Marcha da Vida. Seqüência 2. Cena 3
Jerusalém - Hannah tem 19 anos. Adora videogames, cartoons (principalmente as Garotas Superpoderosas), dançar e seu trabalho: Segurança particular.
Esta é a 'arma a tiracolo' que Hannah usava para manter a ordem durante as comemorações dos 20 anos da Marcha da Vida e dos 60 Anos de Israel ontem. O que será que Sidonia teria achado do 'toque pessoal' que Hannah deu à sua 'personal weapon"?
08.05.08
Marcha da Vida. Seqüência 2. Cena 2
Jerusalém - Yeli completou 60 anos hoje. Para comemorar, montou um pique-nique com sua família em plena praça aos pés do muro da velha Jerusalém. Para sua festa, poucos, e bons, amigos e sua família foram convidados. Mas mais de 10 mil pessoas acabaram passando pela mesa montada no jardim de Yeli. Enquanto percorriam os últimos quilômetros da Marcha da Vida 2008, os jovens judeus de todo o mundo saudavam Yeli com o tradicional 'shalom"! E cantavam o hino de Jerusalém... E pulavam ao som de canções folclóricas e gritos de ordem. E celebravam.
"Vencemos o Holocausto"
Enquanto não cortava seu bolo (vide foto), Yeli servia aos velhos, e novos, amigos os mais tradicionais pratos da cozinha judaica, as frutas secas da região e a cerveja local. Tudo kosher, é claro. "Mas porque você escolheu fazer a festa justo hoje, quando esta multidão ia passar por aqui", perguntei, enquanto saboreava a rara hospitalidade da família, e um dos morangos mais saborosos que já provei. "Eu não escolhi. Eu nasci hoje. Nasci no dia da Independência de Israel. A Marcha é que passou por aqui no nosso dia", brincou o jovem senhor. "Então, por que você não se junta à Marcha e comemora no epicentro de Jerusalém? No Muro das Lamentações?"
Show must go on...
A resposta não caiu tão bem quanto a tâmara que me fôra servida por Hannah, a mulher de Yeli, mãe de três belos filhos e avô de outros cinco meninos e meninas. "Todos nasceram aqui. É nosso maior orgulho", dizia Hannah enquanto enchia minha mão de tâmaras cinematográficas.
"Porque, apesar de termos vencido o Holocausto, a Marcha não faz parte do meu caminho. O que nasceu como uma peregrinação hoje, a meu ver, é muito mais showbusiness. E eu não transformo minha fé em negócio", disse Yeli, fazendo mais uma vez soar o alarme da contradição tão alto quanto soam os alto-falantes dos moezins que chamam os muçulmanos de Jerusalém para rezar cinco vezes por dia. A resposta ecoou pelos cantos da Terra Santa. Mas o barulho e os gritos de guerra (ou melhor, de paz) dos jovens que percorriam, felizes, crédulos e autênticos, a Marcha, não deixou que eles ouvissem a resposta de Yeli.
"Como assim vocês venceram o Holocausto?", perguntei. Pergunta óbvia. Resposta clara: "Oras, veja tudo isso e me diga se não virou uma bela indústria do entretenimento. Você sabe quando lucram os organizadores da Marcha? Milhões. Não concordo. Fé é coisa séria. Acho maravilhoso que estes garotos estejam tomando consciência de sua história e suas origens, mas não vou eu sacolejar e dar pulos diante de palavras de ordem ou shows de música pop. Prefiro cortar meu bolo com minha família."
Yeli é da safra de seres como Sidonia (a jovem senhora polonesa-americana). Destinados a explicar para confundir. Confundir para explicar. Enquanto digeria a contradição imposta por este engenheiro (filho de uma família que imigrou para Israel logo após o término da Segunda Guerra, fugida de campos de concentração. Desta vez, na Alemanha, de onde não conseguiam sair - e onde continuaram 'morando' mesmo dois anos após o fim da guerra - porque ninguém os queria em parte alguma), a Marcha, e o dia, seguia.
"Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa"
Todos os caminhos dos cerca de 10 mil participantes da peregrinação, que na última semana percorreram os caminhos da guerra na Polônia e, nesta semana, percorreram os caminhos da paz (e da guerra também) pela Terra Santa, conduziram ao Muro das Lamentações. "Fiz o meu pedido de paz. Sempre me perguntam o que eu, como judeu e brasileiro, que segue a linha ortodoxa e anda de quipá na rua em plena São Paulo, acho dos conflitos de Israel com a Palestina, das condições dos árabes na Faixa de Gaza, das condições de vida na Cisjordânia... Eu acho que não há como comparar uma situação real de conflito, em que os dois países, exércitos, ou nações, têm condições de lutar. Uma coisa é uma guerra, uma batalha. Outra coisa é um genocídio. O Holocausto durante a Segunda Guerra foi um genocídio. Hoje, a situação é outra. E eu, antes de qualquer outra coisa, sou judeu. E como judeu, também não deixo de ser brasileiro. Meu papel na volta ao Brasil é o de defender e combater a ignorância que há aqui e no mundo. E pretendo fazer isso com garra", disse, do alto de seus 16 anos, Maurício, jovem paulista que terminou a sua primeira Marcha hoje.
Verde, amarelo, azul e branco
Maurício não provou o bolo de Yeli. Yeli não vestiu a camisa de Maurício. Yeli e Maurício são diferentes em suas igualdades. Denominador comum: o quipá. Yeli também segue a linha ortodoxa, usa quipá e defende um estado legítimo que assegure abrigo aos judeus em todas suas angústias. A bandeira de Yeli é azul e branca, que ele não carrega nas costas, mas com as quais enfeita seu bolo de aniversário. Já na bandeira de Maurício, uma das mais cobiçadas no 'mercado de pulgas do troca-troca de prendas entre os países', vai uma pitada de verde-e-amarelo. "Para quebrar a mesmice e botar um pouco de feijão no caldo."
07.05.08
Tel Aviv - "Israel, 60. E ainda sexy....", dizia uma camiseta de um cidadão israelense que festejava na noite de hoje os 60 anos da criação do Estado de Israel. Análises políticas e históricas deixadas a cargo de quem é de fato especilista neste assunto fascinante e controverso, a camiseta (foto será postada aqui em breve, assim que o dono da camiseta 'autorizar' a publicação) do garoto que nasceu em Tel Aviv e entra para o treinamento militar israelense assim que terminar os estudos, fala em poucas palavras o espírito da festa. "É o nosso carnaval. É o dia em que nós, israelenses, comemoramos com alegria, e não só com obrigação, a existência de um lar", disse Gael, o dono da 'grife'.
Gael e mais cerca de 25 mil pessoas lotaram hoje a Praça Rabin no centro de Tel Aviv para comemorar, assistir a shows de astros-pop do país e a uma queima de fogos digna de reveillon carioca.
Marcha da Vida. Seqüência 2. Cena 1
Jerusalém - "Não faça esta cara tão desapontada. Tente fingir um pouco. Você está assim porque ficou triste com o que aconteceu aos brasileiros em Varsóvia? Não deveria estar. Eles aprenderam muito com isso."
A pergunta de Sidonia Lax (vide post abaixo), a sobrevivente de Auschwitz que hoje vive em Los Angeles e que percorre a Marcha da Vida com o grupo de jovens americanos caiu como uma luva, e um peso, sobre esta que aqui vos escreve. A cara de desapontada se referia à visão de uma garota de 16 anos empunhar uma metralhadora para um amigo da turma. A turma de Los Angeles hoje passou o dia conversando com jovens voluntários que integram o exército de defesa de Israel, ouvindo sermões sobre a importância da fundação do Estado de Israel (que completa 60 anos nesta semana) e comentando o quanto ficaram surpresos com o 'quase' atentado aos novos amigos brasileiros na manhã de segunda. Os jovens americanos estavam no mesmo hotel, o Holiday Inn, mas haviam saído, em direção ao aeroporto, cerca de 20 minutos antes do 'quase' terrorista entrar no hotel.
A propósito, relembrando, o que aconteceu aos brasileiros foi este 'quase' atentado do filho do embaixador do Kwait aos garotos cariocas que percorrem a Marcha e estavam hospedados no Holiday Inn.
A resposta soou como provocação à senhora que nasceu na Polônia, declarou-se 'sem pátria' no fim da Segunda Guerra e adotou os Estados Unidos como lar quando para lá emigrou aos 17 anos, em 1948. "Não é pelos garotos brasileiros que me desaponto. É pela falta de preparo para achar natural ver uma adolescente carregar nos ombros uma metralhadora como se fosse uma bolsa de grife."
A tiracolo, uma bolsa de grife e uma metralhadora...
Sidonia não se deu por vencida e rebateu, exagerando um tanto: "Só aqui você vê estas garotas do exército. Elas são exemplo para nossos jovens. Elas lutam contra perigos reais, como o árabe que invadiu o hotel de vocês e quase provocou uma tragédia."
Diante da resposta, não houve como não rebater: "Não é natural para um brasileiro lidar com este assunto, ainda que tenha sido um incidente e não atentado nenhum. Brasileiros temem a violência urbana. Terrorismo e conflitos como este entre Israel e Palestina, que provocam tanta controvérsia, é assunto de página de jornal e não do cotidiano."
Sidonia, a 'jovem' mais espevitada da turma de L. A, não recuou: "Vocês não fazem guerra porque não têm inimigos. Os EUA lutam por todos. Lutam contra terroristas reais. E o mundo não é o Brasil. Aqui a realidade é mais complexa. Vocês precisam aprender isso."
É, o mundo não é o Brasil. Enquanto digeria a aula de Sidonia, parei para comprar uma bureka (espécie de folhado de origem húngara, mas muito popular na cozinha do Oriente Médio). Boa e barata, a bureka seria o menu ideal para um almoço no dia em que todos os restaurantes fecharam pontualmente às 11horas (hora exata de todos pararem tudo que estão fazendo e, por um minuto, lembrarem-se dos soldados israelense mortos em conflitos).
Shalom... shukrán
O dono do boteco da bureka era muçulmano (informação deduzida pelo número de inscrições sagradas do Islã penduradas na parede) e me recebeu com um "shalom". Um provável árabe que mora em Jerusalém e fala hebraico. Para quem acompanha com afinco o noticiário e a história da região, nada mais natural. Para quem descobre que 'vamos lá' em árabe e em hebraico é a mesma palavra (grosseiramente, a palavra é 'yala'), um misto de surpresa e estranhamento. Na hora de pagar a conta, outra surpresa: Fica de presente. Não é todo dia que entram aqui e nos dizem 'shukrán' em vez de 'toda haba'.
As duas palavras significam em, árabe e hebraico, a mesma sensação: gratidão.
Yala...
As duas fronteiras entre dois mundos quebradas em um 'yala', uma bureka de presente, um árabe que nos recebe com um 'shalom'.
Sidonia não estava lá para presenciar. Sidonia não conhece a violência urbana no Brasil. Sidonia é sobrevivente de Auschwitz, cidadã americana e mesmo assim diz que a 'guerra é necessária'. Sidonia se diz cidadã do mundo. Mas, como ela bem o disse, 'o mundo não é o Brasil".
Mundo, vasto mundo. A bureka caiu muito bem. Como uma rima. E não como uma solução. O suficiente para aplacar por ora as contradições e preparar o estômago, e o espírito, para a festa de 60 anos de Israel, que parou a capital Tel Aviv hoje e há pouco reuniu milhares de pessoas na Praça Rabin para uma celebração com cara de show de rock e noite de Ano Novo em Copacabana.
A Marcha chega ao fim amanhã, com o encontro de todos que a percorrem este ano em frente ao Muro das Lamentações. Seja qual for o mundo de cada um dos participantes, não vai haver frestas suficientes para os bilhetinhos pedindo o que mais se ouve desejar por estas bandas: "Paz."
Seguranças fazem a escolta da turma de jovens paulistas que chegaram ontem à Jerusalem, para completar em Israel, a última fase da Marcha da Vida 2008
Jovens de Los Angeles conversam com jovens voluntários no exército Israelense em Tel Aviv
06.05.08
Marcha da Vida. Seqüência 1. Cena 7
Majdanek/Lublin - Treblinka – Passado o susto que os brasileiros levaram ontem com a invasão do hotel Holiday Inn por um suposto terrorista árabe, que causou uma saída às pressas da delegação carioca que acompanha a Marcha da Vida, as turmas brasileiras chegaram hoje à Jerusalém.
Antes de falar que como nesta jornada cabe muito mais à Polônia a imagem da terra arrasada que serviu de palco para os horrores nazistas (e a Israel, cabe o símbolo da terra prometida, segura - ainda que nenhum dos que fazem a viagem desconheçam as tensões bélicas da região -, quente e calorosa) falemos das sensações que cada um dos campos de concentração por que passam os garotos que percorrem a Marcha despertam em cada um deles. "Auschwitz me pareceu mais um museu. Foi difícil, mas mais difícil mesmo foi passar por Majdanek", comentou Tâmara, 'tirando' as palavras da boca de Sidonia Lax, a sobrevivente justamente do maior complexo de extermínio da História. "Fiquei decepcionada com o que virou Auschwitz. Aquilo é frio. Não transmite um terço do que sentimos eu e tantos prisioneiros que por ali passaram. Virou uma Disneyland", disse a mais espoleta das 'garotas' que integram a delegação de Los Angeles. Mais uma vez, alguém 'tirou' as palavras de boca de alguém. "Concordo plenamente. Chegam em Majdanek e ver aquela montanha de cinzas foi chocante. É como ver o mal encarnado. Com ou sem questões de guerra e conflitos, é difícil entender porque alguém, aliás, uma nação inteira, possa ter gasto tanta energia para praticar o mal", completou o paulista Maurício. Sidonia, mesmo que sem saber, fez coro a Maurício e emendou: "Chegar a Treblinka, por incrível que pareça, foi mais chocante que voltar a Auschwitz. Talvez porque encontrei ali a pedra da minha família (Em Treblinka, cada rocha representa uma família morta no campo). Aliás, minha família polonesa inteira desapareceu na Segunda Guerra. Assim, como pó. Todos morreram nos campos. Menos eu, que me casei na América e hoje sou 'Lax'. E hoje a 'minha pedra' falou muito mais que anos de história que contei durante toda a minha vida para meus filhos e netos. E que repito aqui nesta viagem para os adolescentes. A rosas morrem. As pedras são eternas."