Anna Rosa Campagnano Bigazzi
As graves crises com repercussões econômicas e sociais posteriores a Unificação Italiana (1861-1870) e a Revolução Industrial, que substituiu a mão de obra pelas máquinas, levaram os proprietários de terras, arrendatários e assalariados à miséria.
Assim além da miséria, as doenças (como a pelagra, o escorbuto, a tuberculose e o raquitismo), causadas pela precária situação de vida dos camponeses e as pragas que atacavam as plantações de pimenta-preta, vinhedos, arrozais e oliveiras (que prejudicavam também a criação do bicho da seda), etc. foram as causas da emigração italiana a partir de 1875.
Outros fatores que favoreceram a emigração em massa dos italianos foram, também, o constante deslocamento de camponeses que, sem especialização e contrato de trabalho, viviam perambulando de um lado para outro sem emprego fixo, procurando as colheitas da estação e, em estações improdutivas tornavam-se pedreiros, tecedores, ceramistas, marceneiros, etc.
Despertados pelos anúncios das agências de emigração e pela propaganda, muitas vezes enganosa, publicada nos jornais italianos esta população humilde embarcou rumo aos paises da América do Norte e do Sul, além da Austrália e da Nova Zelândia. Os primeiros emigrantes foram principalmente os camponeses do norte da península.
Entre 1878 e 1920, houve a Grande Emigração e, conforme dados do IBGE entraram cerca de 1.331.158 italianos que representam mais dos 39% da emigração total no Brasil.
Para regular estes fluxos emigratórios foram formuladas na Itália muitas leis, entre as quais podemos citar a nº. 5877, de 30 de setembro de 1888, sobre a plena liberdade de emigrar e normas comportamentais; a nº. 23, de 31 de janeiro de 1901 que criou um órgão específico, o Comissariado Geral da Emigração (CGE), que estava subordinado ao Ministério do Exterior e deveria administrar todas as instituições que, na Itália e no exterior, se ocupariam da proteção dos emigrados.
Este organismo gerenciava, também, o Fundo para Emigração, que recebia uma taxa de oito liras para o transporte de cada emigrante. Em 26 de março de 1902, foi promulgado o Decreto Prinetti (nome do ministro do Exterior), que proibiu a emigração subsidiada para o Brasil de grupos coletivos, devido ao excessivo endividamento dos emigrantes com os doadores de trabalho brasileiros. A emigração somente seria permitida mediante contratos aprovados pelo CGE.
A estrutura econômica do Brasil, herdada dos tempos coloniais baseava-se em três elementos: latifúndio, agricultura de exportação e trabalho escravo. Como conseqüência a entrada dos emigrantes a partir do século 19 direcionou-se para dois focos: a pequena propriedade agrícola, principalmente nos estados do Sul, e as fazendas de café do oeste paulista, onde os italianos eram empregados como mão-de-obra assalariada. Foi esta ultima opção que predominou no país durante as primeiras décadas do século 20, momento áureo da produção cafeeira no Estado de São Paulo.
Se considerarmos a história da imigração no Brasil, podemos constatar que os italianos entraram no país em fases diferentes. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Entre 1500 e final de 1600 houve uma limitada entrada de viajantes italianos representada por personalidades da cultura ou de extração social elevada. Com a chegada da imperatriz Maria Cristina, irmã do Rei das Duas Sicílias, mulher de Dom Pedro II e mãe da Princesa Isabel, vieram alguns cortesões e artistas italianos.
Entre 1820-1840, entraram no Brasil refugiados políticos italianos como G.
Garibaldi, Tito Livio Zambeccari e Libero Badaró.
No periodo entre 1890 e 1906, chegaram os anarquistas italianos que, entre outros, contribuiram ativamente com o movimento operário no Brasil.
Em 1890 foi criada, pelo italiano Giovanni Rossi, a Colônia Cecília, cujo lema, escrito inclusive na entrada era “Sem lideres nem patrões”. Zelia Gattai em seu livro “Città di Roma” narra a experiência de sua família que fez parte dos pioneiros fundadores desta Colônia. Paralelamente a estas emigrações, entre 1880 e 1924, aconteceu a Grande Emigração.
Em 1870 pelo que concerne a situação dos judeus italianos, que até este período viviam em guetos (instituídos em 1555), podemos afirmar que estes, com a Unificação, tornaram-se socialmente, economicamente e politicamente iguais aos outros italianos; assim eles não sentiram necessidade de emigrar para melhorar seu estado de vida. Alguns judeus, porem, emigraram e apesar de não existir uma estatística especifica sobre quantos destes chegaram ao Brasil durante a Grande Imigração, podem chegar a algumas dezenas.
De fato, existem em estudos sobre a emigração italiana (em particular, no livro “Italianos no Brasil” de Franco Cenni) nomes de italianos judeus que podem ser identificados como tais por seus sobrenomes. Nos túmulos de judeus sepultados no Cemitério de Vila Mariana, em São Paulo, antes de 1930 há judeus italianos. (NOTA Os sobrenomes foram comparados com os encontrados no antigo texto de Samuele Schaerf “Os sobrenomes dos judeus italianos” que recolhe cerca de 10.000 sobrenomes). Para o período que vai do começo de 1900, podemos citar os nomes Lattes, Levi, Mayer, Lopes, Servadio e até um Mazzini, provavelmente filho de casamento misto onde a mãe devia ser judia.
Com a chegada ao poder de Mussolini, em 1922, chegaram ao Brasil, alguns emigrantes fascistas, considerados, pelo Estado Italiano um meio de irradiação das idéias políticas. Esta emigração teve como conseqüência manifestações da parte do antifascismo ítalo-brasileiro e a fundação, em 1923, do primeiro jornal antifascista “La Difesa” por iniciativa de Antonio Piccarolo (1863-1947).
A partir do final de 1938, inicio 1939, aconteceu a emigração dos judeus italianos que fujiam do fascismo e das leis raciais de Mussolini, procurando encontrar no Brasil, um lugar onde viver livremente e seguir suas próprias tradições, sem medo ou diferenciação.
Os judeus italianos chegaram ao Brasil durante o Estado Novo, quando da restrição à imigração efetuada em nome “da construção de uma nação forte, de uma raça eugênica e da proteção ao trabalhador”.
Não era fácil obter os vistos para a entrada no país. Através de pesquisas efetuadas no AHI no Rio de Janeiro, encontrei poucos vistos indeferidos a pessoas identificadas. Porém numerosos são os documentos que demonstram que os Consulados brasileiros em várias cidades italianas, entre as quais Trieste, Genova e Livorno, negaram vistos a semitas durantes meses seguidos, apesar de terem recebidos centenas de pedidos. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Assim não é possível calcular o numero exato dos vistos negados; vistos que continuaram a ser negados também depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com duas Circulares Secretas, durante o governo Dutra e quando Jorge Latour era Presidente do CIC, Conselho de Imigração e Colonização. Dos judeus italianos que foram entrevistados, a maioria obteve seus vistos por meio de cartas de chamadas, amizades, corrupção, falsas identidades de trabalho, convite por parte de Universidades brasileiras (como no caso de Giorgio Mortara).
O censo de 22 de agosto de 1938 computou 57.425 pessoas (pessoas de raça judaica, ou seja, com no mínimo um dos pais judeus). Na realidade o numero verdadeiro de judeus identificados neste censo foi mantido em segredo para não revelar o numero real inferior a quanto propagado pela mídia fascista.
Destes judeus, a partir de 1938 expatriaram cerca de 6.000 judeus de nacionalidade italiana o que corresponde a 12,6% da população judaica recenseada em 1938.
Os personagens a serem considerados nesta palestra são de um lado os judeus italianos e Mussolini, e do outro Vargas e Oswaldo Aranha.
Entre esses personagens se insere o papel do Secretario da Embaixada brasileira em Roma, Jorge Latour (1937-1938), presente no período da preparação e proclamação das leis raciais.
Este diplomada elaborou, por determinação do embaixador brasileiro na Itália, Adalberto Guerra Duval, dois detalhados relatórios sobre a “Questão Racial na Itália” destinados ao Ministro dos Negócios Exteriores no Brasil (O. Aranha).
Resulta evidente nestes relatórios a simpatia pelo regime fascista e por Mussolini por parte do embaixador e do secretário, enquanto transpira a intenção não somente de informar quanto à de estimular uma atitude por parte do governo Vargas a emular e seguir, a mesma política racista e anti-semita do governo fascista italiano que abrangia segundo o embaixador, aspectos de preservação da raça italiana, incluindo um programa anti-semita apoiado em fundamentos de ordem social e racial.
A atitude do governo Vargas, durante o Estado Novo, contra a entrada de judeus no Brasil se processou de forma secreta, sistemática, controlada pelo Ministério das Relações Exteriores através de circulares secretas, memorandos e ofícios. Os componentes anti-semitas do regime Vargas foram assimilados pela antiga oligarquia portadora de valores católicos e de uma tradição racista da elite, e, em parte, pela classse media emergente caracterizada por valores burgueses e urbanos.
Oswaldo Aranha é um personagem muito discutido. Apesar de ter favorecido a formação do Estado de Israel como Presidente da Assembléia da ONU em 1948 (talvez para evitar que as correntes dos judeus deslocados da guerra ou sobreviventes do Holocausto viessem a se refugirar no Brasil?), assinou todas as Circulares Secretas (feita exceção pela n. 1.1127, de 7/6/1937) sendo responsável na época pelo Ministério do Exterior Mario de Pimentel Brandão. Aranha, em 30/11/1937, vetou às companhias de navegação de vender passagens aos judeus, pois seria proibida sua entrada no Brasil e vetou a entrada de 500 crianças judias
que acabaram sendo enviadas para os lager.
Mussolini teve uma posição ambígua, oportunista e não objetiva para com os judeus e com o sionismo. Pouco antes do inicio da discriminação contra os judeus, a conquista da Etiópia (1935-1936) ofereceu-lhe a ocasião para promulgar as primeiras normas racistas, discriminatórias e segregacionistas na Itália. A primeira Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
destas foi a elaboração de um Decreto-Lei (9 de abril de 1937) destinado à proibição das relações de tipo conjugais entre cidadãos italianos e negros. Assim a imagem deformada do negro difundida entre os italianos se transformou no cavalo de Tróia por meio do qual o racismo anti-semita penetrou na Itália.
Ao magma ideológico-político do nacionalismo alemão e italiano, até a véspera da Segunda Guerra Mundial, se misturavam várias correntes multiformes: a antropologia racial obcecada pela idéia de um domínio “ariano”, o darwinismo social fundado sobre o conceito de “seleção natural” e a “eugenia” dos mais fortes, cujas correntes mais radicais projetavam utopicamente a fabricação artificial de uma espécie superior.
No Brasil, o argumento principal era o projeto de povoamento executado pelo Conselho de Imigração e Colonização e diretamente subordinado à Presidência da Republica. Esse projeto de ocupação do território nacional foi levado adiante por Vargas, numa versão renovada das idéias de branqueamento.
Neste contexto devem ser analisados os dois relatórios organizados por Jorge Latour, por determinação do embaixador em Roma Adalberto Guerra Duval, e enviados pra Oswaldo Aranha, Ministro do Estado das Relações Exteriores desde 1937.
Para A. Duval, a finalidade fascista de preservar a raça itálica era um tema de inegável importância a ser imitado pelo o Brasil, razão pela qual os relatórios encomendados a Jorge Latour tinham como objetivo principal convencer Vargas e Aranha a assumir uma posição contra os judeus, a fim de preservar a nação das raças indesejáveis ou inassimiláveis: Oficio n. 203, Campanha racista. 640.16 96 AHI, enviado por O. Aranha, ministro das Relações Exteriores em Roma 16 de agosto de 1938.
Os judeus italianos refugiados em São Paulo, entre 1938 e 1941, se autodenominaram “Colonia Mussolini” pelo fato que foi devido às leis racistas de Mussolini que eles decidiram deixar a Italia e emigrar para o Brasil. A maioria dos emigrantes escolheu o Brasil como ultima opção, como o único pais do qual conseguiram um visto de entrada. Muitos deles não sabiam quase nada sobre este país, mas depois ficaram satisfeitos pela escolha feita, considerando o povo brasileiro acolhedor e prestativo.
O emigrante, em geral, está sujeito a ter momentos de desamparo, como insegurança e angústia. Apesar da ajuda recebida, encontrar-se longe de casa e da família e as dificuldades de adaptação ao novo ambiente facilitaram a saudade e episódios de depressão, especialmente entre as mulheres.
Poder-se-ia falar de verdadeiros traumas que acompanharam esta emigração racial, traumas que depois de um período de latência, variável com a história de cada um, mostrou seus efeitos profundos e duráveis. Tendo realizado muitas entrevistas com filhos de judeus italianos, que partiram junto com os pais em 1939 ou nasceram no Brasil, e, infelizmente, com poucos dos que decidiram deixar a Itália, posso afirmar que estes foram submetidos a várias situações potencialmente traumáticas.
Como exemplo cito o depoimento de Fulvia Iesi Di Segni, uma judia de Trieste que chegou ao Brasil em 1939, com o navio Oceania. Fulvia na época tinha 18 anos.
Através de suas palavras encontrei alguns fatos que podem ser considerados como traumáticos: Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
As leis que colocavam os judeus novamente na condição de discriminados; ser obrigado a deixar o próprio país e os afetos mais importantes, ou seja, o desraizamento e o sucessivo transplante de uma geração, junto com o horror da perda repentina de todas as ligações com o próprio pais e a própria família: Eis-nos transformados em turistas! Começamos a viver nossa tragédia em profundidade.
Eu tinha consciência do extremo valor de cada minuto daqueles poucos dias que nos restavam...da despedida; de ter que enfrentar um futuro em lugar desconhecido; o trauma da saudade: pouco a pouco o micróbio da saudade estava atacando profundamente todo meu ser... a vista dos navios italianos que depois da guerra tinham voltado ao porto de Santos... simples palavras em italiano...uma antiga canção em uma pizzaria deixava-me perturbada até as lágrimas... Adorava meu marido, filhos, casa trabalho mas era só fechar os olhos... que me encontrava percorrendo a trilha azul do Oceano Atlântico... saudade que melhorou com a minha primeira viagem de volta, como turista em 1952... em particular quando voltei para Trieste onde, junto com as lagrimas de alegria por rever a cidade, chorei também a perda
de muitas pessoas amigas.....