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A Conexão entre Espiritualidade e Canções


Foto: Cantora Fortuna


Por Rabino Chefe da Inglaterra, Professor Jonathan Sacks – London Jewish News & Jewish Telegraph 

  O sociologista Peter Berger as chamava de “sinais de transcendência” – momentos em que você se sente elevado além de si mesmo e o infinito parece quase ao alcance. Este, para mim, era o clima na Sinagoga Edgware para o coral Selichot este ano.

A sinagoga estava lotada. Poucas vezes vi tantas pessoas reunidas num único local para rezar. Era maravilhoso ver tanta gente de comunidades diferentes, cobrindo todo o espectro religioso, reunindo-se em harmonia. A música era magnífica. Não esperávamos nada menos do Rev, Lionel Rosenfeld e o coral Shabaton. Este ano, porém, havia dois recém-chegados – Rev, Shimon Craimer, um astro do futuro que, aos 28 anos de idade, já tinha uma voz de rara doçura e poder, e o menino de treze anos Stuart Morell, cuja postura naquela ocasião solene era impecável. Juntos eles criaram um momento de perfeição artística e espiritual.

Houve uma época, não faz muito tempo, em que chazanut e a música de coral na sinagoga estiveram em declínio. Lembro-me de ter de fechar o departamento de chazanut da faculdade judaica por pura falta de interesse das congregações. Nos últimos anos, porém, houve uma inesperada recuperação, por causa da obra pioneira de muitos dos nossos chazanim e corais. Coletivamente eles trouxeram um novo idioma à música da prece, uma deliciosa mistura do novo e do tradicional, com ênfase no uso da melodia para espelhar o significado das palavras. O resultado tem sido que este ano houve um número recorde de serviços de coral de selichot. Estamos em meio a uma renascença musical judaica.

Estou encantado. O Judaísmo há muito reconhece a forte conexão entre espiritualidade e música. Az Yashir – a Canção do Mar – foi o primeiro grande tributo coletivo dos judeus a D’us. Muitos dos Salmos foram escritos para ser cantados, e os levitas costumavam ter o acompanhamento de um coral no serviço do Templo. Até hoje, a música é o pulso da espiritualidade judaica. Não lemos a Torá; nós a cantamos. Não dizemos nossas preces; nós as entoamos. Não lemos a Mishná e a Guemará; elas também têm seu tom especial. Cada texto, e cada período do ano, tem sua própria melodia, A canção mapeia os biorritmos da alma judaica. Há um motivo para isto. Quando a linguagem é investida com profunda emoção, aspira à condição de música. É por isso que a melodia nos comove de uma maneira que meras palavras não poderiam. O Judaísmo é um diálogo entre céu e terra, e quando as palavras se tornam sagradas, se transformam em canção. 

O supremo exemplo disso é Kol Nidrê. As palavras do Kol Nidrê são secas e sem emoção. Na verdade nem sequer são uma prece. São uma fórmula legal para a anulação de promessas entre nós e D’us. Porém o tom do Kol Nidrê é algo mais. Poucas composições jamais captaram tão fortemente e com tamanha pungência o âmago da alma judaica quando se coloca perante D’us em busca do perdão. Estabelece instantaneamente a solenidade do dia – o drama da finitude humana na presença da eternidade. A música transcende as palavras. Comunica aquilo que palavras não podem dizer.

Eu costumava lamentar o fato de que, na era moderna, os judeus tivessem contribuído tanto para a música de outras culturas e tão pouco para a própria. O Judaísmo é uma fé intelectual. Porém deve também ser emocionalmente forte, se quiser falar com os dois hemisférios do cérebro. Além disso, a música é o mais próximo que podemos chegar de expressar o inexprimível. Como escreveu Joseph Addison: “Música, o maior bem que os mortais conhecem/ É todo o céu que temos aqui em baixo.”

Ao final de sua vida, Moshê deu ao povo judeu o último dos 613 mandamentos – que em toda geração cada um de nós deve escrever (ou pelo menos ter uma parte na escrita) um Sefer Torá. De maneira não usual, porém, nessa ocasião ele descreveu-a não como Torá mas como shirá, “canção”. Minha explicação é que se fôssemos fazer a Torá de novo em cada geração, ela deveria falar aos nossos corações e às nossas mentes. Deve se tornar “cântico dos cânticos”. A Torá é o libreto do povo judeu e nós somos o seu coro. O renascimento da música judaica é essencial à renovação do espirito judaico. Portanto eu espero que tenhamos um Ano Novo que, além de doce, seja musical.

Eu sugeriria uma terceira dimensão. O 613º mandamento não é simplesmente sobre a Torá, mas sobre o dever de tornar a Torá nova em cada geração. Para fazer a Torá de novo, não basta manuseá-la cognitivamente – como mera história e lei. Ela deve falar conosco afetivamente, emocionalmente.

O Judaísmo é uma religião de palavras e apesar disso sempre que a linguagem do Judaísmo aspira ao espiritual, se transforma em canção, como se as próprias palavras escapassem da força dos significados finitos. Existe algo sobre melodia que intima uma realidade além do nosso entendimento, que William Wordsworth chamava de “senso sublime”/De algo muito mais profundamente interfundido/ Cuja morada é a luz dos sóis poentes/E o oceano redondo e o ar vivo.” Palavras são a linguagem da mente. A música é a linguagem da alma.

A música é importante para a experiência judaica. Nós não rezamos: a gent davven, significando que entoamos as palavras diretamente na direção do céu. Também não lemos a Torá; em vez disso entoamos a porção semanal, cada palavra com sua própria entonação. Até os textos rabínicos jamais são meramente estudados; nós os cantamos com a entonação específica conhecida de todos os estudantes do Talmud. Cada tempo e texto possui suas melodias específicas. A mesma prece pode ser entoada em meia dúzia de tons diferentes, dependendo se é parte do serviço matinal, vespertino ou noturno, e se o dia é um dia comum de semana, Shabat, ou Yom Tov. Há diferentes entonações para leituras bíblicas, dependendo se o texto vem dos livros mosaicos, da literatura profética, ou os Ketuvim, “escritos”. A música é o mapa do espírito judaico, e cada experiência espiritual tem sua própria tonalidade melódica distinta.

O 613º mandamento – tornar a Torá nova em cada geração – simboliza o fato de que embora a Torá tenha sido outorgada uma vez, deve ser recebida muitas vezes, pois cada um de nós, através do estudo e prática, se esforça para recapturar a voz pura ouvida no Monte Sinai. Isso exige emoção, não apenas intelecto. Significa tratar a Torá não apenas como palavras lidas, mas também como uma melodia cantada. A Torá é o libreto de D’us, e nós, o povo judeu, somos Seu coro, os cantores de Sua sinfonia coral. E embora, quando os judeus falem eles freqüentemente discutam, quando cantam, cantam em harmonia, como fizeram ao atravessar o Mar Vermelho, porque a música é a linguagem da alma, e no nível da alma os judeus entram na unidade do Divino, que transcende as oposições dos mundos inferiores. A Torá é a canção de D’us, e nós coletivamente somos seus cantores.
 


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