Palestra ou Palanque?
Na última sexta-feira, 30 de setembro, ocorreu o ano-novo judaico, um dos únicos momentos do ano quando os judeus dos mais variados níveis de religiosidade se encontram na sinagoga pra rezar. Ocorreu também, coincidentemente ou não, a palestra "A Questão do Estado da Palestina e o Futuro do Oriente Médio", com Ibrahim Alzeben, suposto embaixador da Palestina no Brasil, professor Salem H. Nasser e o organizador do evento Oliver Stuenkel. Como seria de se esperar em uma Instituição de ensino qualquer que fosse, marcada pelo discurso raso, não haveria contraponto, o que não era o caso da FGV, conhecida acima de tudo pelo seu ambiente seguramente democrático.
Durante a minha trajetória na FGV tive alguns episódios marcados pela intolerância e discriminação gratuita. Em breves linhas, já me foi dito por um colega de classe "sim, eu sou anti-semita e, portanto, contra a religião judaica e os judeus" assim como no ano seguinte, me foi dito por uma colega de outra série que não a minha que judeus eram ratos, e, portanto, não poderiam ir à festa realizada pelo Diretório Acadêmico, devendo permanecer no porão. Ambas as ofensas, assim como outras de menor lesividade (como o uso da camiseta do Hezbollah – partido terrorista que prega a aniquilação do Estado de Israel e de sua população) foram totalmente gratuitas; não que se fossem em resposta à alguma acusação seriam justificáveis, mas ambas foram provocativas à uma postura completamente passiva de minha parte. De ambas também tenho provas, caso seja necessário.
Entretanto, apesar de me magoar profundamente, em todos os casos que sofri acusações racistas como estas mencionadas, respondia com um instrumento cujo sempre gostei de utilizar, tendo a Escola incitado este apego: o debate. Acusações assim gratuitas são em sua maioria ignorantes, apesar de advindas de pessoas com nível social e intelectual muito maior do que a maioria da população, e quando questionadas com argumentos sólidos são facilmente desestruturadas. O ocorrido nesta sexta-feira, porém, não permitiu que houvesse debate.
Devo neste momento salientar a minha genuína admiração e posterior decepção para com a Fundação Getúlio Vargas. A admiração decorre do tradicional vínculo que o nome "FGV" tem com educação de qualidade, digo, um marcante compromisso com formação de qualidade.
Quando transponho tal significado de formação para o meu caso pessoal, percebo a admiração que sinto pela escola pelo respeito e culto ao debate que essa propõe. Já nos meus primeiros dias de faculdade a noção de "verdade", por exemplo, fora desmantelada: não há certo ou errado, como muito me foi dito nesses anos, há questões que caem num senso de verdade e daí decorrem versões distintas. A decepção, porém, a que me refiro, decorre da quebra deste padrão na qualidade de formação.
Uma "verdade" exposta da maneira que foi nesta sexta-feira, sem que haja o por nós juristas exaltado Direito de resposta torna-se absoluta, e daí emana o perigo da ausência do debate. "Palestra ou Palanque" define muito bem essa situação. O evento mais parecia um episódio de coronelismo do que qualquer outra palestra já muito bem organizada pela FGV. Explico o termo coronelismo: a partir do momento em que o dito Embaixador da Palestina convocou todo o auditório presente à se unir na luta contra o Estado atual de Israel, monopolizando a informação que era disseminada no momento, formou a opinião política de todo um auditório de maneira obtusa, confundindo Estado, história, religião e cultura em frases como "Acredito que não há judeus aqui, pois hoje é ano novo judaico, mas caso vocês tenham amigos judeus, falem à eles que em nome do Holocausto a comunidade judaica deve se voltar contra o Estado nazista e ocupacionista de Israel", ou "vocês, auditório, que são o futuro do Brasil, tem um papel muito importante na luta palestina".
Não vou me alongar nas conseqüências que a verdade absoluta, sem questionamentos, pode trazer, mas muitos foram os dados colocados, de maneira completamente distorcida, sem que houvesse qualquer possibilidade de rebate, dados como "os palestinos não tem acesso aos hospitais Israelenses, e por causa disso nossas mulheres tem que dar à luz em check points". Na mesa de "debate" não havia uma opinião contestadora destes fatos, e eu pouco sei se houve após a explanação dos presentes um momento para perguntas do auditório pois assim como todos os outros judeus neste dia, fui à sinagoga, que mais uma vez, coincidentemente ou não, era exatamente no mesmo horário que o evento.
Não quero me alongar também nos "certos" e "errados" que essa questão Israel – Palestina traz. Mas gostaria de demonstrar a minha profunda decepção com o esquecimento do retro mencionado "senso de verdade". O evento de sexta-feira foi propositalmente marcado nesta data, visto que os organizadores foram anteriormente alarmados (há emails provando isso) e visto que em diversas vezes o dito embaixador mencionou que "não deveria haver judeus no auditório visto que era ano-novo judaico".
Mas havia. Éramos poucos, mais precisamente, éramos três, mas por menor que fossemos saímos de lá em direção à sinagoga profundamente ofendidos, e profundamente decepcionados com a Instituição a qual pertencemos. Não me parece aceitável que a Fundação se proponha a abrir um espaço para a incitação de ódio, para a incitação da destruição. Se dentro da escola nos propomos constantemente à construir – seja soluções ou seja a matéria através do Diálogo Socrático, a idéia de destruição não me soou coerente.
Gostaria de pedir então que a Escola fosse coerente com aquilo que se propõe a construir, se estamos num ambiente democrático de diálogo e debate, estes devem ser promovidos, e não cerceados. O evento pode não representar a opinião da Direito GV, porém foi sediado nesta, além de ter ofendido membros desta também. Saliento neste momento que não me manifestei anteriormente vez que, assim como frisei, prezo o debate, e achei inocentemente que este haveria no espaço da Direito GV. Se não houve, e isso é irreparável, que pelo menos os alunos do 1º ano não fossem coagidos a participar deste palanque, e mais, que a organização do evento (e com isto eu entendo Direito GV e CPDOC) se retratasse àqueles que assim como eu, se sentiram agredidos.
Ibrahim, por fim, disse em seu discurso que "os judeus não tem justiça". Peço que com essa carta os Srs. mostrem que a FGV, composta por judeus, católicos, muçulmanos, ateus e membros de outras crenças tem justiça, promovem justiça e zelam pela justiça.
Obrigada,
Isabella Bancovsky Becker
Aluna do 6º semestre da Direito GV