Hot Widget

Type Here to Get Search Results !

A vitória de uma aldeia da Cisjordânia .

 
 
A vitória de uma aldeia da Cisjordânia

Mario Vargas Llosa

A Corte Suprema de Israel, por unanimidade, deu razão no início do mês aos habitantes de Bilin, na Cisjordânia, ordenando que o muro que estrangula essa aldeia palestina tenha seu traçado modificado em 1.700 metros, para os camponeses da localidade terem acesso aos 200 hectares de plantações que lhes foram confiscados para a construção do 'muro de Sharon'. O governo de Ehud Olmert disse que 'cumprirá a sentença em seus termos exatos'. Por feliz coincidência, no momento em que li essa notícia na imprensa, recebi o documentário Bilin, My Love (Bilin, meu amor), produzido por Claudia Levin e pelo diretor Shai-Carmeli-Pollak sobre essa aldeia de 1.600 habitantes que, a partir de 20 de fevereiro de 2005, virou o símbolo da luta dos pacifistas israelenses contra o famoso 'muro de segurança' de 650 quilômetros que o governo do ex-premiê Ariel Sharon mandou construir, sob o pretexto de impedir que terroristas suicidas vindos dos territórios ocupados tivessem acesso às cidades israelenses.

Na verdade, essa muralha de concreto e arame farpado eletrificado avança profundamente nos territórios ocupados, dividindo em duas, às vezes em três, as localidades que atravessa, separando os camponeses de suas chácaras e rebanhos, os estudantes das suas escolas e os enfermos dos hospitais, deixando as populações palestinas incomunicáveis e tornando os deslocamentos através de suas portas, muito espaçadas, um pesadelo indescritível (que eu vivi).

Os estragos causados por essa barreira em Bilin foram mais brutais do que em outros lugares. Para construir o muro, o Tsahal, o Exército israelense, extirpou milhares de oliveiras centenárias e bloqueou o acesso dos pobres camponeses a suas pequenas plantações e campos onde pastavam suas cabras, condenando-os a uma morte lenta. Ao mesmo tempo, nos arredores se construía o complexo de Modiin Illit, de seis assentamentos de colonos judeus, financiado por capital canadense que apóia os projetos de fanáticos religiosos empenhados em construir o Grande Israel bíblico. Posteriormente, descobriu-se que aquelas construções eram ilegais, pois as empresas tinham adquirido as terras de maneira fraudulenta.

Há dois anos, na sexta-feira de 20 de fevereiro de 2005, grupos de israelenses começaram a se manifestar nos arredores de Bilin, solidarizando-se com os palestinos da localidade que faziam atos de protesto. Desde então, todas as sextas-feiras ocorrem essas reuniões públicas às quais se juntam voluntários internacionais, grupos defensores dos direitos humanos, jornalistas, instituições religiosas e muitos jovens chamados equivocadamente em Israel de 'anarquistas', já que entre eles estão hippies e punks, ecologistas , seminaristas, rabinos e comunistas.

Em 9 de setembro de 2005, minha filha Morgana e eu acompanhamos uma centena desses manifestantes israelenses que tentavam entrar em Bilin para unir-se aos palestinos que faziam mais um protesto. Mas somente alguns conseguiram ultrapassar a barreira erguida pelos soldados, que fecharam todos os acessos à aldeia. No meio da fumaça do gás lacrimogêneo lançado contra a multidão, uma jovem aproximou-se de nós e pediu que a tirássemos dali, para não ser presa. Foi o que fizemos utilizando nossas credenciais de jornalistas, que os soldados respeitavam. Essa jovem era Claudia Levin, cineasta israelense de origem argentina que, segundo nos contou enquanto seguíamos para Tel-Aviv, vinha realizando havia tempo um documentário sobre o drama da aldeia palestina e o movimento de solidariedade que despertara e no qual ela própria militava. Ela já havia sido detida e multada diversas vezes, mas não processada.

Seu documentário dura pouco mais de uma hora e foi realizado em condições muito precárias, com câmeras portáteis que, por causa das confusões nas quais estiveram sempre envolvidas - apedrejamentos, tiroteios, gás lacrimogêneo lançado pelos soldados, confrontos -, às vezes parecem voar em pedaços. Mas é profundamente comovente e deixa marcadas na memória algumas imagens que ilustram de maneira viva e contundente a tragédia cotidiana dessas pobres famílias palestinas - despojadas de seus miseráveis pertences, encurraladas e condenadas à extinção por uma política desumana que pune todos os palestinos dos territórios ocupados, forçados a pagar pelos crimes de um punhado de fanáticos do Hamas e da Jihad islâmica que, como os promotores do Grande Israel, estão convencidos de que o fim sempre justifica os meios.

IDEALISMO

Mas o documentário mostra que, apesar da terrível radicalização extremista vivida por seu país desde o fracasso das negociações de Camp David e de Taba (2000 e 2001), existe um outro Israel, com pessoas dignas e idealistas, que não perderam nem a cabeça nem a decência e não se tornaram racistas por causa da violência que as envolve. E mostra também como essas pessoas, como o meu amigo Meir Margalit e tantos outros, ao longo de dois anos e meio, têm dedicado todas as sextas-feiras de suas vidas, com suas bandeiras e cartazes, a encarar as patrulhas armadas até os dentes do Tsahal e ser pisoteadas, esmagadas, espancadas, asfixiadas pelo gás lacrimogêneo, multadas e encarceradas.

Não há nenhuma demagogia nas espantosas imagens do documentário. Os narradores são dois irmãos, jovens israelenses sem ideologia que são movidos não tanto por princípios políticos ou por mera decência, mas porque sentem que o que ocorre em Bilin é algo sujo e desleal, um roubo amparado no puro direito da força. Acreditam também que privar essas pobres pessoas de suas miseráveis terras, suas oliveiras e suas cabras no sacrossanto nome da segurança e ao mesmo tempo, nesse mesmo lugar, construir opulentas instalações para colonos é um comportamento cínico, um ato de colonialismo e de conquista que contradiz totalmente tudo aquilo que tornou possível o nascimento de Israel.

A prática do colonialismo é perversa, pois contamina tanto colonizadores como colonizados com ódio, violência, racismo e preconceitos. A seqüencia mais pungente do documentário é uma peça de teatro encenada nas ruas de Bilin por estudantes, na qual as crianças da aldeia imitam cenas que viram ou viveram em seus lares, à noite, quando soldados irrompem nas casas para levar os jovens ou fazer vistorias, batendo sem misericórdia em tudo que se move.

Isso porque esses soldados também estão mortos de medo e impregnados desse ódio contagiante que os leva a praticar as infâmias que praticam sem morrer de vergonha. E essas crianças também já estão impregnadas pelo ódio. Por isso brincam de morrer e matar, de disparar e colocar bombas, como fazem os adultos que as rodeiam.

Outra cena inesquecível no documentário é a de um soldado que, num ataque de desespero, grita para os fotógrafos à sua volta: 'Em uma semana estarei dispensado, portanto nada mais me importa. Tirem as fotos que quiserem!' E dispara à queima-roupa contra a multidão.

Será cumprida a decisão do tribunal que reconhece o direito à sobrevivência dos 1.600 habitantes de Bilin? A pergunta é cabível porque a Corte Suprema, que tem grande prestígio e muitas vezes demonstrou sua independência do poder político, há alguns anos já havia ordenado que o traçado do muro fosse retificado, pois asfixiava desnecessariamente a cidade de Qalqilya, dividindo-a em três, e até agora a sentença não foi executada. Por outro lado, a decisão de 9 de julho de 2004 da Corte de Haia, declarando ilegal a construção do muro, não foi levada em conta pelos governos israelenses. Assim, é possível que a agonia de Bilin se prolongue indefinidamente.

Na verdade, esse problema só terá solução se Israel e os palestinos firmarem um tratado de paz que reconheça o direito de Israel de existir dentro de fronteiras seguras, mas também estabeleça um Estado palestino real e viável, que não seja esse queijo repleto de buracos concebido por Ariel Sharon. Para muitos comentaristas, a guerra aberta entre o Hamas e o Fatah, que culminou com a tomada de Gaza pelo movimento extremista, afasta ainda mais a possibilidade desse acordo.

Mas uma pessoa sensata como Amos Oz, por exemplo, pensa o contrário. Para ele, a ruptura entre os palestinos moderados e os islâmicos facilita uma negociação entre Israel e a Autoridade Palestina. Oxalá que assim seja. O problema é a impopularidade do Fatah por causa de sua ineficiência e corrupção, o que explica a popularidade do Hamas, mais do que uma simpatia das massas palestinas pelas teses fanáticas e terroristas dos seus dirigentes.

Será possível que, um dia, israelenses e palestinos vivam como bons vizinhos e cooperem? Veja Bilin, My Love e você se convencerá de que sim. Vale acrescentar que esse documentário foi financiado por instituições israelenses, como o Ministério da Cultura. Portanto, não devemos perder a esperança.

Tradução de Terezinha Martino

Postar um comentário

0 Comentários
* Please Don't Spam Here. All the Comments are Reviewed by Admin.

Top Post Ad

Below Post Ad

Ads Section