Hot Widget

Type Here to Get Search Results !

Atrocidade de séculos atrás contra judeus paira sobre Maiorca



Doreen Carvajal 
Palma (Maiorca, Espanha) 
The New York Times
As pedras antigas do centro histórico da ilha espanhola de Maiorca foram lapidadas por segredos ignorados pela maioria dos turistas que chegam às multidões em navios de cruzeiro vindos do efervescente Mediterrâneo.

Raramente os visitantes chegam com missões tão precisas como a do rabino Joseph Wallis e um pequeno grupo de rabinos ortodoxos de Israel: para tocar as pedras calcárias lisas de uma sinagoga do século 14 transformada em igreja católica romana. E para recitar uma versão do século 15 da Kaddish, uma oração para os mortos proibida com ameaças de morte na época e adiada por 320 anos.

Eles se reuniram na quinta-feira para um memorial, o primeiro realizado por um governo regional da Espanha para confrontar o seu obscuro legado de memórias enterradas. Os judeus, que praticavam secretamente sua religião, proibida durante a Inquisição, foram queimados na praça Gomila numa “fogueira de judeus” em maio de 1691, e os descendentes daqueles que se converteram foram alvo de uma discriminação que durou até o século 20. 


Foi “nosso pior pecado”, disse Francesc Antich, presidente regional das Ilhas Baleares, que incluem Maiorca, que não chegou a oferecer um pedido de desculpas pelo assassinato de 37 pessoas, incluindo três queimadas vivas, entre elas um ancestral de Wallis, Rafael Valls. “A memória abre as feridas, mas também ajuda a fazer justiça. Chegou a hora de fechar essas feridas que vêm sangrando geração após geração.” 


A discriminação continuou tão forte na ilha no oeste do Mediterrâneo que muitos dos descendentes dos convertidos, conhecidos localmente como “chuetas”, ainda se lembram de uma rima de infância, nos anos 60, que zombava dos sobrenomes de 15 famílias perseguidas pela Inquisição, ou então dos adultos que os ignoraram como amigos ou parceiros para casamento. Eles também se lembram dos chuetas mais velhos que passavam os dedos pelas pedras remanescentes da antiga sinagoga e beijavam discretamente as impressões digitais. 

“Havia medo, sempre medo”, disse Bernat Pomar, 78, violinista aposentado. “Por trás das cortinas, nós tínhamos medo. Os chuetas são especiais porque a comunidade de Maiorca nos moldou.” 

Pomar era um dos 15 nomes que estavam na rima infantil. Entre os outros, estavam Pico, Aguilo e Miró, o sobrenome do pintor Joan Miró, que morreu aqui em 1983. 

“Quando eu era criança, eles me insultavam muito, porque as crianças eram cruéis”, disse Pomar. “Hoje isso mudou, mas não foi esquecido.” 

Maiorca, que era uma ilha em grande parte isolada até a explosão do turismo chegar às Ilhas Baleares no final dos anos 60, foi um lar tenso para os descendentes de judeus, que se protegiam declarando publicamente a fé católica, participando de fraternidades para as procissões de Páscoa e entalhando crucifixos nas pedras do labiríntico bairro judeu da ilha. As extensas árvores genealógicas dos descendentes estão interligadas porque eles casavam entre si, rejeitados pelas antigas famílias cristãs. 

Com a chegada de multidões de turistas de países diferentes, a cultura da ilha começou a mudar, mas uma sinagoga modesta, a Comunidade Israelita de Maiorca, só foi aberta no centro de Maiorca nos anos 70. A sinagoga, construída numa rua secundária e protegida por uma barreira de estacionamento, continua tão escondida que os taxistas dizem nunca ter ouvido falar dela. 

Hoje, os chuetas se misturam e se casam com outros maiorquinos, mas ainda há uma certa tensão ligada à história e à cultura da Espanha, onde pesquisas feitas durante os últimos dez anos colocaram-na entre os países europeus com as mais fortes opiniões antissemitas. Uma pesquisa de Atitudes Globais da Pew de 2008 revelou que 46% dos espanhóis viam os judeus de forma desfavorável – a pior taxa da Europa na época – embora tenha havido alguma melhora desde então. 

Um estudo publicado no ano passado pela Casa Sefarad-Israel, uma agência do Ministério das Relações Exteriores espanhol fundada em 2006 para promover as boas relações com os judeus espanhóis e com Israel, descobriu que as visões negativas haviam caído para 34,6% da população espanhola. O número continua alto, entretanto, e as visões antissemitas tendem a se concentrar entre os espanhóis de tendência política mais à esquerda. 

Diego de Ojeda, diretor da Casa Sefarad-Israel, disse que muitos espanhóis nunca conheceram judeus, observando que alguns de seus amigos sabiam sobre o Hanukkah, por exemplo, só por terem assistido a um episódio de “Friends”. 

“Maiorca é muito específica porque é a única parte da Espanha onde existe uma comunidade descendente diretamente de judeus, que permaneceu distinta uma vez que os outros não se casavam com eles, até duas gerações atrás”, disse ele. “Há outros grupos que estão tentando resgatar seu passado judeu na Espanha, mas nesse caso os descendentes dessa comunidade são algo muito distinto, então este memorial só poderia ter acontecido em Maiorca.” 


Alguns dos chuetas estão tentando resgatar a religião de seus ancestrais, numa iniciativa nutrida pelo Shavei Israel, um grupo privado que oferece apoio e educação para descendentes de judeus que se converteram na Espanha e em vários outros países, incluindo Portugal, Itália, Polônia, Índia e China. A organização também apelou, sem sucesso, para que a catedral de Maiorca devolvesse dois “rimmonins” judeus cobertos de ouro, ornamentos rituais de 1493 exibidos numa vitrine na igreja. 

“Não estou aqui pela minha história pessoal”, disse Wallis, que junto com Michael Freund, fundador da Shavei Israel, viajou a Maiorca há três meses para pressionar por um pedido de desculpas e um serviço memorial no 320º aniversário do massacre de 1691. 

“Pedimos ao governo que realizasse um memorial para que os chuetas saibam que não precisam mais ter medo de serem judeus”, disse Wallis, que desde sua chegada encontrou parentes no bairro das joias de prata, onde alguns chuetas têm lojas familiares desde o século 17. 

Wallis, 64, nascido em Israel e criado em Nova York, é filho de dois sobreviventes do Holocausto do campo de Dachau. Seu pai, disse ele, lembrava-se de uma antiga Bíblia da família, perdida durante a 2ª Guerra Mundial, com o nome de Rafael Valls no topo da lista de ancestrais que foram mortos na fogueira. 

Na quinta-feira, sua voz ficou carregada de emoção enquanto ele lia a Kaddish do século 15, composta na Holanda, pelas vítimas de fogueiras, com um espaço em branco para inserir os nomes. 

O rabino Nissan Ben Avraham, que foi criado como católico e depois se converteu, para o espanto de seu pai chueta que era lojista em Maiorca, leu em voz alta os nomes das 37 vítimas da execução púbica de 1691, incluindo o nome de uma ancestral sua, Catalina Terongi. Ela foi queimada viva perto do antepassado de Wallis, Rafael Valls, e disse a ele, de acordo com registros meticulosos da Inquisição, para ignorar que suas roupas queimavam e não renunciar à própria fé. 

Entre os nomes lidos pelo rabino, cujo sobrenome é Aguilo, estava o de uma vítima de mesmo sobrenome que Pomar, o violinista aposentado. Sentado na última fileira, ele simplesmente assentiu com a cabeça. Pomar fez uma pequena festa para celebrar seu retorno ao judaísmo, junto com os rabinos visitantes de Israel. Aos 78 anos, ele passou por uma cirurgia de circuncisão e finalmente contou seu segredo para os filhos já crescidos na semana passada. 


Tradução: Eloise De Vylder

Postar um comentário

0 Comentários
* Please Don't Spam Here. All the Comments are Reviewed by Admin.

Top Post Ad

Below Post Ad

Ads Section