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O Equívoco de Israel

Reis Friede ( * )

           Israel, muito provavelmente, cometeu um dos mais graves erros de avaliação estratégica, no que concerne à denominada questão do Irã: confiou e, em uma decisão reconhecidamente pouco refletida, simplesmente, delegou a solução de um problema vital para sua segurança (e para o destino do Oriente Médio) ao aliado estadunidense.
           Se por um lado, nunca houve dúvidas razoáveis sobre a evidente intenção belicista do Irã, por outro não há, a esta altura, qualquer dúvida, séria e isenta, que não aponte a inevitabilidade do ingresso do Irã no seleto grupo de Nações dotadas de armas nucleares, inclusive com capacidade estratégica, uma vez que é de amplo conhecimento o desenvolvimento, por esta Nação, de um Míssil Balístico Intercontinental - ICBM(1).
           O recente resultado (pífio) da tão propalada Cúpula de Líderes em Washington sobre Segurança Nuclear, neste sentido, não somente comprovou a absoluta ingenuidade do Presidente BARACK OBAMA,- como, aliás, bem asseverou o próprio MAHMOUD AHMADINEJAD -, mas, igualmente a reconhecida aposta equivocada de Israel em confiar incondicionalmente no aliado norte-americano e em sua (suposta e continuada) disposição de desempenhar a função de garantidor do status quo e,conseqüentemente, da paz mundial e, em particular, no Oriente Médio.
           Aliás, em uma rápida análise, constata-se, com relativa facilidade, que os EUA nunca se qualificaram propriamente na condição de um aliado histórico incondicional de Israel, conforme tanto se divulga aos quatro ventos. Muito pelo contrário, em todas as situações em que a sobrevivência do Estado judeu esteve efetivamente em jogo, foi o heroísmo de seu próprio povo, - e sua admirável e indeclinável determinação -, mais do que qualquer outro motivo, que fizeram prevalecer os interesses hebreus.
           Poder-se-ia argumentar, em contraposição crítica, que foi o (suposto) apoio decisivo do Pres. RICHARD NIXON que permitiu a vitória militar de Israel na Guerra de Yom Kipur, em outubro de 1973. Porém, tal fato (incontestável para muitos) está longe de corresponder a absoluta verdade. Diferentemente da história "oficial", Israel encontrava-se, em grande medida, sozinho em 1973, como também encontrava-se, em idêntica posição, na Guerra dos Seis Dias (1967) e, posteriormente, na chamada Guerra de Desgaste (1969-72). Tanto tal fato é verdadeiro que, logo após o confronto de 1967, reconhecidamente isolado (e condenado pela Comunidade Internacional por ter tomado a iniciativa do ataque preventivo), Israel tratou de buscar e desenvolver, - utilizando todos os meios disponíveis(2) -, tecnologia nuclear bélica dissuasiva, o que logrou obter, de forma plena, em 1972.
           O que realmente ocorreu, na 1ª semana da Guerra de 1973, foi que surpreendido com a magnitude do ataque árabe, Israel não tinha mais como repor as enormes perdas de equipamentos nos primeiros dias de combate e, - literalmente -, GOLDA MEIR, assessorado por MOSHE DAYAN, explicou firmemente ao Secretário de Estado americano HENRY KISSINGER que não vacilaria em utilizar as bombas nucleares táticas de que dispunham, armadas em seus A-4 Skyhawk e F-4E Phantom II, contra os árabes, na situação-limite que se afigurava no horizonte, obrigando aos EUA a estabelecerem uma das maiores pontes aéreas do mundo para rapidamente rearmar o Estado Judeu, inclusive enviando-lhe a mais alta tecnologia militar convencional disponível à época(3), o que foi decisivo para a reversão de uma possível derrota israelense e, conseqüentemente, para a vitória final na contenda.
           Portanto, nunca foi aconselhável em toda a história de lutas do Estado Judeu, - para dizer o mínimo -, confiar cegamente no aliado estadunidense em assuntos de segurança nacional, e, da mesma forma que no passado (quando foi a ação isolada de Israel, em 1981, que pôs termo às ambições nucleares de SADAM HUSSEIN), mais uma vez não era e nunca foi sensato "delegar" uma missão que deveria ter sido desempenhada através de uma ação solitária de Israel, - especificamente no caso do Império Persa, imediatamente quando a mesma se apresentou como um desafio real (e o Irã ainda não havia se preparado tão efetivamente suas defesas) -, não obstante todas as dificuldades operacionais (distância geográfica, complexidade e dispersão de alvos, entre outras) que a empreitada sempre sinalizou existir.
           Agora, - passados todos estes anos em que operou-se uma relativa negligência a respeito do tema -, parece-nos que não resta outra alternativa factível do que simplesmente Israel se preparar para um novo Oriente Médio, em que não somente um Irã regionalmente hegemônico emergirá(4), como ainda diversos outros potenciais adversários (provavelmente, pela ordem, Turquia, Síria e Líbia - mesmo esta última tendo abdicado, no passado recente, de suas ambições nucleares) buscarão tecnologia bélica nuclear, rivalizando com o poderio militar (nuclear e tecnologicamente mais avançado) israelense(5), até então incontrastável(6).
           Por efeito conseqüente, Israel necessita, urgentemente, de um "choque de realidade(7)", considerando que nunca é por demais lembrar, com necessária ênfase, que existe uma grande diferença entre as percepções (e interesses) dos EUA e de Israel nesta específica e sui generis parte da Ásia, porquanto o povo israelense efetivamente habita o Oriente Médio, ao passo que os EUA apenas possuem interesses estratégicos mutáveis, - sobretudo no petróleo deste Região -, e, na própria medida em que, no futuro próximo, o petróleo perder sua importância energética, Israel acabará por perceber que a estabilidade geopolítica e militar no Oriente Médio é, de fato, muito mais um problema regional de seu particular interesse (diretamente ligado a sua segurança nacional) do que propriamente um problema norte-americano mais amplo, associado à chamada pax americana.
           Sob este prisma, resta afirmar, em tom de sublime advertência, que um Irã, potência nuclear e com efetiva capacidade estratégica (dotada de ICBMs), - e, portanto, com capacidade de neutralização dissuasiva em relação aos EUA -, será, a esta altura de forma aparentemente irreversível, o grande legado da Administração OBAMA(8), em uma indesejável repetição do equívoco da Administração KENNEDY que, em 1962, permitiu o estabelecimento derradeiro de uma área de influência soviética em Cuba, com todas as conhecidas conseqüências geopolíticas (de revoluções exportadoras e instabilidades) que o regime de FIDEL CASTRO logrou conduzir nas décadas de 60, 70 e 80 na América Latina e, posteriormente, na África.


Notas:
* Reis Friede é Desembargador Federal e Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Economista, Mestre e Doutor em Direito e ex-Membro do Ministério Público, é Professor de Relações Internacionais da UNVC, cientista político e analista militar com dezenas de artigos e diversos livros publicados, entre os quais destacam-se "Curso de Ciência Política e Teoria Geral do Estado: Teoria Constitucional e Relações Internacionais, GEN, 4ª ed., e o "O Poderio Soviético e a Política de Defesa de Moscou", MFE, 4ª ed.

1 - O próprio Comandante da Guarda Revolucionária Iraniana, Gen. MASSOUD JAZAYERI, - em crescente prestígio na hierarquia política da sociedade persa -, tem afirmado textualmente que o Irã possui um plano de dissuasão estratégica "que deixaria o inimigo arrependido se lançasse um ataque contra o país", tendo sido um dos principais responsáveis e incentivadores do desenvolvimento de mísseis de defesa e ataque (particularmente, os sistemas recentemente instalados no Estreito de Ormuz), tendo, inclusive, sido um dos protagonistas no apoio à celebração de um acordo com o Zimbábue para o fornecimento de urânio in natura para o enriquecimento projetado a 90%, necessário para a construção de armas nucleares. 

Dentro deste mesmo contexto analítico, o Gen. JAMES CARTWRIGHT, segundo na hierarquia do Estado-Maior das Forças Armadas estadunidenses, revelou recentemente ao Congresso Nacional Americano que em no máximo três anos o Irã possuirá, de forma plenamente operacional, Mísseis Balísticos de Alcance Intermediário (IRBMs), capazes de atingir Israel e, em no máximo cinco anos Mísseis Balísticos Intercontinentais (ICBMs), capazes de atingir os EUA, ambos dotados de ogivas nucleares (o Irã já possui IRBM's operacionais com ogivas convencionais), considerando o alcance da reconhecida assistência técnica norte-coreana (no que concerne à transferência de tecnologia dosvetores e design de ogivas) e o indireto auxílio russo na área de transferência de tecnologia nuclear (finalisticamente para funções pacíficas), habitualmente desviado para fins militares pela liderança política iraniana. Aliás, no que concerne especificamente à Rússia, vale registrar que este País mantém, em relação ao Irã, uma política, no mínimo ambígua. 
Ao mesmo tempo que não deseja desencadear uma corrida armamentista no Oriente Médio e armar um País com um "radicalismo islâmico contagiante" que poderia, em futuro não muito distante, causar-lhes sérios problemas em suas regiões de população muçulmana (ex vi: Chechênia), por outro lado, igualmente, deseja preservar os expressivos lucros com as vendas de armas sofisticadas (e tecnologia nuclear: ressalte-se, por oportuno, que somente a Usina de Bushehr, no Golfo Pérsico, injetou nos cofres russos US$ 1 bilhão) que tanto têm preocupado os EUA, como os moderníssimos mísseis terra-ar (SAM) S-300, - que, desde 2005, tiveram suas entregas adiadas sucessivas vezes por pressões americanas -, e que com toda a certeza, dificultariam, sobremaneira, um ataque aéreo preventivo israelense ou mesmo estadunidense.

2 - Em verdade, Israel não buscou somente a necessária obtenção de tecnologia nuclear, mas também desenvolver uma completa e sofisticada indústria bélica que lhe assegurasse plena independência das oscilantes disposições de seus supostos aliados ocidentais em suprir, sem restrições e de imediato, as suas necessidades militares. O obscuro episódio, no que concerne ao acesso e incorporação de explosivos atômicos, - segundo as informações mais confiáveis disponíveis (e documentos secretos americanos, recentemente tornados públicos) -, envolveu, dentre outras manobras espetaculares e altamente sigilosas, o "desvio" de um carregamento de urânio enriquecido suíço, além de aquisições secretas dematerial sensível na Noruega e em outros países, para o complexo nuclear de Dimona (usina de tecnologia francesa, - presenteada pelos mesmos em agradecimento à participação judia no episódio da Guerra de Suez de 1956 -, que foi o princípio norteador do acelerado desenvolvimento da tecnologia nuclear bélica de Israel, coordenada, mais tarde, por SHIMON PERES) que permitiu a obtenção de artefatos atômicos plenamente operacionais em 1972, não obstante a primeira e única explosão nuclear (teste atômico) israelense somente ter ocorrido em 22 de setembro de 1979 sobre uma plataforma oceânica ao norte da Antártida, com auxílio técnico da África do Sul. Já, no que alude aos vetores aeronáuticos, o serviço secreto de Israel, em uma audaciosa operação, logrou obter, no final da década de 60, parte do projeto de desenvolvimento do caça francês Mirage III, fabricado, à época, sob licença na Suíça, o que lhe permitiu, através do emprego combinado de técnicas de engenharia reversa o desenvolvimento do caça Dagger (versão reversa do Mirage V) e, particularmente, do caça Kfir, versão aperfeiçoada (e até mesmo tecnologicamente superior) do Mirage V (comprado por Israel em 1969 de terceiros países, e renomeado Nescher quando passou a ser construído localmente e exportado para a África do Sul e Argentina com a designação de Dagger), utilizando o motor americano GE J-79 do caça F4E Phantom II que Israel possuía a título de estoque de reposição.

3 - Em essência, os norte-americanos procuraram prover Israel de um expressivo número de caças F-4E Phantom II, aviões de ataque A-4 SkyHawk e helicópteros CH-53 Sea Stallion, além dos mais modernos equipamentos de defesa eletrônica, objetivando não somente anular a surpresa tecnológica dos mísseis anti-aéreos SA-6 Gainful, fornecido pelos soviéticos aos árabes, mas, sobretudo, permitir a necessária reposição das expressivas perdas israelenses nos primeiros dias de combate.

4 - No início de 2010, em um encontro de jornalistas em Jerusalém, DAN MERIDOR, vice-primeiro-ministro de Israel, procurou ressaltar o progresso nuclear iraniano como uma questão global, concluindo que "no fim das contas, o Irã terá poder nuclear (...) haverá implicações para a ordem mundial, o equilíbrio de poder e as regras do jogo".

5 - No futuro próximo, - a exemplo do que ocorreu com os EUA e a URSS durante a época da Guerra Fria -, em face da própria irreversibilidade da situação iraniana, uma reedição da bipolaridade, ainda que com especificidades próprias, envolvendo Israel-Irã, emergirá naturalmente no Oriente Médio, obrigando, muito provavelmente, a Nação Hebraica a manter, em regime de prontidão de 24h, aeronaves dotadas de armamento nuclear, bem como mísseis balísticos ou de cruzeiro, com ogivas atômicas, montadas em bases em terra (com algum tipo de silo móvel e camuflado) e em submarinos, buscando-se forjar uma forma sinérgica de dissuasão estratégica, ainda que a um elevado custo financeiro.

6 - É de se acrescentar, por oportuno, que no início de 2010 estimava-se que o Irã já possuía mais de 1.700 Kg de urânio enriquecido a 3,5%, dispondo de, pelo menos, 5 Kg de urânio enriquecido a 20% (supostamente destinados a um reator de pesquisas médicas), sendo certo que a Bomba Atômica de Hiroshima (U-235) demandou uma quantidade de apenas 25 Kg de urânio enriquecido a aproximadamente 90%. Também vale esclarecer que o processo de enriquecimento de urânio (da forma que vem sendo conduzida pelo Irã) encerra resultados de crescimento exponencial, na própria medida que possui uma inerente capacidade de reprodução intrínsica, o que, por si só, tornaria sem qualquer efeito prático a suposta concordância do Irã de enviar à Turquia 1.200Kg de urânio enriquecido a 3,5% em troca de 120Kg de urânio enriquecido a 20% (mais que o dobro necessário para os fins pacíficos admitidos por Teerã), uma vez que não seria, segundo a proposta, interrompido seu processo de enriquecimento sem um controle total por parte da Agência Internacional de Energia Atômica - IAEA.

7 - Neste especial aspecto é de uma absoluta ingenuidade, a esta altura, supor que sanções econômicas, - mesmo que implementadas em seu grau máximo, (ainda que tal fato fosse realisticamente factível) -, possam, isoladamente, debelar o sonho de AHMADINEJAD de reconstruir um novo Império Persa e, em particular, impedir os planos iranianos de obtenção de tecnologia militar estratégico-nuclear, considerando não somente o estágio de desenvolvimento (bem como de desdobramento) de mísseis balísticos e de cruzeiro, como, especificamente, a própria proximidade da conquista final do ciclo nuclear para fins bélicos, incluindo o design das ogivas e dos correspondentes dispositivos detonadores.

8 - O presidente BARACK OBAMA encontra-se muito distante do que se convencionou chamar de realpolitik. Seu reconhecido despreparo para o exercício do cargo (não obstante todos os seus reconhecidos esforços de superar suas inerentes limitações, mais que comprovadas com a sábia decisão de manter no cargo o Secretário de Defesa republicano ROBERT GATES) encontra-se em perigoso confronto com o necessário preparo(associado a três fatores básicos: expressivo e reconhecido conhecimento de política internacional, liderança e experiência) e pragmatismoindispensáveis às grandes responsabilidades de um Chefe de Estado da Nação líder mundial. Seu excessivo idealismo beira, muitas vezes, a uma visão romântica e distorcida (quando não até mesmo infantilizada) da realidade contemporânea, quando supõe, por exemplo, ser possível umadesnuclearização mundial ou uma democratização dos sistemas políticos teocráticos, no Iraque ou no Afeganistão e, no que concerne, especificamente, ao tema em debate, à falsa idéia de que a Comunidade Internacional, - e particularmente a China (com quem sequer sinalizou com algum tipo de rascunho de soluções para os problemas bilaterais envolvendo o arquipélago de Taiwan e o Tibet, para consignar o mínimo) -, estaria igualmente engajada, junto com os EUA, no firme propósito de impedir o acesso de armas nucleares a um regime radical xiita, com todas as consequências previsíveis (e desastrosas) desta empreitada.
Jornal Jurid Digital 28/05/2010 


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