Nunca houve uma manifestação como esta antes em Israel – todo o mundo junto, jovens e velhos, direita e esquerda, árabes e judeus. Os protestos subiram um degrau. Palavras de ordem contra os altos preços dos alugueres eram raras. “O povo quer justiça social” era a mais comum.
Artigo |2 Agosto, 2011 – 15:29 | Por Gideon Levy
Foi a noite em que Benjamin Netanyahu foi expulso do gabinete de Primeiro Ministro em desonra.
Netanyahu permanecerá no gabinete por um tempo, mas esse tempo está aí. Acabou. Ele vai contorcer-se e fazer promessas, dar declarações e virar as costas, ele vai pregar mais algumas peças, mas isso não vai ajudá-lo nem um pouco.
Assim como o foi ontem, ele é um pato manco. Na noite de sábado, o 17° primeiro ministro de Israel recebeu a sua carta de demissão. Quando dezenas de milhares de israelitas ao longo do país gritaram “Bibi, vá para casa”, Bibi irá de facto para casa. Bye bye, Bibi, adeus para sempre.
Esta foi a noite em que todo o israelita se pode sentir orgulhoso de ser israelita, como nunca antes o foi. A verdadeira marcha do orgulho de Israel ocorreu ontem. Não pode haver melhor campanha de relações públicas para um país desprezado e evitado, do que a manifestação de ontem à noite, deste novo Israel. O ministro do Exterior deveria transmitir as imagens para o mundo todo: a democracia de Israel celebrada sábado à noite, como não o era em anos, levantando-se contra todos os que a queriam morta. Sem violência, sem apoios políticos supérfluos, nem Cairo, nem mesmo Atenas, mas algo muito mais bonito – uma luz genuína para as nações.
O povo, digamos, falou com uma voz alta; sem medo e sem causar medo – Tahrir, liberdade, mas não tiroteio. Falar? Não, gritar. Sim, na noite passada eu estava muito orgulhoso de ser um israelita. Só me senti embaraçado diante da minha inabilidade para assobiar com dois dedos, como a massa que marchava pela rua Ibn Gvirol assobiava, de escárnio, num volume de doer os ouvidos, ecoando pelos muros do [restaurante] Goocha, para onde os clientes tinham ido comer frutos do mar como se nada fora do comum se estivesse a passar. Se soubesse, eu também teria assobiado.
Nunca houve uma manifestação como esta antes em Israel – todo o mundo junto, jovens e velhos, direita e esquerda, árabes e judeus. O estado que foi criado no (velho) Museu de Telavive demonstrou na noite passada a sua robustez e maturidade diante do actual Museu de Arte de Telavive.
Entre esses museus repousam 63 anos de altos e baixos. A noite passada foi a mais alta marca d’água recente. Foi também, aparentemente, a maior demonstração da história, a maior depois da de Sabra e Shatila.
Os protestos subiram um degrau ontem à noite. Palavras de ordem contra os altos preços dos alugueres eram raras. “O povo quer justiça social” era a mais comum, seguida por “Hoo, há, mi zeh ba”? Medinat harevaha (“O que é isso que vem aí? É o Estado de Bem Estar Social”). Socialismo, hoje? Sim, com a garganta engasgada e tons emocionais. O protesto ganhou asas ontem à noite. Esqueçam o protesto sobre habitação, não se trata mais somente disso. Aqueles que temiam que os protestos fossem muito restritos, comezinhos, ontem assistiram à sua expansão. Os seus objetivos já ultrapassaram o aluguer de um pequeno apartamento.
Aqueles que fizeram caretas para o mini-Woodstock no Boulevard Rothschild devem reconhecer, agora, que o que ocorreu nesse boulevard é apenas o ponto de partida para a explosão de um movimento, o mais impressionante movimento da história de Israel.
Os cínicos deveriam ter vergonha de si mesmos. Qualquer um que estivesse nas ruas na noite passada só poderia comover-se – e, se não, então deveria ter vergonha. Quando pisei o pé de um inocente transeunte, um homem religioso, ele encrespou-se: “Isso não é justiça social”. Alguém tinha ouvido essa expressão antes de tudo isto começar?
A trilha sonora da semana passada incluiu John Lennon, mas na noite passada Janis Joplin foi acrescentada – outra maneira de ir mais longe. Corinne Alal’s “Zan Nadir” também tocou na noite passada. “Estamos com medo da nossa própria sombra, presos dentre os muros dos edifícios, e a maior parte do tempo com vergonha dos nossos corpos, espremidos em abrigos antiaéreos… Somos espécies raras, um pássaro estranho, sonhos no ar e cabeça no chão”. Na noite passada, os sonhos estavam no ar, e que ar! Na noite passada eu tive muito orgulho de ser um israelita.
Artigo publicado a 31 de Julho de 2011 no jornal israelita “Haaretz”, traduzido por Katarina Peixotopara Carta Maior
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Sobre o autor : Gideon Levy Jornalista israelita e activista da defesa dos direitos humanos.