Centenas de judeus conservadores participaram de protestos nas proximidades da Suprema Corte de Israel contra a breve detenção de dois famosos rabinos que apoiaram a publicação de um livro que, entre outras coisas, justifica o assassinato de gentios (pessoas não-judias) em determinadas circunstâncias.
Os protestos realçaram as diferenças entre as comunidades religiosas e de judeus seculares do país. Os manifestantes entraram em choque com a polícia montada nas ruas de Jerusalém e muitos foram presos.
Os protestos realçaram as diferenças entre as comunidades religiosas e de judeus seculares do país. Os manifestantes entraram em choque com a polícia montada nas ruas de Jerusalém e muitos foram presos.
Os rabinos Dov Lior e Yacob Yousef apoiaram um livro polêmico, The King´s Torah, ou a Torá dos Reis,
escrito por rabinos menos conhecidos que vivem em assentamentos. O
livro justifica inclusive o assassinato de gentios em certas ocasiões,
mesmo daqueles não envolvidos em violência.
Seu quinto capítulo, chamado "Assassinato de
Não-Judeus em Tempos de Guerra", foi bastante citado pela imprensa
israelense. Seu resumo afirma que "você pode matar aqueles que não estão
apoiando ou encorajando assassinatos para salvar a vida de judeus".
Em determinado momento, o livro sugere que bebês
podem ser justificadamente mortos se está claro que eles se tornarão
uma ameaça, uma vez crescidos.
Policiais israelenses que investigam acusações
de incitamento detiveram os rabinos depois que eles se recusaram a
comparecer voluntariamente para um interrogatório.
Embora os dois rabinos tenham forte apoio entre
colonos de orientação ideológica mais acentuada na Cisjordânia ocupada,
eles também foram defendidos por integrantes de setores mais amplos da
comunidade religiosa.
A acalorada reação às detenções realçaram a
tensão entre as autoridades religiosas e civis em Israel e incentivou o
debate sobre liberdade de expressão.
Biblioteca
Alguns estudantes que se juntaram aos protestos
de 4 de julho agora voltaram à tranquilidade da biblioteca de Raana
Yeshiva, um seminário de estudos judaicos avançados, ao norte de Tel
Aviv.
Eliyahu Gross, 21 anos, viajou com amigos para Jerusalém, mas diz que não leu a Torá dos Reis.
"Estava apenas protestando contra a ideia de restringirem a Torá (texto sagrado dos judeus)", diz ele.
"Na minha opinião, qualquer coisa que seja contra a liberdade da Torá é basicamente contra a minha liberdade como judeu."
Yehuda Amar (direita) e Eliyahu Gross participaram dos protestos em Jerusalém
"A lei judaica é muito, muito cuidadosa sobre
qualquer coisa que represente uma ameaça para a vida", diz ele. Para o
rabino, o livro apenas convida para uma análise teórica da escritura.
"Precisamos de liberdade para estudar a Torá tanto no nível espiritual quanto no democrático", diz Amar.
"Tentamos mostrar que existe um contraste, as ideias espirituais são mantidas em separado da vida prática."
À medida em que avança a discussão, fica clara a sensação de que a comunidade se sente marginalizada.
O chefe de Raana Yeshiva, o rabino Haim Rehig, vê a Torá dos Reis como "um livro problemático" e escreveu sobre ele.
Ele acredita que os protestos recentes foram
basicamente sobre a exigência de judeus religiosos de ter "igualdade
perante a lei".
"Toda vez que eles investigam o ‘lado direito do
mapa’, se você quiser chamar desta forma, veem que existem choques
culturais entre nós e a parte secular do país", diz ele.
Ele sugere que alguns acadêmicos de esquerda
incitam o ódio entre colonos e judeus religiosos. "Ninguém os prende
porque somos um tipo de minoria por aqui", diz.
Seculares
Uma enquete informal feita pela BBC no mercado
Mahane Yehuda, em Jerusalém ocidental, ilustra a diferença entre a
minoria religiosa e a maioria secular.
No mercado, há muito apoio à ação policial
contra os rabinos que apoiaram o texto controverso. Muitos enxergam isso
como uma prova de que a lei se aplica a todos.
"O papel de um rabino é muito importante, mas não está acima da lei", diz Avi Ben Yousef.
"Como cidadãos, todos seguimos as mesmas regras e regulamentos. Vivemos em uma democracia, e é assim que deve ser."
"Se alguém apoia o racismo, é contra a lei, portanto deve ser preso", diz um comerciante local, Eli.
"Acredito que, mais do que isso, as pessoas que
escreveram o livro devem ser julgadas. Me preocupo não apenas com o
livro, mas com os religiosos", diz ele.
"Muitos estão preocupados, mas não falam. Este é
um problema porque as pessoas cujas vozes são ouvidas o tempo todo são
extremistas que apoiam o livro."
A retirada isralense de Gaza gerou choques entre colonos e forças de segurança .
Tensões
Vários episódios da história recente de Israel amplificaram as tensões entre judeus religiosos e seculares.
Em 2005, a retirada unilateral de Israel da
Faixa de Gaza fez as forças de segurança despejarem à força colonos
judeus – em sua maioria, religiosos. Protestos se seguiram a isto.
Muitas pessoas nas comunidades religiosas viram
as desocupações como uma traição do Estado e de suas instituições, em
especial a Suprema Corte, que julgou que o plano do governo de saída de
Gaza era constitucional.
Dez anos antes, o assassinato do então
primeiro-ministro Yitzhak Rabin pelo judeu ultraortodoxo Yigal Amir
também causou uma profunda divisão. Amir se opunha ao acordo de Oslo, de
1993, fechado entre Israel e os palestinos.
O pesquisador acadêmico do Instituto de
Democracia de Israel Yair Sheleg, que estuda há tempos as tendências
religiosas no país, afirma que os mal-entendidos entre diferentes grupos
são perigosos.
Ele diz que os judeus seculares não devem enxergar todos os judeus religiosos da mesma forma.
"Vejo uma disputa entre liberais e extremistas
dentro do setor sionista religioso. Os extremistas ganham poder caso
sintam que a maioria secular descreve todo o setor como extremista", diz
ele.
"Quando jovens sentem que são odiados, isso os empurra mais para o extremo", afirma.
Mais judeus ultraortodoxos vêm ingressando no
mercado de trabalho em vez de dedicarem suas vidas ao estudo exclusivo
da Torá. Alguns fazem serviço militar e entram em unidades de combate.
Embora as forças armadas publiquem poucas
informações sobre a origem dos alistados, em agosto do ano passado, a
revista da Defesa israelense, Maarachot, informou que, em anos
recentes, cerca de 30% dos graduados de cursos de oficiais de infantaria
se definem como “religiosos sionistas”. Em 1980, esta taxa era de 2,5%.
Os últimos protestos podem mudar as percepções, mas o episódio da Torá dos Reis é um lembrete do potencial antagonismo e choque de ideologias.
Como muitos judeus religiosos vivem em
assentamentos na Cisjordânia ou têm parentes neles, vários analistas os
apontam como locais com potencial para futuros conflitos.
Enquanto a lei internacional considera os
assentamentos ilegais, Israel contesta isso. Os palestinos querem a
terra para seu futuro Estado.
Os chefes militares israelenses responsáveis
pela Cisjordânia estariam preocupados sobre possíveis choques com
colonos nos próximos meses, quando devem seguir uma decisão legal e
desmantelar um assentamento julgado ilegal.
Enquanto isso, se observa um aumento da violência entre judeus extremistas de direita e palestinos.
Em um artigo no jornal israelense Maariv, um comandante regional foi citado dizendo que as ações de judeus extremistas "está crescendo... para eles, um livro como a Torá dos Reis não é apenas uma discussão teórica".