Um dia José fora um jovem sonhador, mas seus sonhos foram rasgados pelos próprios irmãos, que o jogaram em um poço seco e escuro. No fundo do poço, a decepção, a dor e a raiva, presumem-se, eram grandes.
O tempo passou para José. Aliás, José não: Senhor Tsafnat Panêach, casado com a aristocrática Asnat bat Potifera e pai de dois meninos: Menashe, que o faz esquecer do sofrimento nas mãos dos irmãos; e Efraim, que o faz se orgulhar do presente bem sucedido na terra em que chegara como escravo.
Do poço seco aos anos de seca. José não sonha mais. Ele domina o povo do Egito e exige elevados impostos em troca de comida. Quando não há mais o que tirar, o tirano faz com que as pessoas entreguem suas terras e vendam o único bem que lhes resta: a força de trabalho. O Egito depende das decisões e humores de um homem amargurado: José.
É este o contexto que espera pelos filhos de Jacob quando vão ao Egito para comprar alimentos. Eles chegam e se prostram. José os reconhece, faz-se de estranho e pega pesado com eles. Há anos parece esperar por este momento. Acusa-os de espiões e os prende por três dias, enquanto escuta como estão angustiados e assustados – sem que eles saibam, pois nem imaginam que o senhor do Egito entende a língua deles. Por três vezes José se esconde para chorar, mas em público acusa, prende, bate, exige. Uma hora dissimula bondade com aquela gente, mas manda esconderem um cálice na bolsa de Benjamin e o acusa de roubo. Pasmo com a armação, Judá lhe diz: “O que dizer ao meu senhor? O que falar? Como justificar?” Não há o que dizer. Todos sabem da farsa. Mas o poder está com José.
O passado volta a assombrar Judá. Eles largaram José num poço no meio do deserto. Não sujariam as mãos de sangue – ele morreria sozinho e ninguém escutaria seus gritos. Os irmãos inventam a sua versão a Jacob: “Pai, que desgraça, José foi devorado por um animal selvagem!” Oxalá ninguém saberá o que realmente aconteceu. Mas Judá não suporta e propõe aos irmãos: “Que proveito teremos em matar nosso irmão? Vamos vendê-lo...” E eles o escutaram. Graças a Judá, a raiva dos demais é aplacada e José sobrevive.
Agora Judá se encontra na situação inversa. José tem o controle da situação e coloca os irmãos numa espécie de poço sem saída. Judá também não suporta ver isso. Como reagir? Como você reagiria?
O comentarista Rav Chaim Paltiel apresenta uma possível reação de Judá: quando José pegou Benjamin no Egito, Judá deu um grito tão alto e raivoso que sua voz foi escutada até em Canaã. Grito de guerra. Uma revolta dos irmãos liderada por Judá contra o tirano egípcio – José – iria explodir.
No entanto, não foi esta a reação de Judá. Eu o imagino respirando fundo. Judá contém a raiva, segura as mãos, olha nos olhos de José e o aborda em voz baixa: “Eu te peço, meu senhor, deixe-me dizer uma palavra no seu ouvido...” Diante das palavras pesadas e da humilhação à qual aquele poderoso egípcio os submetia, Judá escolhe não devolver na mesma moeda, mas sim falar ao coração: “Temos um pai idoso que ao seu lado tem apenas o filho mais novo de sua segunda esposa. Eram dois, sabe? Mas o mais velho morreu. Nosso pai morrerá se perder também este filho. Meu senhor, façamos assim: eu fico como escravo no lugar do meu irmão. Assim você nos punirá, mas nosso pai não morrerá de desgosto.”
O suposto grito de raiva de Judá que toda Israel escutou existe somente na imaginação dos comentaristas da Torá. Porém, ao ser abordado delicadamente por Judá, em voz baixa e ao pé do ouvido, José não pôde mais se conter. Seus gritos de choro foram tão altos que todo o Egito escutou. Como José reagiu? Como você reagiria? Pela primeira vez, José abordou os irmãos em tom conciliatório: “Aproximem-se”. E eles se aproximaram. “Eu sou José, o irmão de vocês.” Eles se abraçaram e se beijaram – “e seus irmãos falaram com ele”.
Diante das duras palavras do homem forte do Egito, Judá tinha duas escolhas: reagir na mesma altura e partir para a guerra; ou conter-se e abordar o outro com delicadeza, direto ao coração. Judá optou pelo segundo caminho.
Shabat shalom, de Jerusalém
Uri Lam