
nem herói/Mas Deus sagrou com Seu sinal/ Este, cujo coração foi / Não
português, mas Portugal (do livro “Mensagem” – uma coletânea de poemas sobre
grandes personagens portugueses).
Já Isaac Cardoso,
que dará seu nome ao Centro de Interpretação Judaica, embora nascido em
Trancoso, ainda criança mudou-se com a família para a Espanha. Estudou em
Salamanca e lecionou filosofia e depois medicina em Valladolid. Foi médico da
corte real até que, em 1648, mudou-se para Veneza, onde assumiu publicamente a
sua condição de judeu e adotou o nome de Issac (o de batismo era Fernando). De
1653 até o final de seus dias, em 1683, voltou a exercer a medicina em Verona,
simultaneamente escrevendo dezenas de livros, entre eles, “Del Origen Del
Mundo”, “Philosophia Libera” e “Las Excelências de los hebreus” (dedicado ao
judeu português Jacob de Pinto), em que cita Bandarra como “o profeta de
Trancoso”.
Encontro com Bento 16
No início de
2011, meses antes da visita a Trancoso, o rabino Shlomo Riskin se reuniu com o
Papa Bento 16, no Vaticano, para falar sobre o trabalho desenvolvido pelo Centro para o Entendimento e Cooperação
Judaico-Cristão (CJCUC), entidade a qual preside e que promove o diálogo
teológico e de fé com os cristãos que vivem em Israel. Membro do Grão-Rabinato
de Israel, o rabino Riskin disse ao Papa que tem procurado aliviar a pobreza
nessa comunidade religiosa. Também está empenhado em permanecer solidário com
os irmãos e irmãs cristãos em Israel e advogar por eles. “Pela primeira vez na
história dos judeus, nós, como maioria, devemos tratar das minorias religiosas,
e é obrigação do judaísmo aderir ao preceito bíblico que diz: Amarás o estrangeiro que vive em tua terra.”
De acordo com o rabino Riskin, o Papa se mostrou satisfeito e respondeu: “Temos
de trabalhar juntos”.
Uma das ações
propostas pelo CJCUC foi a de criar programas para instruir os rabinos de
Israel e da diáspora no diálogo entre judeus e cristãos visando melhorar a
compreensão e cooperação em questões religiosas e morais. “Eu tive a
oportunidade de contar isso brevemente a Sua Santidade”, disse Riskin. “Falamos
das atuais oportunidades de diálogo para que os cristãos que viajam a Israel possam
conhecer mais as raízes judaicas de sua fé.”
Entusiasmado com
o que viu em Trancoso, o rabino Riskin considera que o museu judaico vai se
constituir em uma referência não só para Portugal, mas também e sobretudo para o
mundo, valorizando a tradição e o passado da presença judaica em termos
culturais, sociais, históricos e patrimoniais. “Funcionará como um centro de
aglutinação para judeus e cripto-judeus que retornaram ou pretendem retornar à
identidade judaica, sempre numa atitude de cultura, conhecimento, estudo e fé”,
reafirmou Riskin que desde 1983 dirige a comunidade de Efrat, cidade que fica
entre Belém e Hebron.
Em 24 de janeiro
de 2012
Shalom veh shavuah tov desde Trancoso/Portugal
ResponderExcluirMeu nome é Jose Levy Domingos, sou judeu, jornalista e estou directamente envolvido na construção do Centro de Interpretação Judaica "Isaac Cardoso" que vai incluir a Sinagoga Beit Mayim Hayim , em Trancoso.
Fui co-fundador do Museu Judaico de Belmonte e fundador da Associação judaica Rosh Pinah (Guarda-Portugal) e da Associação de Amizade Portugal-Israel, organizador do primeiro congresso sobre Judeus e Historia Judaica em Portugal, realizado na decada de 1980 na Guarda e Trancoso.
Gostei do texto acima e se me permite gostaria de lhe enviar algumas informações sobre o referido Centro.
Na proxima segunda-feira, dia 30 de Janeiro, estarão em Trancoso Michael Freund e o Rabino Birembaum, que vou acompanhar na visita à Judiaria de Trancoso, explicar as inscrições e seus disfarces, algumas com carga cabalistica e ainda as obras do Centro.Estou a ser acompanhado nesta tarefa pelo Rabimo Elisha Salas e por Luiza Metzker, minha esposa , natural do Brasil.
O Centro de Interpretação Judaica é uma obra de iniciativa da Câmara Municipal de Trancoso.
agradecia me informasse como posso ( para que e-mail) enviar informações, fotos, noticias sobre a comunidade judaica de Trancoso e oa Hanussim desta região( muitos foram fundadores das comunidades de Londres, Amsterdam, Recife, Mexico, Livorno, Salonica, Veneza, Verona, etc).
sem mais
shalom rav
jose levy domingos
meu email: joselevydomingos@sapo.pt