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A (in)segurança israelense


Gilad - Coisas Judaicas


Bruno Huberman

“Gato escaldado”, Israel tem um rígido sistema de segurança, mas que pode estar em xeque. As suas peculiaridades fazem turistas passarem por situações um tanto delicadas

A El Al, companhia aérea estatal israelense, é a única do mundo que pede aos seus passageiros chegarem três horas antes do marcado para a decolagem. São duas horas para os trâmites comuns de qualquer voo internacional e uma de inquisição. Antes de passar pelo check-in, todos os passageiros são submetidos a uma entrevista. O motivo é único e simples: suspeita de terrorismo.

Inquisidores puxam de lado cada passageiro, ou o casal ou a família, e uns na frente dos outros descarregam uma bateria de perguntas: “por que você está indo para Israel?”, “foi você quem fez a sua mala?”, “você está levando alguma coisa para alguém?”, “você é judeu?”, “você respeita o shabbat?”, “você tem família em Israel?”, “você estudou em colégio judeu?”, “você participa de alguma festa tradicional judaica?”, “o que você come no jantar de Pessach?”, “no Yom Kippur, você vai sempre na mesma sinagoga?”, “qual sinagoga?”, “você gosta de ouvir o toque do chofar?”. Enfim, essa é a entrevista básica, em inglês ou em hebraico, se você tiver sorte consegue alguém para entrevistá-lo em português.

Agora, se você for considerado suspeito, nossos pêsames. Aquela horinha que tinha programado para o free shop já era. Eles vão abrir a sua mala fora da sua vista (é proibido trancar a mala em voos da El Al, eles vão acabar vasculhando os seus pertences mais cedo ou mais tarde), vão revirar o presente que você está levando para sua tia, vão chamar outra pessoa para entrevistá-lo, vão passar produtos químicos em suas mãos para saber se você teve contato com alguma droga ou arma biológica nas últimas horas e coisas assim.

Há também os casos mais singulares. Um amigo meu quase teve que abrir o gesso do pé quebrado para provar que estava fraturado e que não levava nenhuma arma dentro, uma vez que ele não tinha o raio-x da contusão como prova. Outro foi levado a uma sala reservada e obrigado a abaixar as calças para provar o seu “judaísmo”. 

Caso nenhuma suspeita seja comprovada, o passageiro ficará em quarentena até o momento do embarque. Isso tudo, vale ressaltar, em território brasileiro. Nas dependências do Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro, o Cumbica, em Guarulhos, ao norte do município de São Paulo. Imagina-se que a Infraero saiba das técnicas utilizadas pela estatal israelense para interrogar os seus clientes.

Os relatos acima descritos são de brasileiros que participaram do programa Birthright Experience (experiência pelo direito de nascença), que leva jovens de todo o mundo para Israel, gratuitamente, para uma viagem de dez dias pelo simples fato de terem nascido judeus. A entidade, baseada nos EUA, é mantida por doação de judeus de todo o mundo e recebeu, apenas em 2010, uma doação do governo de Israel de 100 milhões de dólares. Imagina-se por o que passam os árabes não-israelenses ou aqueles que já estiveram em países considerados inimigos da pátria, como Síria, Irã, Líbano, ou até mesmo, os “aliados” Egito e Jordânia.

Essa paranóia registrada em um simples voo comercial São Paulo-Tel Aviv é fruto dos anos de insegurança que Israel convive desde a sua criação e as inúmeras guerras por qual passou. A partir de 1948, quando a ONU partiu o território palestino e foi proclamada a criação de Israel, o seu povo já enfrentou pelo menos nove grandes conflitos armados: a Guerra da Independência (1948), a Guerra do Suez (1956), a Guerra dos Seis Dias (1967), a Guerra de Yom Kippur (1973), a Primeira Guerra do Líbano (1982), a Primeira Intifada (1987), a Segunda Intifada (2000-05), a Segunda Guerra do Líbano (2006) e o Massacre de Gaza ou Operação Chumbo Fundido (2008). Muito para uma nação de apenas 62 anos de idade.

As circunstâncias históricas tornaram Israel em um país extremamente militarizado, belicamente e ideologicamente. O país passou a exportar o seu know-how em segurança, público e particular. Até mesmo o treinamento das forças de segurança para as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 conta com especialistas israelenses. Para eles não é estranho um garçom de um pub em Jerusalém servir com duas pistolas no coldre. 

Normal para um país em que todos os jovens já passaram pelo serviço militar obrigatório, homens e mulheres. Até mesmo os beduínos e os drusos são obrigados a se alistar. Os únicos que escapam são os judeus ortodoxos e os árabes, por motivos religiosos e “estratégicos”, respectivamente. O Ministério da Defesa de Israel recebe metade do Orçamento do Estado e é o único sediado em Tel Aviv, enquanto todas as outras representações públicas ficam em Jerusalém.

A vigilância e a paranóia aumentaram durante a Segunda Intifada, que representou o fracasso nas negociações de paz com a Palestina, portanto o fim do Acordo de Oslo, e o início da mais sangrenta batalha entre israelenses e palestinos. O número de atentados terroristas em território israelense chegou a um e meio a cada dois dias no início da Intifada. 

O mundo passou a conhecer o Hamas, inimigo número 1 de Israel desde então. Ao todo foram 3,8 mil palestinos mortos e cerca mil israelenses durante o conflito. O resultado, em questão de fiscalização, foi a criação de diversos check-points (nas fronteiras entre Israel e Cisjordânia e dentro do território palestino), a instalação de inúmeras câmeras (inclusive em Jerusalém, apenas na Cidade Velha são 400) e o denominado Muro da Cisjordânia, ainda durante o confronto.

O Muro desrespeita as fronteiras do que deveria vir a ser um dia a Palestina, dividiu famílias árabes e trouxe um clima de tranquilidade para o lado israelense. A pressão internacional foi devidamente calada pelos EUA de George W. Bush quando o primeiro-ministro Ariel Sharon iniciou a sua construção em 2002. As ações das Forças Armadas israelenses na Cisjordânia desmantelaram o Hamas e acabaram com os atentados terroristas antes mesmo da conclusão do primeiro quarto do Muro, trazendo dúvidas aos palestinos sobre as reais intenções de sua instalação.

Os únicos que podem atravessar o Muro do lado palestino para o israelense são os chamados árabe-israelenses. Eles têm uma permissão especial do governo de Israel que lhes garante o trânsito livre entre os dois territórios. Além deles, apenas os estrangeiros podem realizar a travessia. Judeus israelenses e palestinos não. Passar por um check-point pode levar minutos ou algumas horas. Soldados com idade em torno dos 18 anos e uma metralhadora M-16 em punho fazem a fiscalização. 

Muçulmanas de véu passam pelo detector de metais similar ao de um aeroporto. Em um leitor digital, separado por dois vidros blindados em que do outro lado estão militares israelenses, verifica-se a autenticidade da identificação. A destreza com que os palestinos realizam todos os passos exigidos é de quem os cumpre diariamente. Dos passageiros do ônibus que custa 6,50 shekels para ir de Ramallah a Jerusalém, a maioria são jovens de cadernos a tiracolo, provavelmente estudantes na cidade israelense.

No entanto, a confiança dos israelenses em seu exército e na segurança nacional está em xeque e tem nome: Gilad Shalit. O jovem soldado foi capturado pelo Hamas em Kerem Shalom, próximo a Faixa de Gaza, em 25 de junho de 2006. Em 19 de fevereiro, completou 1,7 mil dias como refém. Muitos alegam que a invasão de Gaza em 2008 tinha como principal objetivo resgatar o soldado (desde 2007, quando o Hamas ganhou as eleições locais, o estreito sofre um embargo econômico de Israel, assim como um isolamento geográfico dos vizinhos israelenses e egípcios). 

Os pais de Shalit, há mais de um ano, montaram uma tenda em frente de onde despacha o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para pressioná-lo a tomar alguma atitude. A última proposta do Hamas, apresentada em 2009, ainda está em aberto: uma troca de mil presos políticos palestinos pelo soldado israelense. “O exército de Israel é forte porque os seus soldados se arriscam muito porque sabem que alguém irá resgatá-los caso aconteça algum imprevisto. É uma questão de confiança. 

O Gilad Shalit representa o fim deste pacto. Caso ele não seja resgatado, os soldados e os cidadãos israelenses não terão a mesma confiança em seu exército e a insegurança tenderá a aumentar”, afirma o jornalista israelense Michael Warshawski, do Centro de Informação Alternativa (http://www.alternativenews.org/), que participou da cobertura de todos os conflitos israelenses desde a Primeira Guerra do Líbano.

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