Rabino Ephraim Nisenbaum
Uma de minha mais afetuosa lembrança de infância era quando visitava a casa dos meus avós. Toda sexta-feira à tarde meu pai levava eu e meu irmão. A vovó nos abraçava ansiosamente, alimentando-nos com seu sua famoso kigel de batata, biscoitos de chocolate e refrigerante, o tempo todo enquanto nos ajudava dando conselhos e fazendo perguntas. Crescendo em meio a amigos, a maior parte dos quais já tinham perdido seus avós no Holocausto anos antes de nascer, me senti muito feliz por ter o amor de meus amados avós.
Anos se passaram e cresci, me casei e tive meus próprios filhos. A saúde de meus avós começava a se enfraquecer. Vovó sofria de demência e teve que ser internada para que tivesse um tratamento apropriado com enfermeiras, onde passou seus últimos sete anos de vida. Em seus últimos anos, já não conseguia mais nem se alimentar sozinha.
Visitá-la era deprimente; pois agora ela era somente uma sombra daquela grande avó que conheci, cheia de vida. Nem sabia se minhas visitas lhe faziam alguma diferença. Respeitosamente trazia meus filhos para visitarem-na, mas estes nunca notaram que, com o tempo as visitas começaram a ficar cada vez menos freqüentes.
Meu pai visitava vovó todo dia. Como um filho leal e amoroso queria ter a certeza de que estava sendo bem tratada e recebia a nutrição e os medicamentos certos pelas enfermeiras. Também se certificava se estava apresentável, embora eu mesmo não entendia se isto faria ou não alguma diferença. As enfermeiras sabiam que meu pai estava todo dia lá, verificando-as e a tratavam com cuidadosamente.
Freqüentemente meu pai levava meus filhos para visitarem o Bubby, seu bisavó. Eles voltavam com histórias fantásticas, super entusiasmados e diziam: "Nós vimos Zaide (vovô) pôr maquiagem no rosto de Bubby!"
Me senti culpado por não compartilhar com meus filhos os momentos de alegria ao visitarem a avó, mas justificava meu comportamento com o fato de que não se lembravam dela como eu, e não era tão deprimente verem-na como era para mim. Na verdade, não sentia a mesma responsabilidade pelo bem-estar da minha avó como meu pai o fazia, e não podia reunir o mesmo afeto que meu pai manifestou pela sua mãe e que tinha um grande impacto em meus próprios filhos. Sentia que já tinha perdido vovó há muitos anos.
Quando vovó faleceu me pediram que falasse em seu funeral, fizesse-lhe um louvor. Amei tanto minha avó que realmente queria expressar todo esse amor com as palavras certas, mas era difícil planejar o que dizer. As minhas lembranças mais recentes dos últimos sete anos eram de uma mulher incapacitada e não havia muito a dizer em relação a isso. Frustrado, me perguntei por que D'us prolongaria uma vida que já não fazia mais tanto sentido. Que
objetivos teria uma vida incapaz de cumprir as mitzvot (mandamentos) da Torá ou qualquer outra coisa?
Entretanto algo me fez parar para pensar. Quem somos nós para decidir o que constitui um objetivo de vida? Mesmo quando minha avó não era mais capaz de cuidar de si mesma, proporcionou a sua família um modelo de realização de uma das mais importantes mitzvot, que é honrar os pais. Meus filhos puderam ver seu avô cumprindo suas obrigações com minha mãe com cuidado e zelo, embora esta talvez nem tenha percebido o que era feito por ela. Afinal
aquilo não é um objetivo também? Pois, a função primária de um pai é ser um pedagogo para seus filhos. Às vezes o ato de educar é mais passivo do que ativo, mas pode muito bem ser a vontade de D'us para uma pessoa específica num tempo e lugar específico.
Tardiamente, percebi que embora os últimos sete anos tenham sido difíceis, tínhamos muita sorte de ter vovó fazendo seu papel como matriarca da nossa família. Percebendo isto ou não, nos propiciou uma experiência valiosa. Enfim, não tenho nenhuma dúvida de que vovó também se beneficiou de seu papel como professora para a família. Esta foi sua mitzvá.
Série súbita de acontecimentos
Vários anos se passaram e eu e minha esposa fomos abençoados com outra filha. Nossa alegria foi arruinada quando, logo depois de seu nascimento, o doutor nos informou calmamente que o bebê apresentava certos sinais característicos de Síndrome de Down. Embora não saberíamos o diagnóstico com certeza até o resultado dos testes, os sentimentos iniciais de medo e desespero apareceram imediatamente.
Eu e minha esposa nos olhamos sem saber o que fazer. O nascimento de nossos outros filhos não nos tinha preparado para esta súbita série de eventos. "Como deveria me sentir?" Minha esposa perguntou, desnorteada. "Isto é realmente uma simchá? Nós nem sabemos se o bebê poderá viver normalmente. Não sei se poderei lidar com isto".
Tentei lhe assegurar que muitas pessoas com Síndrome de Down conseguem realizar suas atividades e funções muito bem, e com a ajuda de D'us, a nossa também conseguiria. Mas
no fundo, também me perguntei, "E se não conseguir? Claro, que tudo vem do Todo-poderoso, mas que propósito poderia ter uma vida incapaz de observar as mitzvot? Este não é o propósito de nossa existência?".
De alguma forma, a pergunta parecia atingir toda a família, embora não soubesse ao certo porque. Então, outra questão familiar cruzou minha mente: Quem somos nós para decidir o que constitui um propósito de vida? E, de repente, pensei sobre o que vovó nos ensinou: que havia propósito para a vida, qualquer vida, até quando se é incapaz de executar as mitzvot como todo mundo. D'us, em Sua grande sabedoria, tem um plano e uma missão para todas as pessoas, sendo estas capazes ou não de perceber isto.
Se uma avó demente pode cumprir seu objetivo proporcionando à sua família oportunidades para fazer mitzvot, uma criança como esta também pode cumprir seu propósito da mesma maneira, além de apresentar suas próprias mitzvot especiais. Toda criança propicia a seus pais oportunidades de praticar amor e generosidade, e ainda mais uma criança com necessidades especiais. É, claro, todo pai adoraria apreciar a alegria que uma criança saudável traz, mas isto é somente um fator secundário para o objetivo principal de criar seus filhos, o de cumprir a vontade do Criador.
Quando olhei para nossa pequena e nova filha, senti uma onda de confiança e
encorajamento. Com certeza, ainda veremos muitas realizações e alegrias de nossa filha. Vovó já nos mostrou que a qualidade e o propósito na vida são extremamente valiosos e não somente as realizações
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Magal
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