Hizbollah mistura sangue e breguice em museu para lembrar heróis de guerra
Ferry Biedermann
Em Beirute
Um soldado israelense está pendurado da torre de um tanque semi-enterrado em uma cratera. Outro está caído ao lado da cratera. Pelo menos é o que os manequins pretendem retratar neste espetáculo de som e luz que constitui o clímax de uma exposição apresentada pela "mídia do Hizbollah" do Líbano para marcar a guerra do ano passado com Israel.
"Não há nada estranho nisto. Todo país celebra suas vitórias em museus", diz Ali Ahmad, um dos organizadores.
Ele aponta orgulhoso para a exibição de mísseis, cápsulas de artilharia e redes de camuflagem expostas no terreno de 5 mil metros quadrados no subúrbio de Haret Hreik, ao sul de Beirute - um enclave do movimento xiita que foi fortemente atingido durante a guerra.
Ahmad diz que a exposição foi um grande sucesso, com quase 100 mil visitantes nos primeiros seis dias.
É a temporada de férias no Líbano, e as exposições, uma mistura de sangue e breguice, foram um programa para famílias inteiras, provocando um ambiente quase festivo. Em uma das vitrines, há um berço de bebê fumegante em meio a um mar de algodão branco. Granadas de morteiro e algumas cápsulas formam o pano de fundo.
"Esse é o banho de sangue em Shiyah", explica um atencioso guia do Hizbollah. Perto do fim da guerra, uma bomba israelense atingiu um edifício nesse bairro, que até então havia sido considerado relativamente seguro, matando mais de 40 pessoas.
Uma jovem segurando um carrinho com duas crianças contempla a cena. "Eu quero que meus filhos saibam como são os israelenses", ela diz. Afirma que é de Shiyah e estava lá durante a guerra. Então por que vir à exposição? "Nunca é demais lembrar".
Mas um espaço relativamente pequeno da exposição foi dedicado ao impacto da guerra sobre a população libanesa. Mais de mil pessoas foram mortas e muitas outras ficaram feridas ou perderam suas casas.
Em vez disso, a ênfase é totalmente para o que o Hizbollah retrata como o heroísmo de seus combatentes e a vulnerabilidade dos soldados israelenses. Não há vestígio da operação que provocou a guerra: o ataque do Hizbollah através da fronteira, em que dois soldados israelenses foram capturados e três outros, mortos.
Em cartazes, vitrines e videoclipes, soldados israelenses são mostrados feridos, desorientados, gritando e enterrando seus mortos. "Queremos mostrar às pessoas que eles não são invencíveis. É o fim de um mito", diz Ahmad.
O espetáculo de som e luz no fim da exposição enfoca o que o Hizbollah apresenta como as piores derrotas israelenses na guerra: um navio de guerra que foi atingido da costa libanesa, os muitos tanques destruídos e o fracasso de Israel em evitar que o Hizbollah lançasse foguetes contra o país.
A atração mais popular, além da réplica dos bunkers subterrâneos e centros de comando do Hizbollah, é um videogame. O pessoal que cuida do site do Hizbollah está lá para mostrar Special Force II, a História da Verdadeira Promessa.
Em uma tela de televisão plana, combatentes animados do Hizbollah atiram contra um helicóptero israelense e acabam por derrubá-lo, em chamas. O combatente/jogador do Hizbollah também pode perder? "Sim, mas é só um jogo", é a resposta.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves