"A História de Eva" (Record, 2010) revela como Eva Schloss, uma adolescente entre os seus 10 e 16 anos, conseguiu enfrentar as privações da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), passou pelo pesadelo de Auschwitz-Birkenau --maior conjunto de campos de concentração nazista--, e sobreviveu, com sua mãe, ao Holocausto.
Escrito pela própria Eva, em parceria com Evelyn Julia Kent, o livro remonta a vida da garota desde os momentos que precederam a guerra até a conclusão do conflito. A obra também conta como a personalidade da autora e a educação que recebeu permitiram com que superasse todas as provações às quais foi exposta e como era a relação dela com os pais e o irmão.
O volume é considerado pela crítica como uma continuação do "Diário de Anne Frank" (BestBolso, 2007), um dos relatos mais conhecidos no mundo. Eva e Anne viveram no mesmo conjunto habitacional na Holanda, país para o qual suas famílias austríacas, que se conheciam de vista, haviam fugido da perseguição alemã aos judeus.
Enquanto o livro de Frank retrata o período em que sua família viveu em um compartimento secreto até serem denunciados e capturados, Schloss fala também do que aconteceu depois, quando foram levados para prisões holandesas e posteriormente para os campos, onde eram tratados pior do que animais, com torturas, trabalhos forçados e assassinatos em massa.
A protagonista sobreviveu por pouco à seleção de chegada feita em Birkenau. Nesse primeiro momento, velhos e crianças eram selecionados para a câmara de gás. Vestida com um casaco de adulto, Eva confundiu o guarda da triagem e logo se tornou uma das mais jovens do seu grupo de prisioneiras.
Lá, passou por fome extrema, espancamentos, torturas físicas e psicológicas, frio, doenças, ataques de parasitas e até um assustador encontro com o médico Josef Mengele (1911-1979), que fazia experimentos cruéis com os prisioneiros. Por sorte e persistência, conseguiu sobreviver com sua mãe. Infelizmente, seu pai e irmão não resistiram.
Anne Frank (1929-1945) também morreu em um dos campos. Teve tifo depois de ser transferida com sua irmã de Auschwitz-Birkenau para o campo Bergen-Belsen. Seu pai, Otto Frank (1889-1980), foi o único sobrevivente da família e se casou com a mãe de Eva, o que fez dela irmã póstuma de Anne.
Leia trecho de "A História de Eva".
*
Enquanto o trem se movia, dias e noites se fundiam. Houve dois, talvez três dias de viagem intermitente. Às vezes, podíamos sentir que o trem parava em trilhos laterais, onde ficava por horas. Sem movimento, os vagões se tornavam insuportavelmente quentes e abafados. O fedor dos baldes nos subjugava, fazendo com que muitos passassem extremamente mal.
Após cerca de três dias nessa situação, o trem parou, ouvimos gritos do lado de fora e as grades foram destravadas. Comandos agressivos foram lançados em alemão. Muitos não conseguiam entender, mas eu nascera na Áustria e tinha 9 anos quando parti. O alemão era a minha língua materna.
Quando nossas portas se abriram, pudemos ver caminhões esperando ao lado do trem. Os SS gritavam:
- Se houver pessoas doentes ou cansadas demais para uma longa caminhada, elas podem subir agora no caminhão para o campo.
Com grande alívio, muitos desceram do trem e andaram para um caminhão, gritando para os parentes "a gente se vê lá".
O resto de nós ficou observando os caminhões partirem. Muito mais tarde, no campo, soubemos que essas pessoas foram levadas direto para as câmaras de gás.
Guardas alemães com cachorros e armas deram ordens para sairmos. Havia poucos guardas, em comparação com os muitos judeus e ciganos, mas estávamos tão dominados que jamais sonhamos em fazer qualquer coisa que não fosse obedecer às ordens. Não sei por quê. Talvez nós verdadeiramente pensássemos que as condições iriam melhorar. Parecia que nada podia ser pior.
Quando eu estava prestes a descer do trem, Mutti me deu um casaco longo e um chapéu de feltro adulto.
- Ponha isso - ela instruiu.
- Não preciso - protestei. Era um dia muito quente e já seria um grande alívio estar do lado de fora, ao ar livre.
- Ponha - ela insistiu. - Pode ser tudo o que você terá permissão de levar. Eles podem tirar nossas malas.
Nesse instante, vieram mais ordens em alemão:
- Saiam, ponham seus pertences ao lado do trem e façam filas de cinco.
Relutante, vesti o casaco. Estava certa de que parecia ridícula com o chapéu. Era de feltro marrom e para gente adulta. Jamais vestiria um chapéu tão horrível assim por escolha própria.
- Você parece uma jovem elegante agora - Pappy disse, tentando me encorajar.
Heinz sorriu palidamente para mim. Ele parecia petrificado, com o rosto branco de medo ao descer do vagão, mas se virou para me ajudar. Ao saltar para seus braços, enlacei seu pescoço. De repente, estávamos nos apertando e abraçando como se jamais fôssemos nos ver de novo.
Demorou cerca de uma hora até que todos descessem e se organizassem. As mulheres receberam ordens para andar até a frente da plataforma, enquanto os homens foram separados e marcharam para os fundos.
Pappy agarrou minhas mãos, olhou profundamente dentro dos meus olhos e disse:
- Deus vai te proteger, Evertje!
Mutti abraçou Heinz, correndo os dedos pelos seus cabelos e beijando o seu rosto. Então, meus pais se abraçaram uma última vez antes de serem forçados a se afastar.
Nós avançamos em linhas de cinco por cerca de dez minutos, até chegarmos a um grupo de homens da SS. Eles dividiam a fila em duas, esquerda e direita. Todas as idosas e as crianças até cerca de 15 anos tinham de ir para a direita, enquanto o resto das mulheres era direcionado para a esquerda.
Às vezes, uma mãe tinha de dar a criança para uma idosa que era mandada para a direita. Quando chegamos perto dos selecionadores, a jovem na minha frente começou a chorar e, então, a gritar descontroladamente ao ser obrigada a pôr o filho de 8 ou 9 meses nos braços de uma estranha, uma mulher de idade, cujos olhos estavam cheios de lágrima.
