
Na semana passada, um grupo de mais de cem pessoas se reuniu no kibutz Gan Shmuel, ao lado de Hadera, para comemorar os 45 anos de imigração para Israel de 20 famílias brasileiras (17 de São Paulo, duas do Rio e uma de Recife) nos idos de 1964. Num encontro emocionante, com direito a show de música brasileira no encerramento, os participantes relembraram as muitas alegrias, e também as inúmeras dificuldades, da aliá coletiva.
Das 20 famílias (que somavam, na época, 105 pessoas entre adultos e crianças), só uma não se adaptou à realidade do Oriente Médio e voltou ao Brasil. Mas, incrivelmente, 19 ficaram. Digo “incrivelmente” porque o percentual de retorno à terra natal de olim chadashim (novos imigrantes) é maior do que se pensa – ou se divulga. Já me deparei com números não oficiais como 20%, 30% ou até mesmo 70%, dependendo do país de origem dos imigrantes. Nesse caso, os yordim não passam de 5% do grupo original – um sucesso sem precedentes para um grupo de brasileiros.
Outra coisa que torna esse grupo especial é o fato de que as famílias deixaram tudo para trás e se mudaram para a “Terra Prometida” não porque passavam dificuldades financeiras, eram perseguidas no Brasil ou temiam as consequências do Golpe de 64 ocorrido cerca de dois meses antes da aliá. A mudança aconteceu pura e exclusivamente por ideologia. “Eles vieram porque acreditavam num estado nacional para judeus de todo o mundo”, conta Sérgio (Shabtay) Bloch, um dos olim originais.

Sérgio tinha 10 anos quando embarcou no navio Theodor Herzl com seus pais e seus dois irmãos e desembarcou em Israel com as outras famílias. Para Sérgio, a mudança foi ótima. “Saí de São Paulo, um lugar barulhento, cheio de movimento e de carros, e cheguei num lugar com natureza, com espaço”, conta Sérgio. “Me lembro que as crianças corriam como loucas pelos campos”, continua. Depois de três meses de adaptação, foram todos morar em Haifa em quatro prédios um do lado do outro, numa espécie de “kibutz urbano”. A união do grupo, aliás, é apontada por todos como o segredo do sucesso da imigração. Se alguém se desapontava, podia chorar em vários ombros. E em português.
Sérgio e seus irmãos se adaptaram rapidamente à nova situação. O mesmo aconteceu com todas as crianças que vieram do Brasil. Mas para os pais, foi mais difícil. Alguns, que gozavam de certo status no Brasil, tiveram que voltar à estaca zero profissional e socialmente. Outros tiveram dificuldades em entender os costumes locais. Algumas mães, acostumadas com a ajuda de empregadas na casa, tiveram que aprender tarefas domésticas que nunca haviam feito.
Também não ajudou o fato de que, naquela época, Israel passava por uma crise econômica atrás da outra e por guerras cíclicas. Isso sem contar que os representantes da Sochnut não preparavam o grupo para a realidade de Israel. Só para dar um exemplo, encorajaram as famílias a trazer televisões, mesmo sabendo que ainda não havia transmissões televisivas públicas por aqui (a primeira aconteceu só em 1968!). Devo dizer, aliás, que a maioria desses problemas ainda existe (quem pensa em morar em Israel – mesmo por ideologia – tem que se despir das ilusões juvenis, na minha opinião).
Mas, apesar de todos os problemas dos primeiros anos, o consenso entre os olim de 64 é de que vir para Israel foi uma das melhores decisões de suas vidas. Hoje, seus filhos, netos e bisnetos vivem em harmonia na sociedade local, mesmo se orgulhando das raízes brasileiras (“quando a Seleção joga, somos todos mais brasileiros do que israelenses!”, ri Sérgio Bloch, hoje com 55 anos, casado com a simpática Liora e pai de três lindos filhos). Para todos, não há dúvidas de que as alegrias, os sucessos e as realizações pesam mais do que as dificuldades enfrentadas pela primeira geração. Semana passada, o grupo de brasileiros que, há 45 anos, cruzou o Atlântico e o Mar Mediterrâneo, se reuniu para uma tarde nostálgica e feliz na Terra Santa.