por Sheila Sacks
Se a década de
1940 marcou a história do século 20 pela barbárie do Holocausto (ou Shoá -
calamidade, no dialeto iídiche), por sua vez também iluminou o mundo com
personagens especiais, genuínos heróis de todas as épocas. Dois deles,
Mordechai Anilevitch e Howard Fast merecem ser lembrados nesse mês de dezembro,
quando mais uma vez são celebradas a fé, a coragem e a liberdade na Festa
das Luzes (Chanucá, em hebraico “inauguração”). Líder da revolta do Gueto
de Varsóvia, o jovem polonês Anilevitch tinha apenas 24 anos quando foi
dizimado pela máquina nazista, em 1943. Apesar de estar a salvo na Romênia,
retornou à Polônia para organizar a resistência e mostrar ao mundo uma face
judaica milenar, ancorada nos feitos e atos de seus patriarcas e profetas.
Membro do movimento sionista socialista Hashomer Hatzair, sua história
de vida tem inspirando, ao longo do tempo, gerações de jovens a trilharem o
caminho do idealismo, do amor à liberdade, e do respeito e defesa dos valores
tradicionais do judaísmo.
Também o escritor
Howard Fast (1914-2003) era um jovem de 34 anos quando escreveu a versão
literária sobre a luta e a resistência tenaz do sacerdote Matatias e de seus
cinco filhos - tendo à frente Judá, o Macabeu - diante da ordem
arbitrária de um poder central que impunha o culto, as leis e os costumes
gregos na terra de Israel. Um
épico sobre a saga dos irmãos guerrilheiros da cidade de Modiin, belíssimo
enredo de audácia e persistência vivido há mais de 2 mil anos - algo em torno
de 165 antes da Era Comum – por uma geração aquinhoada com as bênçãos da fé, da
firmeza e da devoção.
A
luta pela terra prometida
A obra Meus
Gloriosos Irmãos foi publicada em 1948 e tem a mesma idade do Estado de
Israel. É um hino à liberdade e à coragem, tendo marcado a adolescência de
milhares de jovens judeus em todo o mundo. Era uma época particularmente
difícil para os judeus, pós-holocausto e de implantação de uma nação. O livro
de Fast foi um talismã dos mais importantes para muitos jovens que, militando
em movimentos sionistas em vários países, deixaram o aconchego de seus lares e
ignorando os apelos de pais preocupados se engajaram na luta pela terra
prometida. A determinação, a perseverança e a crença inabalável dos Macabeus
em seus objetivos encontravam semelhança e afinidade no heroísmo dos jovens da Haganá
(organização clandestina judaica à época do Mandato Britânico na Terra Santa)
durante aqueles anos de turbulências e incertezas. O escritor norte-americano
trouxe o bandeira de Judá para bem perto destes jovens audazes e sonhadores que
liam e reliam aquelas páginas estimulantes, com o olhar e o coração voltados
para Sion.
Apesar do seu
passado de militante comunista (ficou preso três meses, em 1950), Fast sempre
exaltou as suas raízes judaicas. Autor de mais de 80 livros traduzidos em 82
idiomas (dos quais 20 se transformaram em filmes ou seriados de TV, como a
película Spartacus, de 1960), ele considerava o movimento dos kibutzim
(colônias agrícolas comunitárias) a mais importante experiência socialista do
século 20. Em carta ao jornalista e escritor anglo-israelense Daniel Gravon,
ele conta que quando era jovem sonhava em atravessar a pé a Galiléia e ir até o
sul de Israel. Isto nunca aconteceu, mas em 1944, durante a 2ª Guerra Mundial,
o escritor teve a oportunidade de ver, pela primeira vez, a cidade de Jerusalém
e outras áreas de Israel. Ele trabalhava como jornalista para o programa de
rádio “Voz da América”, do governo norte-americano, e estava a bordo de um
avião militar, cujo destino era o Líbano. “Eu pedi ao piloto para que voasse em
baixa altitude, e ele, de bom grado, atendeu ao meu pedido”, lembra Fast. “Nós
passamos por Jerusalém e seguimos para o norte. Eu observava Israel, as áreas
desertas e devastadas com alguns raros borrões verdes de um kibutz, ali e
acolá. Trinta e cinco anos depois, quando retornei, a mudança era enorme.”
Festa
das Luzes celebra a liberdade
Dois anos antes
de falecer, Fast manifestou a sua tristeza por não ter condições físicas para
mais uma vez visitar Israel. “Eu gostaria de retornar, mas receio que isso seja
só mais um sonho. Afinal, faço 87 anos no próximo mês de novembro. Eu caminho
devagar e me canso facilmente”. Corria o ano de 2001 e Fast também revelou a
sua preocupação com o destino de nossa civilização, depois do ataque de 11 de
setembro “Vivemos em um mundo que está ficando insano e percebo que as pessoas
estão evitando viajar. Eu sinto que nunca mais verei Israel e isso, para mim, é
um pensamento doloroso.”
É interessante
notar que passados mais de 60 anos da publicação de Meus Gloriosos Irmãos,
o livro continua a constar na bibliografia recomendada aos madrichim (monitores
de grupos) para ser utilizada nas atividades com crianças e jovens,
durante o período de Chanucá. A festa tem duração de oito dias, quando são
acesas velas, diariamente, antes de anoitecer, em um candelabro especial de
oito braços, para celebrar a retomada da sinagoga pelos Macabeus.
Apesar do
contexto sócio-cultural ter sofrido
mudanças radicais e a juventude atual em nada ser semelhante àquela dos anos 40
e 50 – onde não existiam a globalização e a tecnologia avançada dos meios
eletrônicos - o conteúdo da obra de Fast
permanece irretocável em seu sentido mais
profundo: o de transmitir valores como o heroísmo e a bravura que não se
acovardam mesmo diante de inimigos poderosos. Com o livro de Fast, a festa de
Chanucá ganhou novo contorno e uma
mensagem mais moderna e vibrante. A campanha dos Macabeus fundiu-se com a
própria luta pelo nascimento e perpetuação do Estado de Israel, que mesmo nos
dias que correm ainda mantém-se em alerta na defesa de sua cultura, de seu modo
de ser, de sua religião e de sua liberdade.
Em 15 de dezembro
de 2011