Interpretando Sonhos e Sonhadores

Interpretando Sonhos e Sonhadores

magal53
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 Parashat Vaietse 

Por Rabino Eliahu Birnbaum Um dos sonhos mais maravilhosos que alguma vez sonhou um homem, foi o sonho de Yaacov quando saiu da casa de seu pai rumo a Haran. JĆ” na antiguidade bĆ­blica o sonho suscitou uma atitude de respeito e valorizaĆ§Ć£o juntos, Ć© verdade, com uma certa suspeita e, inclusive, uma sincera reserva. Esta ambivalĆŖncia divide tambĆ©m o texto talmĆŗdico e se prolonga atĆ© nossos dias. 

A tensĆ£o entre uma atitude que vĆŖ no sonho uma possibilidade transcendente e aquela que o considera um fenĆ“meno natural que nĆ£o vai mais alĆ©m do psĆ­quico do indivĆ­duo que sonha, gera, em seu movimento, a riqueza simbĆ³lica irredutĆ­vel da vida onĆ­rica. O sonho nĆ£o Ć© somente o terreno onde surgem os sĆ­mbolos, mas Ć© tambĆ©m o modo de expressĆ£o do figurado por excelĆŖncia. 

Em outras palavras, o sonho Ć© sĆ­mbolo que fascina, comove e clama por ser interpretado. A concepĆ§Ć£o dos sonhos no judaĆ­smo e no mundo moderno Ć© distinta e origina interpretaƧƵes que nĆ£o possuem o mesmo tom nem a mesma orientaĆ§Ć£o. O Rabino Kuk se refere ao valor do sonho e a seu alto significado como superaĆ§Ć£o da realidade e como via de acesso a "verdade do ser" mais Ć­ntima. 

Outros pensadores tentam definir o sonho como "conjunto de vivĆŖncias" que se suscitam ao dormir e que sĆ£o lembrados na insĆ“nia. PorĆ©m estas vivĆŖncias existem durante o sonho como a prĆ³pria realidade. Erich Fromm ressalta o desenvolvimento da concepĆ§Ć£o do sonho ao assinalar a importĆ¢ncia do fenĆ“meno onĆ­rico para a compreensĆ£o da vida inconsciente.

Em seu importante livro a interpretaĆ§Ć£o dos sonhos, Freud fundamenta sua concepĆ§Ć£o de que o sonho nada mais Ć© do que o desejo expressado de distintos modos. O sonho da escada que vai ao cĆ©u inaugura o ciclo de Yaacov, fundando seu itinerĆ”rio ascendente. A escada assinala o caminho ao "alto". 

PorĆ©m nĆ£o apenas isso, ela Ć© o sĆ­mbolo da comunicaĆ§Ć£o ininterrupta entre o homem e o Criador. Seus anjos (tambĆ©m “enviados”, em hebraico bĆ­blico) sobem e descem comunicando os desĆ­gnios Divinos. Ao despertar, Yaacov, depois de ter escutado a promessa Divina, denomina o lugar de seu sonho Bet-El, pois este, nada mais era, em sua opiniĆ£o, do que a Casa de D-us e a Porta do CĆ©u. 

Trata-se de um pacto que se baseia na promessa e na fundaĆ§Ć£o do lugar: Bet-El. Este pacto contĆ©m a presenƧa ativa de D-us no sonho e a resposta ativa de Yaacov ao despertar. A escada intervĆ©m entre ambos momentos do pacto. O sublime e o terreno se unem atravĆ©s da imagem da escada. Yaacov, que declara nĆ£o saber que D-us estava ali, estabelece seu reconhecimento ao conceito de OnipresenƧa Divina. 

Em qualquer lugar, em todo lugar, estĆ” D-us. PorĆ©m o lugar de Sua RevelaĆ§Ć£o nĆ£o Ć© qualquer lugar; converte-se em Sua Casa. Desde o extremo superior da escada ao inferior, transmite-se o carĆ”ter sacro pelo qual um simples lugar se converte num lugar sagrado. A parte inferior da escada estĆ” assentada na terra e Yaacov repousa sobre ela. 

A visĆ£o onĆ­rica recorre Ć  escada atĆ© posar finalmente na imagem do D-us da Promessa. A promessa eleva a Yaacov; a ordem dos versĆ­culos corresponde a essa elevaĆ§Ć£o do geral ao particular. 

Da generalidade espacial; "A terra na qual estĆ”s deitado, darei a ti e a tua descendĆŖncia" e a generalidade temporal anunciada em: “SerĆ” tua descendĆŖncia como o pĆ³ da terra”, aos cuidados de um D-us tutelar: “E aqui eu estou contigo...” Ɖ possĆ­vel interpretar este singular sonho de Yaacov partindo tambĆ©m, do ponto de vista psicolĆ³gico ou histĆ³rico.

O sonho de Yaacov, o sonho da escada, Ć© uma sĆ­ntese da vida de Abraham e de Itzchak, as quais de algum modo representam modelos opostos, segundo o relatado na TorĆ”, sobre seus modos de vida, mesmo que nĆ£o seja feito de maneira explĆ­cita. Abraham responde as ordens celestiais, enquanto que Itzchak se encontra atado a terra nĆ£o apenas fisicamente, mas tambĆ©m emocionalmente, como demonstrado por seu amor a Essav. 

Evidentemente, Abraham caminha pela terra seguindo ordens celestiais; obviamente tambĆ©m Itzchak, o prisioneiro, aceita o jugo celestial. Mas apenas em Yaacov se conjugam estas duas bases no terreno simbĆ³lico e no real, nos sonhos e na vigĆ­lia. A luta entre a essĆŖncia bĆ”sica de Abraham e de Itzchak gera a escada pela qual baixa o mesmo D-us que responde as angustias de sua alma. 

Yaacov Ć© abenƧoado atravĆ©s de todo o bem material, havendo estado unicamente com seu bastĆ£o e sua mochila, carente de tudo, com apenas uma pedra embaixo de sua cabeƧa. TambĆ©m seu avĆ“, Abraham, abandonou a casa de seu pai e sua terra, mas nĆ£o estava fugindo, havia recebido uma ordem Divina e tinha uma meta conhecida, uma finalidade. Yaacov escapa da terra que era a prĆ³pria finalidade, por temor a seu irmĆ£o, com rumo ao desconhecido. 

Ɖ o primeiro exilado. O Midrash nos apresenta uma explicaĆ§Ć£o histĆ³rica sobre este sonho que parece sumamente atual e moderna em nossos dias, quando a concepĆ§Ć£o histĆ³rica toma um lugar tĆ£o importante: “Disse Rabi Shmuel Bar Nachman: refere-se aos ministros das naƧƵes... e ensinou D-us a Yaacov o ministro do reino da BabilĆ“nia elevando-se durante setenta anos para depois descer; o ministro do reino Medo elevando-se durante cinqĆ¼enta e dois anos para em seguida descer, o ministro do reino da Gracia elevando-se durante cem anos e logo depois descer, e o de Edom para elevar-se e em seguida descer. 

Nesse momento temeu Yaacov e disse: „por acaso este nĆ£o descende‟?, e D-us lhe respondeu: 
„Por isso nĆ£o temas, meu servo, Yaacov... nem te desesperes, Ć³ Israel‟ (Jeremias 30:10); „ e mesmo que aparentemente vĆŖs que ascendes e te aproximas de Mim, de aĆ­ o baixarei, como estĆ” dito: embora subas ao alto como a Ć”guia e ponhas o teu ninho entre as estrelas, dali te farei descer‟”. (Obadias 1:4)

De acordo com este Midrash, o sonho apresenta um quadro histĆ³rico da humanidade, o ascender e descender dos povos e suas culturas atĆ© o fim das geraƧƵes. A explicaĆ§Ć£o do Midrash Ć© que tal sonho nĆ£o se refere a Yaacov, o homem que foge da casa de sei pai, mas a Yaacov-Israel, da naĆ§Ć£o que perambula por terras e Ć© conduzida, geraĆ§Ć£o apĆ³s geraĆ§Ć£o, entre povos gigantes; naĆ§Ć£o exilada de toda terra. 

O Midrash prevĆŖ a elevaĆ§Ć£o dos povos e dos reinos do Egito, AssĆ­ria, BabilĆ“nia, PĆ©rsia e GrĆ©cia, e a decadĆŖncia de Roma e de seus descendentes denominados com o nome de Edom pela literatura do midrash, os pensadores e versificadores, os poetas e os exegetas da Idade MĆ©dia. Esta escada – o tempo – na qual toda ascensĆ£o depende de algum descenso e toda construĆ§Ć£o estĆ” apoiada nas ruĆ­nas de outra precedente, nĆ£o Ć© uma escada infinita: em seu extremo se encontra D-us. Deste modo ocorre o primeiro sonho bĆ­blico e um dos mais profundo: uma escada estava apoiada na terra e seu cume chegava aos cĆ©us. 

Sobre seu extremo se apoiava D-us, o D-us de Abraham, de Itzchak e D-us dos cĆ©us e da terra. E esta escada nĆ£o Ć© silenciosamente abstrata, mas intensamente viva, degraus pelos quais sobem e descem anjos... 

A imagem da escada do sonho de Yaacov – em seu caminho ao exĆ­lio – vem fortalecer no seu coraĆ§Ć£o a idĆ©ia fundamental que ensina que a vida do homem nĆ£o Ć© horizontal, mas vertical, e possui depressƵes e alturas invisĆ­veis, mesmo que reais. A fim de lembrar-lhe que as lutas que o esperam em seu caminho atĆ© a casa do trapaceiro Laban nĆ£o representam mas que desafios para seu espĆ­rito. Caso os venƧa merecerĆ” ser e serĆ” Yaacov.

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