O que é toevá? Para os egípcios da época de José, toevá era comer pão
com os hebreus. Para os hebreus no Sinai, era cobiçar o ouro derretido
das divindades pagãs. Nos provérbios de Salomão, eram os sacrifícios
oferecidos pelos maldosos e as orações de quem não escutava o que
ensinava a Torá.
A palavra toevá aparece apenas dezesseis vezes em todo o Tanach, mas
duas vezes somente nesta semana: uma na parashá Acharê Mot, outra em
Kedoshim. Em ambas o mesmo tema: um homem que se deita com outro como
se o fizesse com uma mulher, isso é uma toevá. Vem logo após uma
seqüência de proibições conhecidas como Leis contra o Incesto, mais
tarde exaustivamente estudadas pela psicanálise.
No texto bíblico, a palavra toevá em geral é traduzida por um termo
terrível: abominação. Assim, para os egípcios, comer junto com os
hebreus era uma abominação; os hebreus cobiçarem o ouro de estátuas
pagãs derretidas, oferecerem sacrifícios sem boas intenções, rezarem
sem tentar compreender o que rezavam, todos estes eram atos
abomináveis; nem mais, nem menos. Abominável é um termo que agride
nossos ouvidos, e muitas vezes, nossos corações. Uma abominação soa
como algo repugnante, que constrange e envergonha. No entanto, esta
agressão pode não ter vindo do Tanach, mas da intenção de seus
tradutores. Há anos podemos estar lendo algo cujo sentido é outro. Por
isso acompanho aqui alguns pensadores e proponho uma tradução
foneticamente mais parecida com a do termo original: Toevá é Tabu.
Mas o que é um tabu? Em uma visão bem geral, com todo o risco das
simplificações, trata-se de uma proibição que visa impedir que os
membros de um determinado povo realizem atos sagrados de membros de
outros povos. Muitas culturas da antiguidade idolatravam suas
divindades através de estátuas, árvores e animais sagrados,
sacrifícios e rituais que muitas vezes envolviam relações sexuais
entre homens. Podemos supor que, para o povo de Israel, era a
vinculação deste ato a um rito sagrado pagão – não o ato em si mesmo
nem quem o realiza - que o tornava um tabu, algo abominável, e deveria
ser coibido a todo custo.
E nós, como lidamos com a questão nos dias atuais? Com muita
dificuldade. O próprio ato de discutir o tema que justamente conecta
as duas parashiot desta semana costuma ser um tabu. O rabino Shmuley
Boteach, autor de "Kosher Sex: uma Receita para a Paixão e a
Intimidade" entende que, uma vez que a sexualidade é instintiva, suas
várias expressões, sejam heterossexuais ou homossexuais, são naturais.
Ele enfatiza que a Torá não condena o amor entre dois homens nem entre
duas mulheres - nas suas palavras, "algo tão natural quanto o amor
entre um homem e uma mulher". O que estaria proibido seria o ato
sexual, não a relação de amor. Já o Rebe de Lubavitch, Menachem
Schneerson, entendia que havia homens e mulheres com uma atração maior
por pessoas do mesmo sexo por motivos de ordem sócio-cultural. A
solução seria estimular estas pessoas a darem uma "chance" para uma
relação heterossexual.
Em 1969, há exatos 40 anos, o Instituto Nacional de Saúde Mental dos
EUA – e logo depois, a Organização Mundial de Saúde (OMS) –
determinaram que a homossexualidade não é uma doença. Em vista disso,
o movimento judaico reformista entendeu que passava a ser judaicamente
incorreto continuar a chamar a homossexualidade de doença ou de
abominação, o que se refletiu no início de um esforço por incluir e
respeitar o homossexual e sua família dentro de nossas comunidades.
Não se trata de ser politicamente correto, mas de ser justo e amoroso:
"E estabelecerás comigo uma aliança baseada na justiça e na retidão,
no amor e na bondade... e assim conhecerás o Eterno." (Bênção dos
Tefilin da mão).
O melhor antídoto, as mitsvot que defendem o respeito e a inclusão na
comunidade, encontramos na própria parashá de Kedoshim: "Não andarás
com mexericos entre o teu povo. Não sejas indiferente quando o teu
próximo estiver em perigo. Não odiarás o teu irmão em teu coração.
Amarás o teu próximo como a ti mesmo – Eu sou o Eterno." (Levítico
19:16-18).
Shabat shalom, de Jerusalém
Uri Lam
--
Magal
A única coisa maior do que aquilo que nos divide, é o sonho que compartilhamos.