O rato que ruge e Hanuká
©Jane Bichmacher de Glasman*
Chamava-se "O Rato que Ruge" a fita estrelada por Peter Sellers, de 1959, que costumava passar na "Sessão da Tarde". No auge da Guerra Fria, um minúsculo ducado medieval perdido nos Alpes Franceses, Grand Fenwick, tinha como único produto de exportação o vinho Pinot Grand Fenwick. Mas uma empresa inescrupulosa da Califórnia criou uma imitação barata, o Pinot Grand Enwick, e levou o paiseco a uma crise econômica sem precedentes. Seu parlamento, então, decidiu declarar guerra aos EUA. A idéia era, obviamente, perder a guerra e pedir ajuda internacional para arrumar dinheiro e sair do buraco. Mas quando os 20 soldados do exército do ducado chegaram a Nova York, de barco, não encontraram ninguém na cidade. Na mesma hora acontecia um exercício de alarme nuclear e a população estava toda escondida. Para resumir, o exército de Sellers captura um general, quatro policiais, um cientista que fazia uma bomba atômica fajuta, sua linda filha, volta à Europa e anuncia que ganhou a guerra. De quebra, ainda tem uma bomba nas mãos. No fim os EUA se rendem, suspendem a produção do vinho e ainda pagam uma indenização.
Hanuká celebra eventos que ocorreram há cerca de 2.200 anos, na época do Segundo Templo em Jerusalém. Muitos judeus retornaram a Eretz Israel do exílio da Babilônia e reconstruíram o Templo, mas continuavam sob o jugo imperial de potências externas.
Desde a morte de Alexandre da Macedônia, no ano 323 a.E.C., os governantes gregos de Eretz Israel fizeram contínuos esforços para forçar o povo judeu a abandonar sua fé e adotar as idéias e costumes helenísticos. O Rei Antíoco da Síria, em 175 a.E.C. impôs éditos contra a religião judaica: proibiu a observância do Shabat; a circuncisão, o estudo da Torá, construiu altares aos deuses gregos, inclusive no Templo, e obrigou os judeus a fazerem oferendas aos deuses gregos.
Na época, Judéia se dividia entre Helenistas (que apoiavam a cultura, a língua e adotavam costumes gregos, cuja maioria vinha das classes média e alta) e Hassidim (que viam como sua principal missão a preservação dos valores nacionais e religiosos, contra o helenismo).
Na aldeia de Modiin, o sacerdote Matitiahu, da família dos Hashmoneus, colocou-se à frente da revolta, com seus cinco filhos, seguidos de um audaz grupo de judeus. Chegaram a bater seus inimigos, a princípio nos montes da Judéia e, mais tarde em toda a região, até Jerusalém. Foi a luta de um punhado de homens contra uma multidão, de fracos contra fortes, que venceram grandes exércitos sírios, possuidores de elefantes e máquinas de guerra. Como divisa, os judeus inscreveram em sua bandeira as palavras da Torá: "Quem é como Tu entre os deuses, Senhor?", de cujas iniciais hebraicas formou-se o nome Macabeu (Macabi), sob o qual ficaram conhecidos os guerreiros. Makevet, do mesmo radical em hebraico, significa martelo, aludindo aos golpes assentados ao adversário. De acordo com outra teoria, Macabeu era o grito de guerra dos judeus contra os sírios. O exército de Matitiahu, chefiado por seu filho Yehuda haMacabi, consistia de apenas 6 mil homens, mas conseguiu mesmo assim vencer uma legião de 47 mil sírios, armados até os dentes. Enfurecido com a derrota, Antioco destacou tropas ainda mais numerosas para aniquilar os macabeus. Em uma batalha decisiva em Bet Tzur, as forças judaicas derrotaram a maior superpotência militar da época. Encaminharam-se a seguir para Jerusalém, libertando-a.
Em 25 de kislev de 165 a.E.C. (3 anos após a profanação), os macabeus entraram no Templo e voltaram a dedicá-lo ao serviço de D'us. Depois continuaram as lutas. Yehudá haMacabi, caiu em combate, mas sua luta foi continuada por seus irmãos, Yonatan e Shimon, que fortaleceram o reino, anularam os editos de Antíoco, e transformaram a Judéia num reino independente . Shimon foi o primeiro príncipe da Judéia, e assim começou a dinastia dos Hasmoneus, cujos reis ampliaram os limites do reino, e, no período do Rei Alexandre Chaneo, as fronteiras se estenderam desde o deserto, às margens do Jordão Oriental, até o Mediterrâneo, ao Ocidente; desde o Líbano ao norte, até Rafiach ao Sul. O país se constituiu na maior área historicamente já atingida por Eretz Israel. A dinastia dos Hasmoneus continuou até depois da conquista romana, em 67 a.E.C e até a morte do último Rei da Dinastia, em 37 a.E.C.
O rato, Leão de Judá, rugiu. Sempre envio mensagens e artigos em Hanuká enfatizando seu lado espiritual: milagres, a força da fé e o simbolismo da luz.
Este ano, repensando fatos históricos e militares, espero que possamos relembrar uma época tão heróica, pouco ressaltada per se, que, sem ser filme, revela um milagre aos mais céticos.
Publicado em Visão Judaica nº 42, dezembro de 2005.
* Doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica -USP, Professora Adjunta, Fundadora e ex-Diretora do Programa de Estudos Judaicos –UERJ, escritora.