Qual poderia ser uma doença que ataca a pele e também as paredes e os móveis de uma casa? Esta é a pergunta imprescindível da parashat Metsorá.
A interpretação mais aceita e famosa é que se trata de uma metáfora sobre os efeitos do lashon hará: a calúnia, a difamação, o mexerico. O poder destrutivo desta prática ataca o aspecto externo da pessoa representado na pele, penetra em seu interior e atinge tudo o que a cerca. Uma família - representada pelas paredes de uma casa – se contamina com facilidade rapidamente. Todos os seus membros, se representados nos móveis, adquirem esse jeito de falar dos demais, de criticar, de procurar o ruim do próximo e desenvolver o tema sem fim.
Mesmo que na cultura popular da rua judaica seja típico o iachnerai, o judaísmo o persegue e o condena desde sempre. O capítulo de ética judaica assinala a abstenção do mexerico - evitar falar mal nas costas das pessoas - como uma das atitudes que trazem santidade à pessoa e a faz semelhante a Deus. O Salmo 34 diz que quem ama a vida e realmente deseja o bem é quem guarda a sua língua do mal. Os sábios estabeleceram mais tarde que quem humilha publicamente o seu próximo é considerado seu assassino. A liturgia de Iom Kipur pede perdão pelo que tenhamos falado mal.
A famosa piada judaica popular conta que um rabino estava dando a razão sistematicamente a duas pessoas que brigavam, quando chegou uma terceira pessoa que disse:
“Rabino, como é possível que o senhor dê razão aos dois, uma vez que estão dizendo coisas opostas?”
“Sabe de uma coisa” - replicou o rabino, “você também tem razão”.
Na minha humilde opinião, esta piada é mais séria do que parece. Se pretendemos acreditar que o rabino da piada é mais do que um mero diplomata gentil que busca o favor de todos, podemos imaginar que o rabino assumiu a difícil tarefa de buscar a verdadeira razão de todas as partes! Para isso é preciso acreditar a priori que todos têm uma razão, que todos possuem um bem, que todos guardam algo positivo.
O tratado de princípios éticos da Mishná, Pirkê Avot, diz: “Não há pessoa que não tenha a sua hora”, que não tenha seu momento de graça, que não mereça o teu momento de graça, a tua boa hora, o teu crédito na hora de avaliá-la. Em outro lugar, o Pirkê Avot indica que sábio é quem sabe aprender de todos - e para isso precisa acreditar, antes, que todos têm algo para ensinar. Que todos têm algo de bom.
O lashon hará é uma doença arrasadora. Segundo Pinchas Peli, ataca sempre no mínimo a três: a quem fala, a quem ouve e a quem é difamado. Segundo o rabino Iossi ben Zimra da Mishná, difama Deus como criador de tudo. Pode acabar com amizades, famílias, comunidades e sociedades inteiras. Mas segundo a comentarista Nechama Leibowicz, assim como ocorre com outras doenças, se a pegarmos a tempo, se buscarmos combatê-la sinceramente, com integridade, é possível vencê-la. Que possamos supor sempre o bem de cada um, sua sabedoria, sua dignidade e sua razão - e ir em busca delas em cada momento e em cada conversa.
Shabat Shalom.
Rabino Ruben Sternschein