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Homens-bomba palestinos têm seguro de vida


Homens-bomba palestinos têm seguro de vida

Christoph Schult, Britta Sandberg
e Ansgar Mertin


Um banco importante no mundo árabe oferece contas que pagam uma espécie de seguro de vida para as famílias dos homens-bomba palestinos. Mas agora a instituição poderá enfrentar uma ação judicial movida por advogados norte-americanos que representam as vítimas.

Na manhã anterior ao dia em que planejava explodir a si próprio, Bassam Takruri usava uma camisa recém-passada, um blazer e sapatos engraxados. Às 10 horas o estudante se despediu do pai, que lhe deu dez shekels em dinheiro trocado. Era um belo sábado de maio na cidade palestina de Hebron.

Tudo parecia normal, pelo menos para o resto da família. Bassam, de 18 anos, um rapaz de olhos escuros e penetrantes, era ambicioso. Ele desejava se tornar engenheiro. O seu pai diz que ele era o seu melhor filho. Mas Bassam passou a última noite da sua vida longe da família - algo que vários militantes suicidas fazem a fim de não perderem a calma no último momento.

Na manhã do domingo escolhido por Bassam para desfechar o seu ataque terrorista, em Jerusalém, Steve Averbach colocou no coldre a sua pistola, assim como sempre fez durante vários anos. Averbach era policial. Não eram nem seis horas da manhã e os seus dois filhos pequenos, Sean e Adam, bem como a sua mulher, Julie, ainda dormiam. Em um ponto de ônibus na zona norte de Jerusalém, ele embarcou no ônibus número seis, um modelo verde com dois carros articulados. Por volta de 5h45, Averbach chegou ao ponto de ônibus de French Hill.

Averbach observou cada passageiro atentamente. Após ter atuado na unidade anti-terrorista do departamento de polícia de Jerusalém, ele estava ensinando a polícia, civis e seguranças particulares como manejar uma arma. Os seus colegas chegavam a chamá-lo de "Weapon Steve" (algo como "A Arma Steve").

Quando o ônibus começou a arrancar, um homem pela calçada correu até a lateral do veículo e o motorista parou e abriu a porta. O homem usava o casaco preto e um solidéu típico dos judeus praticantes. Mas a sua barba era muito rala. Ao perceber um volume por debaixo do casaco do homem, Averbach se levantou rapidamente e caminhou em direção ao desconhecido. Mas Bassam, disfarçado de judeu devoto, foi mais rápido que Averbach e detonou o seu cinturão de explosivos.

Bassam morreu e Averbach sobreviveu com seqüelas graves que durarão por toda a vida.

Poucas semanas após o ataque suicida, o telefone da casa dos pais de Bassam Takruri tocou. Do outro lado da linha estava um representante da Muassafat Usar al Shuhada, ou "A Organização das Famílias dos Mártires". Ele disse à mãe de Bassam que a família recebera dinheiro, mas que eles teriam que abrir uma conta no Banco Árabe para que pudessem retirar o primeiro depósito. Os Takruri ficaram surpresos, mas fizeram o que o homem disse. Pouco depois o dinheiro foi transferido para a nova conta. Dali por diante, a família de Bassam recebeu US$ 200 (152 euros) mensalmente durante mais de um ano.

O Banco Árabe é uma das maiores e mais importantes instituições bancárias no mundo árabe. O banco privado com sede na Jordânia, do qual a família Schuman, a fundadora, ainda detém 40% das ações, atua em 28 países. A monarquia jordaniana chegou até a agraciar Abd al Hamid Schuman com uma medalha pelas suas realizações e pelos serviços prestados ao país.

Mas há muito se suspeitava que o banco direcionava o dinheiro utilizado para financiar o terrorismo nos territórios palestinos ocupados. E as contas da sua filial palestina também seriam usadas para pagar um tipo de seguro de vida às famílias dos jovens militantes suicidas que explodem a si próprios com o objetivo de matar o maior número possível de israelenses.

A quantia sangrenta paga por um filho que se tornou assassino é de 20 mil riais sauditas - o que equivale a cerca de 4.000 euros ou US$ 5.000. O dinheiro segue uma rota tortuosa até chegar às contas bancárias das famílias que provam que o filho morreu por meio de um certificado de óbito apresentado à agência do Banco Árabe nos territórios palestinos ocupados. Depis disso, os depósitos são efetuados da mesma forma que ocorreu no caso de Takruri.

Os homens-bomba previdentes providenciam toda a papelada necessária antes de se explodirem em inúmeros fragmentos humanos. O chamado "Kit do Mártir" inclui de tudo, desde um certificado de óbito emitido pela Autoridade Palestina até um cartão de conta corrente no Banco Árabe.

O ataque perpetrado pelo estudante Bassam Takruri em 18 de maio de 2003 foi um dos piores da época. Ele trazia vários quilos de explosivos atados em torno da cintura e a intensidade da explosão foi tamanha que o ônibus foi levantado da rua. Sete pessoas morreram e 20 ficaram feridas.

Quando a polícia encontrou o corpo de Steve Averbach, o seu dedo ainda estava no gatilho da pistola. Ele recomendou cuidado aos policiais já que a arma estava destravada. Depois disso, Averbach desmaiou. Ele passou cinco semanas em uma unidade de terapia intensiva. Fragmentos de vidro perfuraram os seus pulmões, e uma esfera de metal penetrou no seu pescoço e se alojou entre a terceira e a quarta vértebra. Desde então, Averbach ficou paralisado do pescoço para baixo.

Um ano após o ataque, ele conseguiu um advogado, um norte-americano chamado Gary Osen, de Nova Jersey. Averbach quer agora processar o Banco Árabe com base em uma lei anti-terrorista de 1996 que torna ilegal o apoio financeiro a terroristas. O corte de cabelo de Osen, 37, é elegante, a sua voz é alta, e o seu comportamento é discreto. Ele tem muita experiência com casos de indenização por danos. Na Alemanha, ele representou os herdeiros da família Wertheim contra a grande rede de lojas KarstadtQuelle. "No nosso processo, nós acusamos o Banco Árabe de apoiar o financiamento de grupos palestinos extremistas", diz Osen. "O nosso objetivo é fazer com que seja mais difícil para estes indivíduos ter acesso ao dinheiro".

O seu escritório de advocacia representa 200 clientes norte-americanos que perderam parentes em Israel nos ataques terroristas. A firma de advocacia do famoso advogado norte-americano Ron Motley, que moveu uma ação de classe em favor das famílias das vítimas dos ataques de 11 de setembro de 2001, está representando 700 outras pessoas que buscam indenização. Os advogados estão otimistas quanto à possibilidade de pelo menos reduzirem o fluxo de dinheiro que vem principalmente da Arábia Saudita, através das contas do Banco Árabe, para os territórios palestinos ocupados por Israel.

Segundo a argumentação utilizada no processo, o dinheiro sangrento é muitas vezes coletado na Arábia Saudita e, a seguir, enviado por meio da agência de Nova York do Banco Árabe em dólares para a Faixa de Gaza ou a Cisjordânia. Acredita-se que grande parte do auxílio financeiro venha do Comitê Saudita para a Intifada Al-Quds, uma organização filantrópica chefiada pelo ministro saudita do Interior, príncipe Nayef.

"Esse comitê não passa de uma organização para a arrecadação de verbas de apoio à resistência palestina", afirma Osen.

Mas um porta-voz do grupo em Riad, a capital saudita, nega que a organização preste apoio às famílias dos militantes suicidas, alegando que o comitê apenas trabalha com organizações e ministérios palestinos oficiais.

Mas uma propaganda publicada no jornal diário palestino "Al Quds" em novembro de 2001 confere substância à teoria dos advogados norte-americanos. O comitê publicou uma propaganda com uma lista dos palestinos feridos e presos, assim como os nomes de alguns homens-bomba. As suas famílias foram instruídas a se dirigir à agência local do Banco Árabe a fim de receberem doações do comitê.

Em fevereiro de 2002, uma propaganda similar foi publicada em um outro informativo, o "Al Hayat Al Jadeeda", solicitando às famílias dos "mártires" que fossem ao Banco Árabe a fim de "receberem a décima parcela, totalizando US$ 5.316 para cada família, doados pelo comitê saudita". Os generosos doadores acabaram fornecendo US$ 1.594.980, através do Banco Árabe, a cerca de 300 famílias dos territórios ocupados.

Representantes da instituição financeira negam que o banco participe conscientemente de tais transações. "O nosso banco nada tem a ver com financiamento de terrorismo", garante Bob Chlopak, o porta-voz do Banco Árabe nos Estados Unidos. "Mas um banco não é uma agência policial. Ele não pode escrutinar cada um dos seus clientes antes que estes façam uma transferência bancária. E nenhum banco é perfeito".

Aparentemente isso se aplica também ao Banco Árabe, cuja agência em Nova York na Avenida Madison foi fechada pelas autoridades bancárias dos Estados Unidos por não contar com controles internos suficientes sobre as transferências monetárias. Em 2005, uma unidade do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos também aplicou uma multa de US$ 24 milhões sobre o banco, que não realiza mais transações em dólares ou transferências internacionais.

O exército israelense também encontrou, anos atrás, durante buscas realizadas na Cisjordânia, documentos que comprovariam as acusações de que o Banco Árabe tem sido usado por organizações sauditas para financiar o terrorismo. Alega-se que as verbas seriam tranferidas tanto para o Hamas quanto para a Jihad Islâmica. Documentos confiscados do Banco Árabe em 2003 indicam que transferências monetárias feitas pela agência de Nova York tiveram como destino a Sociedade Filantrópica Tulkarm, que possui vínculos com o Hamas.

Atualmente, Steve Averbach, 40, o sobrevivente do atentado, mora em Ganei Tikva, "o jardim da esperança", em uma rua calma de um subúrbio tranqüilo de Tel Aviv. Em frente da sua casa há uma van prateada que traz na janela traseira um adesivo azul com o desenho de uma cadeira de rodas. Averbach necessita de cuidados especiais 24 horas por dia. Ele é capaz de falar, balançar a cabeça, rir e chorar. Quando ele chora, a enfermeira precisa enxugar as suas lágrimas. Todos os dias ele toma 40 pílulas diferentes e o seu corpo jaz na sua cadeira de rodas.

"Eu não sou uma vítima do terrorismo", diz Averbach, olhando para a mulher, Julie. "As vítimas são a minha mulher e os meus filhos". Julie deixou o seu emprego de contadora e atualmente os Averbach vivem da minguada pensão da polícia. Se o processo movido contra o Banco Árabe tiver resultado ele poderá obter alguns milhões de dólares daqui a três ou quatro anos.

O pai do homem-bomba mora no bairro Ras al Jura, em Hebron. Jamal Takruri senta-se no seu sofá amarelo. É um homem mirrado que tem uma expressão amigável. Atrás dele, na parede, há uma foto do seu filho Bassam. A semelhança é inconfundível - os olhos grandes, a testa alta, as sobrancelhas grossas. Desde que o filho se explodiu, a família mora em um pequeno apartamento. Como retaliação, escavadeiras israelenses demoliram a casa da família poucas semanas após o ataque. O apartamento que atualmente é o lar da família Takruri pertence à Organização das Famílias dos Mártires - o mesmo grupo que subitamente ofereceu os generosos auxílios financeiros.

O pai de Bassam jamais questionou se deveria ou não aceitar o dinheiro depositado na sua conta do Banco Árabe. "Precisamos do dinheiro", diz ele, acendendo um cigarro. "De repente ficamos sem a nossa casa".
 
Tradução:
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